30 novembro 2009

Classic # 22 - John Cale – “Music For A New Society” (1982 Ze/Island)

John Cale convida-nos a participar na sua particular viagem através dos sombrios recantos da vida, e nós num total devaneio consciente parece que acompanhamos a sua mente ao longo dessa viagem, recheada de indefinidas ânsias e saudades de algo desaparecido.
Estamos na presença de um disco esplêndido, mas que foi sempre extremamente subestimado na longa carreira de Cale.
Minimal, frugal e espectral (em completo contraste com as experiências “noise” do disco anterior “Honi Soit”), aqui existe uma arrebatadora sensação de desânimo, derrota, traição e desespero, que se senta lado a lado com pungentes passagens de pura beleza, entregues na desamparado e dramática voz de Cale.
Gentis mas perturbadoras baladas como “Taking Your Life In Your Hands”, “Thoughtless Kind”, “Sanities” ou “If You Were Still Around” (com letras de Sam Shepard) surgem acompanhadas por ameaçadoras e desarticuladas colagens sonoras, que substituem os “tradicionais” arranjos “rock”, e que provavelmente serve para demonstrar bem os instintos do ex-Velvet Underground, quer como experimentalista sónico, quer como criador de gentis melodias. Ouçam a forma como a maravilhosa “Risé, Sam & Rimsky-Korsakov”, edifica uma nova forma de expressão.
Um disco profundamente emotivo e inquietantemente pessoal, mas que nos acompanhará para sempre.
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John Cale - Taking Your Life In Your Hands

26 novembro 2009

Pop # 8 - Beachwood Sparks – “Once We Were Trees” (2001 Sub Pop)

Numa primeira abordagem este disco até poderá parecer fácil de descrever, mas escutando-o atentamente, constatamos que já não será assim.
É certo que similitudes serão sempre descortinadas, mas elas também não estão escondidas, pelo contrário, estão bem visível na sonoridade “West Coast” “country-pop” que incorpora o estilo sonoro saltitante de bandas como os The Byrds, os Love ou os The Flying Burrito Brothers - e cujas influências eles nunca negaram – e no facto dela ser intencionalmente sombria, reproduzida por processos e efeitos que utilizam variados métodos “vintage”. Mas neste disco também é visível o facto de explorarem ambiciosamente o alegre e puro psicadelismo mais em comum com os Pink Floyd de “A Saucerful Of Secrets”.
Eles soam verdadeiramente originais e desafiam uma categorização fácil. Produzem uma sonoridade aveludada, com óptimas mudanças rítmicas, magníficos arranjos orquestrais e harmonias fantásticas, assentes essencialmente nas estranhas vocalizações ondulantes, nas impetuosas guitarras e no espectral órgão.
Daí resultam canções incrivelmente contagiantes como “Confusion Is Nothing New”, “The Sun Surrounds Me”, “Let It Run”, “Your Selfish Ways”, ou a surpreendentemente soberba e palpitante versão de ”By Your Side”, original de Sade, que contém uma mensagem lírica que transmite ao ouvinte um sentimento de conforto e esperança, e que assim dá alguma serenidade ao tom carregado mais predominante ao longo deste disco complexo, que certamente se tornará num clássico intemporal.
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23 novembro 2009

Editoras # 6 - Twisted Nerve

Fundada em Manchester por Andy Votel e por Damon Gough (conhecido musicalmente como Badly Drawn Boy), esta pequena editora lançou a partir do final dos anos 90 um conjunto de discos que para além da sua qualidade musical, eram visualmente desafiantes. Assim tornou-se um prazer redobrado coleccionar esses pequenos pedaços de vinil (de 7”, 10” e 12”).
Aqui tento destacar alguns dos meus preferidos, mas o ideal é mesmo possui-los fisicamente.


Various – “Modern Music For Motorbikes/ Motorvehicles” (1999)

Various – “All Oar Nothing” (1998)

Badly Drawn Boy – “The Hour Of Bewilderbeast” (2000)
“EP 1” (1997)
“EP 3” (1998)

Alfie – “Sure And Simple Time” (2000)

Aiden Smith – “At Home With 2” (2003)

Sirconical – “Waving At Planes” (2005)


Explorem ainda os projectos Dakota Oak, Mum & Dad, Sirconical, DOT, Diane Cluck, Voice Of The Seven Woods.



Alfie - It's Just About The Weather

19 novembro 2009

Soulsavers - Broken” (2009 V2)

Em primeiro lugar, o que impressiona é a enorme evolução que “Broken” demonstra em relação ao disco anterior dos Soulsavers, “It’s Not How Far You Fall, It´s The Way You Land”.
Estamos na presença de um disco coeso, quer musical quer liricamente, assente na estranha combinação de Mark Lanegan com o duo Soulsavers, e que parece não estar confinada a géneros musicais e nem em ter limites. Este facto não será estranho a Lanegan, pois o próprio sempre se renovou ao longo da sua carreira, desde os tempos dos Screaming Trees, e passando por colaborações tão distintas como com Isobel Campbell ou com Greg Dulli nos The Gutter Twins.
E se o começo com o dilacerante “Seventh Proof” revela a qualidade e o conhecimento musical do duo Rich Machin e Ian Glover, quando ouvimos a sinistra e amarga “Death Bells”, é evidente que a presença do angustiado e errante Mark Lanegan (que no disco anterior tinha uma participação ocasional), é a mais-valia deste disco, pelo imenso impacto que a sua elegante, sombria, penetrante e rude voz atinge no ouvinte. Por isso mesmo, ele o ofusca os outros notáveis convidados presentes ao longo do disco, e que incluem Gibby Haynes (Butthole Surfers), Richard Hawley, Mike Patton (Faith No More, Mr. Bungle, Fantomas, etc) ou Jason Pierce dos Spiritualized.
Mas isto não significa que o disco não esteja recheado de belas canções que alternam entre uma introspecção deprimida e uma exuberância dramática, como a elegante “Unbalanced Pieces”, a virtuosa “You’ll Miss Me When I Burn”, o conforto jubiloso de “Shadows Fall”, a taciturna “Can’t Catch The Rain”, ou “Praying Ground” com a assombrosa voz de Rosa Agostino dos Red Ghost.
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16 novembro 2009

DVD # 5 – Wilco - “I Am Trying To Break Your Heart” (2003 Plexi)

Quando começaram a gravar “normalmente” ninguém deveria estar consciente que estavam a criar um brilhante documentário que acompanha os Wilco no processo de gravação do agora clássico “Yankee Hotel Foxtrot”.
Estamos na presença de um arrebatador e perspicaz exame à vida e ao processo criativo da banda e principalmente do seu reservado líder Jeff Tweedy – a força primordial por detrás dos Wilco e aquele cuja presença domina o filme - mas também ficamos com uma ideia do triste estado actual da industria discográfica e dos gigantes que a controlam.
É aqui que seguimos o exuberante entusiasmo inicial da banda sobre o dinheiro recebido, e por terem tido liberdade artística para gravar e produzir o próprio disco na sua Chicago; é aqui que eles expõem as suas lutas internas como unidade criativa e os seus egos a colidir, especialmente entre Jeff Tweedy e Jay Bennett; é aqui que estão registados os altos e baixos - incluindo os problemas com a editora Reprise, que detestou a primeira versão do disco e exige alterações no mesmo, e quando estes recusam faze-las a editora despede-os; é aqui que acompanhamos os notáveis episódios da discussão no estúdio entre Tweedy e Bennett sobre a mistura de “Heavy Metal Drummer”, ou quando seguimos Tweedy até a casa de banho onde este vomita. E apesar do seu mundo um tanto disfuncional, a banda surge como um grupo normal de pessoas (sem a posse “rock”) a tentarem criar um disco ambicioso.
Destaca-se ainda a esplendorosa fotografia (o realizador Sam Jones era fotografo), filmada num granulado preto e branco (e que transmite uma grande sensibilidade em filmar a cidade de Chicago) e as excelentes actuações ao vivo – especialmente os solos acústicos de Tweedy.
E como agora ironicamente sabemos com o sucesso atingido pelo disco, o filme acabou por ter um final feliz.

10 novembro 2009

Singles # 17 - The Smiths – “Hand In Glove” (1983 Rough Trade)

Apesar de ter sido considerada uma das melhores canções de amor dos últimos tempos, pela altura do seu lançamento, o primeiro single dos The Smiths nunca teve muito sucesso, e nem a insistência de Morrrissey em coloca-lo em inúmeras compilações iria alterar o seu destino. Mas é uma canção que retrata bem a verdadeiramente única relação que existiu entre a banda e os seus fãs.
Apoiada na controversa capa com um nu masculino, e pela sofrida letra acerca de um amor perfeito, que é arruinado pelo pessimismo de um deles e por uma sociedade pejorativa, cantada na assombrosa voz imediatamente identificável, e emparelhada pela cintilante música criado por Johnny Marr, que contava com a cuidadosa duplicação de guitarras eléctricas e acústicas, produzindo um som mais “rock” para o seu primeiro registro.
Curiosamente a versão que Sandie Shaw editou após criar uma amizade com Morrissey, teria muito mais sucesso.
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06 novembro 2009

Do fundo da prateleira # 18 - McCarthy – “The Enraged Will Inherit The Earth” (1989 Midnight Music)

Apesar de serem muitas vezes apenas referenciados por terem sido o grupo onde estiveram os futuros criadores dos Stereolab, Tim Gane e Laetitia Sadier (esta apenas tinha entrado no grupo pela altura do ultimo álbum), este quarteto inglês, originário da pequena cidade de Barking, criou uma sonoridade verdadeiramente única na combinação entre a guitarra melodiosa de Gane, com a distinta percussão de Gary Baker e a voz à menino do coro de Malcolm Éden. Daí resultaram pequenas jóias de “pop” dissonante que poderiam ter sido extraídas do reportório primário dos The Smiths, e que iriam inspirar futuros dissidentes da “agit-pop”, através de repetições melódicas, que apoiavam as manifestamente e expeditamente canções políticas, mas sem os slogans e o dogma, pois eram canções avunculares, recheadas de sátira social, sarcasmo e inconformismo, criticando os capitalistas, os banqueiros, os governantes ou a monarquia.
Destaco o segundo disco (“I Am A Wallet” de 1987 também é indispensável), porque foi o primeiro que tive e por incluir a minha canção favorita deles – “Keep An Open Mind, Or Else” – e para além desta obra-prima, inclui outras preciosidades como “Boy Meets Girl So What”, “I’m Not A Patriot But”, “You’ve Got To Put An End To Them” ou “The Home Secretary Briefs The Forces Of Law And Order”.
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04 novembro 2009

Inovadores # 14 - Tortoise - “Tortoise” (1994 Thrill Jockey)

A história da música alternativa americana foi involuntariamente alterada em 1993 quando um conjunto de membros de bandas como Bastro, Tar Babies, Gastr Del Sol e Eleventh Dream Day (apenas para numerar alguns) entraram no estúdio Idful Music Corporation em Chicago. As sessões daí resultantes produziram um elegante trabalho. Simultaneamente rico e esquelético, era uma brilhante e totalmente instrumental exploração de ritmo e fidelidade (uma verdadeira exploração sonora, reflectiva e cerebral), que busca inspiração – sem directamente referenciar - no “dub”, no “jazz”, no “krautrock”, no “funk”, na música electrónica e no pós-punk, que criava ilimitadas possibilidades.
Jubiloso, austero e cáustico, está recheado de ritmos tensos e tremeluzentes, e distintivas dinâmicas, onde a música nunca varia de velocidade, e que é em iguais partes dócil quietude rítmica e um muito particular e refinado som cerebral.
O próprio Steve Albini interminavelmente divulgou o disco, e chegou mesmo a declarar que este era o melhor disco alguma vez feito em Chicago. Dan Bitney, John Herdon, Douglas McCombs, Bundy K. Brown e John McEntire deram-nos um disco que se assimila com simplicidade e como os vários admiradores provaram, é também um disco fácil de prestar homenagem.
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Tortoise - Onions Wrapped In Rubber

02 novembro 2009

R.I.P.: António Sérgio

Aos 59 anos, António Sérgio, último dos radialistas com programa de autor, morreu sábado à noite em consequência de um problema cardíaco, mas a sua influência nas ondas hertzianas estendeu-se ao longo dos anos, na divulgação da chamada música alternativa.
Começou em 1968 na Rádio Renascença, mas foi no final da década de 1970, quando ingressou na Rádio Comercial, que a sua popularidade se consolidou, ajudando a divulgar novos estilos e tendências da música moderna. Ficaram celebres programas onde deixou a sua imagem de marca como Rotação, Rolls Rock, Som da Frente, Lança-Chamas, O Grande Delta e A Hora do Lobo.António Sérgio fazia actualmente o programa Viriato 25 da rádio Radar, e cujo dono o qualificou como "um mestre da rádio, uma referência" ou o "John Peel português".
Musicalmente foi um pai para muitos da minha geração, e uma das suas frases com que mais me identifico é: "tudo é música desde que saibamos apreciar".
Muita falta vai fazer.