16 fevereiro 2011

Rock # 20 - Fugazi – “Repeater” (1990 Dischord)

Este foi o real inicio para os Fugazi, após dois registos que foram liricamente e musicalmente desenvolvidos por Ian MacKaye (após o termino da sua antiga banda, Minor Threat), “Repeater” já foi uma junção de esforços de toda a banda, e é assim o primeiro real álbum dos Fugazi. Com Guy Picciotto como segundo vocalista e guitarrista, eles levam a banda a uma estranha dicotomia que tanto sustenta, disputa ou condensa o som em novos arranjos que são simultaneamente familiares e estranhos. Joe Lally e Brendan Canty alimentam-se um do outro e criam uma secção rítmica quase tribal que às vezes se torna tão complexa e unificada que é fácil esquecermos que é apenas um baixo e uma bateria. Angular, “funky”, irregular, emocional, politico, “Repeater” foi o anti-“Nevermind”, uma gravação histórica que mudou o som de uma subcultura sem se submeter as mãos gananciosas das grandes editoras. E apesar de as letras de MacKaye e Picciotto parecerem enfadonhas em alguns aspectos, certas linhas ressonam com a clareza de aforismos verdadeiramente Zen: “You are not what you own”; “Merchandise keeps us in line”; “Never mind what’s been selling, it’s what you’re buying”. Mais do que qualquer outra coisa no catálogo dos Fugazi, estas linhas resumem a postura da banda contra a produção de “hits” pelo “rock corporativo”, a manipulação da indústria publicitária e outros restantes abusos de poder. E em contraste com a mentalidade de escapismo, de ironia ou de vitimização que dominou muitos dos discos de “rock alternativo” da mesma década, “Repeater” mostrou que a paz interior é possível para aqueles de nós dispostos a fazer alguns sacrifícios pessoais.
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10 fevereiro 2011

Inovadores # 18 - Cluster – “Cluster 71” (1971 Philips)

“Cluster 71”, foi uma fantástica viagem sonora criada por Dieter Moebius e Hans-Joachim Roedelius no ano de 1971 para a editora Philips, antes de se mudarem para a editora Brain, e sempre foi indevidamente negligenciado na sua carreira, e nem mesmo o sempre constante revivalismo “krautrock” se lembra dele.
Na altura julgado demasiado pesado e teutónico, é um registo presciente pois prefigura muita da música dos séculos XX e XXI, nomeadamente o “illbient” por 20 anos, com partes a soarem estranhamente como DJ Spooky.
Edificado por Conny Plank, as três intituladas faixas formam escuros ecos em torno de frios e repetitivos padrões de sintetizador, com “drones” electrónicos em dissolução e esporádicos sinais de alerta, fundindo as novas possibilidades de produção de ruído electrónico com as repetições e as ressonâncias do “dub”.
Um tipo de “space music” mas com uma grande ressaca, os seus estridentes sintetizadores serpenteiam para as profundezas através de um ofuscante movimento sonoro rotativo, enquanto fragmentos de irregulares batidas evocam um disforme “techno”.
Ao longo dos anos, os muitos que tentaram recriar a vasta solidão do infinito, geralmente surgiram com algo parecido com o que aqui foi realizado. Mas surpreendentemente, este disco atinge a atmosfera e a sonoridade intentada mais do que qualquer equipamento contemporâneo provavelmente conseguiria.
Um disco verdadeiramente absorvente.
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04 fevereiro 2011

Pop # 16 - Apple Boutique – “Love Resistance” (1987 Creation)

Lembro-me perfeitamente que foi na nossa querida RTP2, que no final das tardes dos anos 80, passava programas musicais originários de Inglaterra, um deles, às 6ª feiras, era dedicado à música “indie”, e foi aqui que ouvi pela primeira vez, este registo único elaborado por dois ilustres secundários, Philip King e John Mohan, que entre outras bandas, tocaram nos The Servants, Lush e Felt (que curiosamente gravaram uma canção intitulada “Apple Boutique” no seu álbum de 1988, “The Pictoral Jackson Review”).
Aqui brilhantemente cruzaram uma bela melodia com uma letra simplíssima no que iria resultar numa perfeita canção “pop”, que é uma alegria pura ouvir repetidamente.
Destaca-se o excepcional trabalho de guitarra e a interacção entre os instrumentos, numa forma delicada e inspirada de tocar o denominado “jangle pop”, que nos anos 80 era encharcado pela sonoridade das Rickenbacker inspiradas nos The Byrds, mas que aqui se mostrava visionário em comparação com a s maioria das bandas da altura.
O lado B inclui ainda a enorme “The Ballad of Jet Harris”, uma canção quase instrumental que gradualmente cresce até atingir um elegante final (e aqui eles rivalizam com os melhores Felt) e a interessante “I Don’t Even Believe In You”. Um verdadeiro tesouro perdido.
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