25 maio 2009

Editoras # 5 - Factory

A Factory desempenhou um papel incrivelmente activo dentro da sua comunidade natal. Pode ser citada como uma influência cultural catalisadora do noroeste britânico na decada de 80.

A editora “Factory” foi precedida pelo clube “Factory” domiciliada no Russell Club em Manchester durante o ano de 1978. O seu nome foi escolhido por Alan Erasmus (um actor que foi sócio de Tony Wilson em vários aventuras), não, como normalmente é associado, ao estúdio de arte de Andy Warhol nos anos 60 em Nova Iorque, mas pela simples razão de que um enorme placar com a designação “Factory for Sale” chamou a sua atenção. Poucos meses depois, em resposta à florescente actividade musical de Manchester e da vizinha Liverpool, e pelo sucesso do clube, acharam que podiam capitalizar ainda mais com a edição de 12”.
Wilson e Erasmus aceitaram o desafio e recrutaram o produtor local Martin Hannett e o designer Peter Saville. Em Janeiro de 1979, saiu o duplo 7” “A Factory Sampler” com a contribuição dos Joy Division, The Durutti Column, John Dowie e Cabaret Voltaire. Baseados no modesto apartamento de Erasmus, a editora destacou-se pela excêntrica união de música alternativa com uma perversa destreza por discografias estranhas.
No verão de 79, os A Certain Ratio , heróis não celebrados até ao dia de hoje, editaram “All Night Party” e os Orchestral Manoeuvres In The Dark, “Electricity”. Mas o passo mais arrojado foi quando Rob Gretton, manager dos Joy Division, decidiu editar o enorme álbum de estreia, “Unknown Pleasures”, pela Factory em vez do gigante WEA. Apesar do disco ter recebido criticas mistas na imprensa especializada, a sua edição conjuntamente com o subsequente single, “Transmission”, definiu o futuro durante anos.E se nos primeiros meses demonstraram uma capacidade de aproveitar as oportunidades que surgiram à sua volta, os anos seguintes provaram o quanto difícil seria sobreviver. Os Joy Division atingiram grande sucesso com o enorme “Love Will Tear Us Apart”, mas o suicídio de Ian Curtis obrigou-os a repensar no futuro. Assim surgiram os New Order, que iriam com “Ceremony” e “Movement” editar discos de grande sucesso em 1981, em contraste com as menos distintas edições dos Minny Pops e Stockholm Monsters.
Nessa altura as ambições aumentaram e a Factory Records tornou-se na Factory Communications Ltd., e surgiu um clube associado ao império Factory, o Hacienda. Os primeiros rumores de falência surgiram logo no ano seguinte, mas em 1983, com a edição do single recordista de vendas "Blue Monday” dos New Order, a situação acalmou. Só assim se justifica a edição de registos de bandas como Abercederians ou The Wake. A partir de 1985, começou a surgir no Hacienda, um movimento inspirado pela música de dança originária dos Estados Unidos que anos mais tarde viria a designar-se por “Madchester”, e que iria culminar com o sucesso em 1987 de “True Faith” dos New Order, e de “Squirrel And G-Man, 24 Hour Party People…” o primeiro álbum dos Happy Mondays.
Com o surgimento de novas dificuldades financeiras, a companhia tornou-se menos errante, começou a utilizar melhores técnicas de marketing, muito mais de acordo com o resto da indústria musical, e realizaram os primeiros contratos escritos da sua história.
Com o advento da “acid-house”, com a Hacienda como expoente do movimento, com o sucesso de “Bummed” dos Happy Mondays, com “Technique” dos New Order, a atingir o lugar cimeiro dos tops, o despontar de uma nova era adivinhava-se. A “dance remix” de “Wrote For Luck” dos Happy Mondays, não foi a primeira, mas foi certamente a mais efectiva nesta ocasião, tornando Shaun Ryder e companhia, nuns improváveis heróis adoptados pela nova geração “pop-dance”.
Projectos como os Northside e os Revenge de Peter Hook ofereciam pouco em termos de inspiração musical. E só os Happy Mondays dominavam com sólidos sucessos como os singles “Hallelujah” e “Step On” ou o álbum “Pills ‘N’ Thrills And Bellyaches”, mas mesmo eles não estavam a gerar as receitas necessárias para suportar a organização.
Mas a Factory sofreu outro imprevisto quando as autoridades encerraram o Hacienda. A contratação dos The Wendys e dos The Adventures Babies também não iria convencer ninguém. E para culminar tudo os dispendiosos débitos na gravação de “Yes Please!” dos Happy Mondays nos Barbados e de “Republic” dos New Order em Ibiza, curiosamente as suas bandas mais rentáveis, fizeram com que em Novembro de 1992, a Factory Communications Ltd, declarasse falência.

20 maio 2009

Mono – “Hymn To The Immortal Wind” (2009 Temporary Residence)

Depois do excelente “You Are There” (2006) era com expectativa que se aguardava o regresso dos Mono, felizmente eles excederam-se e criaram uma cinemática, iluminada, meditativa e espiritual obra-prima orquestral.
Produzido por Steve Albini, cuja atenção aos requintados pormenores de gravação do som ambiente dá ao disco uma sensibilidade sufocada e claustrofobica, a qual paradoxalmente fornece a sua explosiva conectividade. E a banda usando similaridades estruturais que dão ao disco uma essencial homogeneidade e fluxo, criam temas irresistíveis, começam com delicadas melodias, depois aplicam camadas e camadas de guitarras (inundadas de noise) e arranjos de cordas, e finalmente adicionam cintilantes explosões revestidas de uma enorme aura.
O disco abre com a colossal e asfixiante experiência que é “Ashes In The Snow”, a qual fornece o padrão sonoro, ao atingir o seu intolerável clímax somente passados oito minutos (num total de onze que constituem o tema), mas que transgride o estabelecido protocolo musical ao possuir e introduzir um novo “coda” – uma secção de cordas que domina o disco. Notáveis são também as arrebatadoras guitarras e orquestrações de “The Battle To Heaven”, o melancólico “Burial At Sea” e o seu provocador esplendor, o vertiginoso espiral de feedback e frenesim orquestral de “Pure As Snow (Trails Of The Winter Storm)”, até fecharmos ao belo capitulo final, “Everlasting Light”, recheado de convenientemente esmagadores crescendos, que desabrocham num elevadíssimo vértice final. E que estabelece os Mono como modernos expoentes máximos do “post-rock”, ao lado de Sigur Rós, Explosions In The Sky ou A Silver Mt. Zion.
_

18 maio 2009

Classic # 20 - Joy Division - “Closer” (1980 Factory)

É difícil descrever adequadamente a experiência que é a audição de “Closer”. É formidável a forma como os Joy Division conseguiram amontoar tanta ruína e melancolia num disco. Ao lado de “Closer”, muitas das supostas bandas “melancólicas” parecem superficial, e poucas são as bandas desse período que tivessem uma visão “pós-punk” tão seca, gelada e isolada.
“Closer” é um disco completo, cuja autenticidade como facto é garantida pela autenticidade da vida (e morte) do seu criador. Imensamente deprimente e sombrio, é no entanto estranhamente compelível, não obstante a sua gelada beleza.
A voz de Curtis estava mais rica e mais expressiva, recheada de letras completamente honestas sobre a perda de fé na humanidade, o isolamento, a perda de controlo e por fim a morte. “Closer” revela a sua perturbada vida interior, com rendições de depressão e alienação, capturando o desespero e as ansiedades resultantes da sua deterioração física devido à epilepsia. E as inflexíveis e vagas texturas musicais, tipicamente escassas e friamente eficientes fornecem o perfeito fundo de misteriosa e penetrante obscuridade. Menos baseado nas guitarras do que “Unknown Pleasures”, “Closer” é mais exposto e amplo, edificado sobre teclados e uma sonoridade minimalista.
Como expressão musical e lírica, “Closer” é um dos discos mais fascinantes de sempre, evidenciado pela sinistra percussão tribal de “Atrocity Exhibition” (cuja referência “This Is The Way- Step Inside” é um convite para a câmara de horrores que é Closer”), a precisa electrónica matemática de “Colony”, os espaçados e hipnotizantes acordes de “A Means To An End”, a singela e formosa “Heart And Soul , a aniquiladora melancolia de “Passover”, e pelas 3 últimas faixas, que reforçam esse enorme impacto emocional, começando com “24 Twenty Four Hours”, passando pelo vagarosamente dilacerante “The Eternal” e terminando com o irresistível e dolorosamente excessivo “Decades” (especialmente com a pergunta “Where Have They Been?).
Uma pergunta paira constantemente no ar -“Teria a música o mesmo poder se Curtis não se tivesse suicidado?” – mas para mim isso não é relevante, nem o mais importante, apreciamos antes o facto de termos ficado com “Closer”, a elegia de Curtis.
_

14 maio 2009

Do fundo da prateleira # 16 - Moonshake - “Eva Luna” (1992 Too Pure/Matador)

Após repetidas audições, o disco de estreia dos britânicos Moonshake ainda revela surpresas e possibilidades.
Liderados pelos compositores, guitarristas e”samplistas” Dave Callahan e Margaret Fiedler, o quarteto usou a tecnologia do “sampling” para criar novas perspectivas sonoras sobre o altamente rítmico suporte base.
Fugindo dos géneros musicais estabelecidos, ofereciam tumultos e excitação, através de uma furiosa decadência urbana e enaltecimento do ódio. Aparentemente, misturavam pedaços grosseiros de discos “easy-listening” com os sons das suas desconexas implosões orquestrais enquanto as tendências “pós-punk” da banda (notavelmente próximas dos P.I.L. de “Metal Box”) acentuam a tensão e animosidade.
De um lado tínhamos as entusiastas, hipnóticas, sedutoras, murmurantes e incendiárias canções de Fiedler, do outro os desdenhosos, no entanto brilhantes, comentários social, normalmente bombásticos do perpetuamente transtornado Callahan. E se quase soam como bandas diferentes, tudo funciona numa imaculada unicidade.
Mas a pressão e a carga de stress que fizeram “Eva Luna” tão forçado, teve que ceder, e 18 meses depois, Fiedler e o baixista John Frennett terminaram o grupo para formar os Laika com Guy Fixsen (o produtor da banda, deixando Callahan e o baterista Mig, que recrutaram dois novos elementos para o irregular disco seguinte, “The Sound Your Eyes Can Follow”.
Neste “Eva Luna” (cuja edição americana inclui ainda o excelente EP, “Secondhand Clothes”) oferecem quer lições históricas de “pós-punk”, quer reflexões sobre direcções futuras.
_

11 maio 2009

My Favorites # 15 - The Feelies – “Crazy Rhythms” (1980 Stiff)

Originários de Hoboken, New Jersey, foram juntamente com Sonic Youth, Mission Of Burma ou Bush Tretas, uma das bandas da costa este que estiveram na vanguarda do movimento pós –punk americano. As ideias musicais de Glenn Mercer e Bill Million sobre minimalismo, dinâmicas, tonalidades e texturas musicais foram apoderadas pelo núcleo central dos músicos que integravam o emergente movimento “rock alternativo”.
Criaram uma inimitável e completamente única sonoridade, onde as suas canções tem uma evidente sensação de urgência e a sua sonoridade destilava uma perfeita sensibilidade estética. As guitarras de Mercer e Million são delicadas e elevadas – em contraste com os fortes acordes do “punk” – o incessante e descendente dedilhar, com crescendos sem clímax, e acções descontroladamente repetitivas é um óbvia influência dos Velvet Underground. Os ritmos – vocais e instrumentais – eram tensos e desassossegados – tal como os Talking Heads, mas com uma qualidade ameaçadora que foi meia abafada na música dos Heads, com as suas investidas na “world music”.
São inevitáveis as comparações com os grupos já referidos e os Television, mas “Crazy Rhythms” é tão impressionantemente original que é como se tivesse desenvolvido numa estufa desprovido de quaisquer influências ambientais. E o que torna o disco ainda mais inovador, foi o facto da percussão ser particularmente efectiva, em virtude da substituição do anterior baterista pelo extravagantemente inventivo Anton Fier. O seu frenético e forte tambor “tom-tom” tornou-se numa terceira voz no diálogo rítmico com os duelos de guitarra de Mercer e Million. Para além disso, o uso de um variado conjunto de instrumentos de percussão pouco convencionais (tamborim, “maracas”) e a acção combinada entre silêncio e ruído adiciona estrutura e solidifica o seu som. Daí resultaram momentos sublimes como a honestamente semi-biográfica “The Boy With Perpetual Nervousness”, “Fa Ce La”, a intensa “Moskow Nights”, a contagiante “Loveless Love”, a “estratificada complexidade de “Force At Work”, “Original Love”, a revoltada “Raised Eyebrows”, ou a irreconhecível e irreverente versão de “Everybody’s Got Something To Hide Except For Me And My Monkey” dos Beatles.
Um disco muito subestimado (e o único disco onde exerceram controlo criativo), ideal para descobrir as origens do “indie rock”/”rock alternativo”, onde muitos grupos - R.E.M., The Dream Syndicate, Yo La Tengo, até Clap Your Hands Say Yeah - retiraram elementos sonoros, mas que não são tão citados como alguns dos seus pares.
_

08 maio 2009

Bill Callahan – “Sometimes I Wish We Were An Eagle” (2009 Drag City)

O seu segundo registo sobre nome próprio depois do estilisticamente disperso e liricamente relaxado, “Woke On A Whaleheart”, é um regresso ao temas parcialmente sombrios e à suave monotonia da sua prestação como Smog, após uma breve experiência com a felicidade, conforme ele próprio afirma no dolorosamente belo semi-autobiográfico “Jim Cain”: “I used to be darker, then i got lighter, then i got dark again”.
Aqui descobrimos o seu autor muito concentrado em torno de um despojado “alt-country pop” carregado de luxuriantes e concisos instrumentos de corda. Tal como na incarnação Smog, usa narrações na primeira pessoa, mas agora vivifica as atribuladas histórias com sentimentos admiravelmente fortes. Parece que ele está a falar directamente connosco, recontando sórdidas histórias de dor e conhecimento. A sua famosamente seca voz soa amplamente desenvolvida e demonstra muito mais desprendimento e maturidade como músico/compositor – a refinada palete musical é tornada muito mais transparente pela cristalina produção, muito distante do rude lo-fi, de discos como “Julius Caeser” ou “Wild Love”.
O ouvinte é convidado para inúmeros momentos transcendentes como na profundamente sincera, docilmente galopante “Eid Ma Clack Shaw”, na agridoce “The Wind And The Dove”, na dramática “Too Many Birds”, na sinistra indolência de “My Friend”, na intimidadora “All Thoughts Are Prey To Some Beast”, no desorientado instrumental “Invocation Of Ratiocination”, até fechar ao delicado fecho com o arrebatador anti-épico “Faith/Void”. Fazendo com que este disco seja o culminar da sua singular e astuta narrativa e encantadora entrega.
_

06 maio 2009

Electronic # 10 - Tarwater – “Dwellers On The Threshold” (2002 Kitty-Yo)

O título do disco é uma oblíqua referência à linha que demarca a fronteira entre os cantores/compositores dos criadores de electrónica. E os Tarwater bem personificam essa divisão, caminhando sobre essa linha, entre o analógico e o digital, o tradicional e o moderno.
O quarto disco do grupo de Berlim na editora alemã Kitty-Yo é o mais aventureiro que editaram, uma inversão de alguns dos seus trabalhos iniciais. Pois aqui a sonoridade sombriamente hipnótica fica curiosamente mais fria, ao hesitar perante outra divisória: entre a dissonância da electrónica e a concreta inflexibilidade do industrialismo. O rigor dos contornos da música torna-o menos abstracto do que discos anteriores, mas aqui domina uma austera economia que determina os seus pequenos e comprimidos temas, que na maioria consistem em altamente tratados “beats” e “samplers” vocais.
Eles abandonaram o desfavoravelmente delimitado “som europeu” que garantiu aos Tarwater e ao seu grupo gémeo To Rococo Rot a sua reputação de filhos dos Kraftwerk. No seu lugar surge uma encantadora e alargada “mix” geográfica. Em “Phin” transformam-se tambores africanos numa sensual corrente rítmica, enquanto “Be Late” é tão voluptuoso como um exuberante “gamelean” Indonésio.
A diferença entre os Tarwater de agora e antigamente é mais vividamente sublinhada num redentor humor que espreita debaixo da sua ascética imagem. Pequenos “samples” presumivelmente retirados de um comício político apimentam “Miracle Of Love” mas com ideias a correr em sentido contrário ao seu título. Enquanto, “Tesla” (inspirado nos “b-movies” dos anos 50) mitiga o desdenhoso objectivo dos Tarwater, ao insinuar que foram raptados por extraterrestres.
_

04 maio 2009

Rock # 8 - The Replacements – “Let It Be” (1984 Twin/Tone)

Nomear um disco com o mesmo título com que os Beatles nomearam um dos seus, pode ser um pau de dois bicos. Felizmente estes quatro rapazes de Minneapolis (e companheiros de estrada dos Hüsker Dü) criaram um disco extremamente consistente que em nada envergonha o do quarteto de Liverpool.
Em grande parte devido aos incríveis talentos naturais de Bob Stinson e Paul Westerberg – que até podiam aproximar-se em “talento bruto” de Lennon & McCartney - foram das melhores bandas surgidas no início da década de 80 a exprimirem a sua revoltada angustia através da música – um incontornável “pop-trash” malandro. Agrupadas no movimento “punk/alternative rock” americano (apesar da sua sonoridade incluir elementos de “hard rock”, “country” ou até de música psicadélica), situavam-se num patamar muito superior à maioria dos grupos desse movimento.
A excelente capacidade de composição de Paul Westerberg surge no seu estimável melhor em “I Will Dare” e “Androgynous” – onde mistura pura poesia com uma porção de humor.
Destacam-se ainda a revolta de “We’re Coming Out”, a desilusão da adolescência intencionalmente mordaz de “Sixteen Blue”, o “punk” puro de “Gary’s Got A Boner”, a provavelmente auto-biográfica “Unsatisfied”, ou a torturada canção de amor “Answering Machine”. E se “Black Diamond” poderia ser a mais obscuras da versões visto ser um original dos Kiss, quem entende a banda percebe que encaixa perfeitamente e é bem melhor que o original.Um clássico da década e um dos mais importantes discos do “rock alternativo” americano.
_