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11 janeiro 2011

Electronic # 19 - Oval – “94 Diskont” (1995 Mille Plateaux

“94 Diskont” é um daqueles discos que podia e deveria ter mudado a rota da música moderna. Hoje desfruta de um prestígio indiscutível, mas a sua influência na estética contemporânea parece ser inversamente proporcional.
Um trabalho singular, contribuiu para a evolução artística ao utilizar a tradição estabelecida e esmagando tudo em pedaços, numa época em que a maioria dos músicos procurava inspiração nas décadas anteriores, “94 Diskont” surgiu com uma refrescante visão do futuro, não abandonando a música electrónica do passado, mas transformando-a de formas imagináveis.
O tema de abertura “Do While” consegue, em pouco mais de 20 minutos, um ponto culminante e de destilação de todos os anteriores esforços minimalistas na música.
Conscientemente ou não, sintetizou a influência e as melhoras práticas do mais puro minimalismo de Steve Reich ou Terry Riley com essência digital da nova tecnologia “instrumental”.
A partir de detritos digitais, Oval construiu um ressonante holismo de pura beleza cristalina. E se o disco é difícil no seu propósito e metodologia, também não revela as influências e arrisca, agravado por um forte sentimento de melodia e capacidade de composição.
O tempo demonstrou que o trabalho de Markus Popp foi revolucionário, começando com a criação – ou melhor, negação – do facto musical, reduzindo-o a um conjunto de processos e algoritmos, sem aplicações dramáticas ou emocionais. Apesar de intransigente, revela-se mais acessível com subsequentes audições.
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11 julho 2010

Electronic # 18 - Arthur Russell – “World Of Echo” (1986 Upside/Rough Trade)

Um dos menos “honrados” elos entre o “disco” e o “avant garde”, Arthur Russell, foi um violoncelista cuja ânsia de experimentar foi demasiada para a Manhattan School of Music, pois desde que chegou a Nova Iorque nos meados dos nos 70, para aí estudar, começou a fazer conexões entre os formatos.
O simplesmente espantoso “World Of Echo” (o disco é essencialmente uma exploração do eco nas suas diversas formas) – para violoncelo solo, voz, efeitos e electrónica – encerra em si mesmo muitas das suas ideias para uma música “loose-limbed” (como o próprio a definiu) e que sempre manteve a curiosidade como a sua parte mais central. “World Of Echo” continua a ser um disco extraordinário pelos seus cintilantes, reverberantes, quase tangíveis sons: ritmos “sonar” e melodias derivam através de várias camadas de som e significado, como uma metáfora para o inconsciente.
Apesar de Russell, que faleceu em 1992 vitima de SIDA, ser muitas vezes lembrado apenas pelos seus “singles” “disco” nos Loose Joints e Dinosaur L – “Kiss Me Again”, “Is It All Over My Face”, “Go Bang” – e por ter co-fundado a Sleeping Bag Records, este meditativo, quase melancólico registo, categorizado simplesmente como estranho aquando da sua edição, deve ser reexaminado bem de perto.
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12 junho 2010

Electronic # 17 - Dntel – “Life Is Full Of Possibilities” (2001 Plug Research)

Os discos anteriores do projecto de Jimmy Tamborello dos Figurine estavam mais alinhados com o IDM praticado por experimentalistas com Fennesz ou Oval. Mas aqui ele resolveu sair das gélidas sombras do “glitch” e separar-se dos inúmeros “bedroom programmers” e apimentar a sua electrónica ao fundi-la com elementos do mais irregular” indie-pop” - incluindo o recrutamento de alguns vocalistas da elite “indie” como Ben Gibbard dos Death Cab For Cutie, Mia Doi Todd ou Chris Gunst dos Beachwood Sparks – explorando no processo todas as suas incomparáveis e infinitas possibilidades.
Assim magníficos instrumentais são intercambiados com canções onde Tamborello manipula os convidados vocais como se fossem “samples” para criar delicados e intimistas ambientes. O disco demonstra a incrível capacidade de Tamborello para elaborar intricadamente acessíveis e credíveis canções “pop” a partir das mais abstractas formas da música electrónica, pois poucos “músicos electrónicos” chegam perto da robustez de composição contida neste delicadamente produzido disco.
Sejam os encharcados efeitos digitais de “Umbrella”, o assombroso “Anywhere Anyone”, com Mia Doi Todd a cantar tristemente sobre uma mix de sintetizadores invertidos e “glockenspiels” a pingar em reverberação, a escuridão confusa de “Fear of Corners”, o ambiente flutuante de “Pillowcase”, a maravilhosa tristeza de “Why I’m So Unhappy” ou a excelente melodia de “The Dream of Evan and Chan” que acendeu a parceria musical com Ben Gibbard e que resultaria no sucesso dos The Postal Service.
Um disco precioso e negligenciado que merece o seu muito legitimo lugar como uma das mais inventivas e deslumbrantes peças da moderna música electrónica.
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21 abril 2010

Electronic # 16 - Amon Tobin – “Out From Out Where” (2002 Ninja Tune)

Muitas vezes considerado inferior em relação aos seus antecessores “Permutation” (1998) e “Supermodified” (2000), ou até mesmo à sua aventura como Cujo, a opressiva contextura maciça de “Out From Out Where” realmente confirma o virtuoso e visionário Amon Tobin como um dos mais qualificados e imaginativos artistas do “sampling” do século 21, pela forma como ele coloca os padrões qualitativos incrivelmente altos de álbum para álbum. Provavelmente este disco não será tão formoso como o subversivo “Supermodified”, e é bem evidente que Tobin baixou o tom experimental, refugiando-se em fórmulas mais seguras. E apesar de tematicamente ser mais coeso, aqui é a fantasia que toma lugar, oscilando entre um romantismo simultaneamente infantil e desesperante, num muito particular estádio de espírito. É virtualmente impossível descortinar a origem da maioria das sonoridades “sampladas”, mas uma atmosfera “noir”, os sons artificiais e as tendências “sci-fi”, tornam o disco sinistro, como um frio monólito de “funk” astral. A genialidade de “Out From Out Where” reside no facto de ser tão ricamente evocativo de diferentes panóplias de imagens a cada poucos segundos, através do hipnótico e onírico “Back From Space”, do ameaçador “El Wraith”, do rigoroso “Verbal”, do enérgico “Rosies”, do claustrofóbico “Triple Science”, do cósmico “Searchers”, ou do delicado “Mighty Micro People”.
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01 abril 2010

Electronic # 15 - Kraftwerk - “Trans-Europe Express” (1977 Kling Klang/Capitol)

Os mecanizados Kraftwerk atingiram um pico criativo em 1977 aquando da edição deste disco. Depois do tecnologicamente pioneiro “Autobahn” e antes do sucesso comercial de “The Man Machine”, “Trans-Europe Express” será provavelmente o disco mais essencial e mais influente da sua carreira, e que ainda hoje impressiona pela inestimável inovação tecnológica proposta por Ralph Hutter e Florian Schneider.
Na edição original em vinil existia uma clara divisão entre os lados. No primeiro tínhamos uma reflexão sobre as disparidades entre a realidade e a imagística. Aqui estavam contidas as excêntricas melodias e os hipnóticos “beats” que estão presentes na brilhante beleza da ondulante “Europe Endless”, nas misteriosas e deslocadas vocalizações da glacial “The Hall Of Mirrors” e na sombriamente cómica “Showroom Dummies”.
O segundo lado era dedicado a uma possível recreação auricular duma viagem intercontinental de comboio através da Europa – começa com “Trans Europe Express”, que se desenvolve em direcção às colagens sonoras de “Metal On Metal” e na magnificente melodia de “Franz Schubert”, a mesma melodia de “Europe Endless”, mas transformada lentamente como uma pintura sonora em evolução.
A ausência de qualquer particularmente sólido conteúdo lírico, efectivamente serve para tornar a consistentemente memorável música mais aprazível e permite-a dominar todo o disco.
A sua combinação de ritmos mecanizados e minimalistas com melodias contagiantes, seria uma influência enorme e um estímulo para inúmeras bandas britânicas, como os The Human League ou os Cabaret Voltaire, entre outras, utilizarem mais os sintetizadores (convém relembrar que o disco saiu no mesmo verão de “Never Mind The Bollocks” dos Sex Pistols), e iriam ser um dos maiores fornecedores de “samples” para a comunidade afro-americana dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos (não esquecer que Afrika Bambaataa “samplou” “Trans-Europe Express” para o seu seminal “Planet Rock”). E se poderíamos pensar que o disco soa datado presentemente, a música resiste ao passar dos tempos, e ainda permanece verdadeiramente atmosférica hoje.
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19 março 2010

Electronic # 14 - Fad Gadget

“Fireside Favourites” (1980 Mute)
“Incontinent” (1981 Mute)
“Under The Flag” (1982 Mute)
“Gag” (1984 Mute)


Fad Gadget era um heterónimo utilizado por Frank Tovey, artista que gozou de um pequeno culto após uma sucessão de discos bizarros editados na Mute no início dos anos 80. Estudante de “performance art”, transferiu este interesse para um imprevisível espectáculo ao vivo. E ao contrário da pose afectada e do “make-up” presente em contemporâneos como Visage ou Classix Nouveau, Tovey assumiu-se como uma espécie de Iggy Pop da electrónica, assinando concertos onde o niilismo, a maquinaria e a auto-flagelação faziam parte da mesma estratégia de provocação.
Foi o primeiro artista a assinar com a editora de Daniel Miller, e o sinistro “single” “Back To Nature” foi editado em1979. Seguiu-se o fabuloso “Ricky’s Hand” que promoveu a combinação das competências líricas de Tovey (observações sobre os mais sombrios aspectos da vida) com uma utilização inovadora da electrónica. Ambas essas características continuaram evidentes em “Fireside Favourites” (1980), o primeiro álbum, que não esconde as influências dos Cabaret Voltaire. Em 1981, chega “Incontinent”, ainda mais violento, desalentado e perturbador do que anteriormente.
O ano de 1982 vê chegar o melancólico “Under The Flag”, por muito considerado o seu melhor álbum. Reparte-se entre as abordagens ao conflito nas Ilhas Falklands e ao nascimento do seu filho.
Os anos seguintes viram novos extremos, como quando Tovey regressou de uma tournée europeia com as suas pernas engessadas, tendo-as partido num espectáculo.
“Collapsing New People” (uma homenagem aos Einsturzende Neubauten) continuava a impressionante série de “singles”, e é seguido por ”Gag”, um disco mais “rock” e que seria o último sob o nome Fad Gadget.
Continuaria a gravar em nome próprio, mas cada registo seria altamente distinto e intransigente do material gravado como Fad Gadget. E apesar da sua inactividade durante as décadas seguintes a sua reputação como pioneiro “electro-pop” continuou a crescer e ecos da sua esparsa, excêntrica electrónica poderia ser encontrada em discos de artistas tão diversos como Depeche Mode, New Order ou Nitzer Ebb.
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21 janeiro 2010

Electronic # 13 - The Sabres Of Paradise - “Haunted Dancehall” (1994 Warp)

Normalmente relegados para segundo plano quando se analisa a editora Warp, os The Sabres Of Paradise criaram aqui um disco extremamente coeso, que envelheceu maravilhosamente e ao contrário de muitos registos do mesmo período ainda soa tão moderno hoje como quando foi editado.
Inventivo e abstracto, ao nível do melhor de uns Aphex Twin, Andrew Weatherall e companhia fizeram um disco conceptual, mas onde parece obvio que também se queriam divertir, pois inventaram as treze pequenas narrativas (que seriam retiradas de um imaginário livro “Haunted Dancehall” de um imaginário autor - James Woodbourne), que acompanham o disco e que dão o titulo aos temas que servem para relatar a atmosfera da peculiar excursão de um tal Nicky McGuire pelo lado impuro da cidade de Londres.
Convenientemente estruturado, muito mais que o anterior disco, o palpitante “tecno” de “Sabresonic”, e menos direccionados para a pista de dança, é evidente que eles aqui encontraram o espaço necessário para serem cinemáticos e descritivos sem nunca comprometer o “groove”, ao criarem texturas sonoras (triturando “hip-hop”, “electro”, “dub”, “acid”) e sentimentos verdadeiramente únicos e totalmente envolventes, onde os espaços entre a música são tão importantes como a própria música.
Manhosamente, as faixas agem como se tivessem sido edificadas a partir da precedente, e de faixa para faixa, criam um sublime padrão auricular, através de pervertidos e borbulhantes “beats”, que aumenta a sombria atmosfera presente nas incursões de McGuire pelas ruas sinistras e becos misteriosos de Londres.
É impossível resistir à sinistra ameaça “lo-fi” de “Tow Truck”, aos melancólicos “grooves” da “mix” dos Portishead para “Planet D”, à assombrosa beleza de “Theme 4”, ao “tecno-dub” suspenso de “Wilmot”, ao excêntrico “Bubble And Slide”, às fantásticas paisagens sonoras de “The Ballad Of Nicky McGuire” e à espantosamente obscura “Haunted Dancehall” que encerra este aventuroso disco.
Genial.
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02 setembro 2009

Electronic # 12 - John Foxx – “Metamatic” (1980 Virgin)

“Metamatic”, surgiu após John Foxx abandonar os Ultravox - o grupo que fundou, e que desenvolveu o som e imagem, quando estes pretendiam abordar uma forma musical mais “pop” – e é um dos discos mais desprovidos de emoção na história da “pop”, permanentemente desolador e disruptivo, com letras que mergulham em sonhos, pensamentos, memórias, constantemente evocando atmosferas de ficção cientifica, e que é ainda mais sombrio e mais desligado do que os primeiros trabalhos de Gary Numan.
Ousado, inovador, imaginativo e inflexível, o que é mais surpreendente, neste diligente registo é o quanto obstinadamente minimalista as texturas musicais são. Robóticas, mecânicas, estéreis e assombrosas, quase exclusivamente baseadas em sintetizadores, caixas de ritmos e distorção sonora, visivelmente influenciadas pela música electrónica que provinha da Alemanha na ultima década, e que ainda hoje não soa nem um pouco datada.
Para além dos singles “Underpass” e “No-One Driving”, destacam-se o gelado e melancólico “Metal Beat” (que carrega similaridades com os Kraftwerk) e o áspero e sombrio “Touch And Go”.
Absolutamente subestimado e invulgar, utilizou um estilo musical que nunca mais foi imitado, nem pelo próprio Foxx.
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03 junho 2009

Electronic # 11 - Pan Sonic - “Aaltopiiri” (2001 Blast First)

Em “Aaltopiiri”, os Pan Sonic, dão mais um passo em frente na direcção de caminhos mais quentes
As diferenças são subtis, mas vincadas, eles ainda seguem a trajectória minimalista da claridade rítmica tonal iniciaPoldas em “Vakio” (1995), mas agora existe uma sensibilidade “electro-dub” reminiscente do trabalho de Pole. Os elementos componentes destes temas podem ser reminiscentes da sonoridade dos Pan Sonic, mas soam mais a caixas de rimos dos anos 80 do que modernos osciladores e interruptores. Pois parece que agora respiram um novo ar, recheado de pequenas ondulações que geram novos espaços imaginados, onde se invocam cenários cinemáticos, como em “Aanipaa” (um “Trans-Europe Express” para o século XXI). Nota-se verdadeiramente que estão centrados em simplificados contrastes de espaço, volume e divisão temporal. A isto junta-se um manifestado toque humano que os distingue dos seus intimamente relacionados, numerosos e ruidosos produtores de algoritmos sonoros. E faixas como “Kone”, Muskaus” ou “Kierto” fazem-nos recuar 15 anos até ao esqueléticos “beats” de Marley Marl e Rick Rubin, quando as sonoridades rítmicas eram feitas através de batimentos leves no cimo de um microfone.
Ao longo do disco, Mika Vainio e Ilpo Väisänen cultivam um equilíbrio precário entre o elegante formalismo das suas próprias “construções” e a ameaçada proliferação caótica do “feedback”. E mais uma vez atingem uma fundente perfeição.
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06 maio 2009

Electronic # 10 - Tarwater – “Dwellers On The Threshold” (2002 Kitty-Yo)

O título do disco é uma oblíqua referência à linha que demarca a fronteira entre os cantores/compositores dos criadores de electrónica. E os Tarwater bem personificam essa divisão, caminhando sobre essa linha, entre o analógico e o digital, o tradicional e o moderno.
O quarto disco do grupo de Berlim na editora alemã Kitty-Yo é o mais aventureiro que editaram, uma inversão de alguns dos seus trabalhos iniciais. Pois aqui a sonoridade sombriamente hipnótica fica curiosamente mais fria, ao hesitar perante outra divisória: entre a dissonância da electrónica e a concreta inflexibilidade do industrialismo. O rigor dos contornos da música torna-o menos abstracto do que discos anteriores, mas aqui domina uma austera economia que determina os seus pequenos e comprimidos temas, que na maioria consistem em altamente tratados “beats” e “samplers” vocais.
Eles abandonaram o desfavoravelmente delimitado “som europeu” que garantiu aos Tarwater e ao seu grupo gémeo To Rococo Rot a sua reputação de filhos dos Kraftwerk. No seu lugar surge uma encantadora e alargada “mix” geográfica. Em “Phin” transformam-se tambores africanos numa sensual corrente rítmica, enquanto “Be Late” é tão voluptuoso como um exuberante “gamelean” Indonésio.
A diferença entre os Tarwater de agora e antigamente é mais vividamente sublinhada num redentor humor que espreita debaixo da sua ascética imagem. Pequenos “samples” presumivelmente retirados de um comício político apimentam “Miracle Of Love” mas com ideias a correr em sentido contrário ao seu título. Enquanto, “Tesla” (inspirado nos “b-movies” dos anos 50) mitiga o desdenhoso objectivo dos Tarwater, ao insinuar que foram raptados por extraterrestres.
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07 abril 2009

Electronic # 9 - Meat Beat Manifesto – “99%” (1990 Mute)

Frequentemente e erradamente aglomerados no género musical “rock-industrial” pelo facto de alguns dos seus discos terem sido editados na Wax Trax!, os britânicos Meat Beat Manifesto foram um dos mais inventivos praticantes do “sampladelic funk”. O seu líder, Jack Dangers, construía as paisagens sonoras com a clarividência de um profundo conhecedor ou de um mestre arquivista.
Sobre ritmos desordenados mas brutalmente “funky”, Dangers colocava idiossincráticos enfeites sonoros, deformadas texturas de sintetizadores e inteligentes “samples” vocais que serviam de isco para uma viagem neste violento pesadelo urbano, que culminava todas as suas experiências anteriores.
Se “99%” contém uma pletora de memoráveis canções apoiadas em amontoados pedaços retirados do trabalho de outros artistas, por sua vez, os MBM foram “samplados” pelos Chemical Brothers e Future Sound Of London entre outros, e de facto todo o fenómeno “big beat” está em divida aos MBM. Mas tal como disse Flavor Flav dos Public Enemy: “you can’t copyright no beat!”. E ritmicamente e textualmente “99%” é um disco singularmente terrível, que possui uma profunda e misteriosa intensidade, e podemos colocar junto dos melhores dos PE. E poucos artistas podem dizer isso.
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16 março 2009

Electronic # 8 - Doctor Rockit - “The Music Of Sound” (1996 Clear)

Matt Herbert empreendeu aqui um novo conceito musical, inspirado pelo “techno” mas frequentemente leve como uma pena, inspirado pelo “ambient” mas projectado para focar tanta atenção quanta conseguir produzir. Os seus trilhos rítmicos são trabalhados a partir de bizarras gravações, seja de uma pessoa a correr na praia ou de alguém a comer uma maça. Sinistras matrizes electrónicas são esculpidas, e distanciados arranjos de cordas e vibrafones são ligeiramente introduzidos, aludindo aos filmes de espionagem dos anos 60. Existem ainda faixas que são baseadas em gravações realizadas em meios onde Herbert se movimenta habitualmente, assim há uma ressonância pessoal quando ele próprio surge a tocar piano acompanhado pelas campânulas de uma igreja Italiana; ou a divertir-se com os seus amigos e os seus acordeões nasais num café de Viena. Também esta aqui incluída “A Quiet Week In The House”, uma bela e simples banda-sonora para um filme animado de Jan Svankmeyer.
A primeira metade do disco tem uma consciência mais experimental; a segunda metade assenta em exercícios rítmicos levemente mais fáceis e directos. Sempre muito delicadamente trabalhados, os sons parecem dar impressão de estarem filtrados e despojados, e existe imenso espaço.
Ao juntar citações da cultura popular com referências muito pessoais e uma animada atitude experimental em relação à tecnologia, Herbert criou uma música muito particular que impressiona por ter muito em comum com muitas das correntes artes visuais. Podem rotula-lo de banda-sonora imaginária ou après-techno, se quiserem, para mim, é somente um tipo de arte encantadora.
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11 fevereiro 2009

Electronic # 7 - The Human League – “Reproduction” (1979 Virgin) / “Travelogue” (1980 Virgin)

A formação inicial dos Human League - Phil Oakey, Martyn Ware, Ian Craig Marsh – foi responsável pela criação de dois excelentes discos que ajudaram a definir o futuro da música electrónica, antes da acrimoniosa separação e Oakey ter remarcado a sonoridade “pop” e Ware/Marsh fazerem razia nos BEF e Heaven 17.
Com uma sonoridade experimental, a sua música era minimal, gelada e organicamente desordenada muito mais próxima de uns Cabaret Voltaire, Suicide ou Throbbing Gristle (e não polida como viria a tornar-se em meados dos 80’s) e as letras tinham um carácter que os colocavam num território similar a uns Joy Division. E notavelmente conseguiram conciliar as pretensões artísticas, com a postura assumidamente “pop” - influências obvias de Kraftwerk, Tangerine Dream e David Bowie - essencialmente queriam fazer as coisas de uma forma diferente.
“Reproduction” remete-nos para um ambiente sinistro, com um sonoridade puramente electrónica (convém relembrar que nesta altura ainda não havia “pro-tools”) que ainda hoje parece vir do futuro e que em nada se relaciona com a ociosamente estabelecida nostalgia habitualmente associada aos anos 80 – de um lado estão as jóias “pop” como o resoluto single “Empire State Human”, o eufórico “Blind Youth” (uma resposta ao etos “no future” do movimento “punk”) e a brilhante versão (ou deconstrução) do clássico “You’ve Lost That Lovin’ Felling”, do outro estão, em contraste, os temas secos e mirrados como “Almost Medieval” e o single “Circus of Death”.
“Travelogue” possui uma sonoridade mais limpa e mais épica do que “Reproduction”, e inclui o ritmado “noise” de “The Black Hit Of Space”, a excelente versão de “Only After Dark” (original de Mick Ronson), o provocadoramente triste relato da escravidão do trabalho de “Life Kills”, a desesperação resultante da fuga da opressão de “Dreams Of Leaving”, o poderio enérgico da sobrecarregada reconstrução do single “Being Boiled” e as suas viciosas palmas electrónicas.
O disco termina (na versão original /vinil) com “WXJL Tonight”, onde Oakey é o ultimo DJ humano numa sociedade futura onde as rádios são totalmente automáticas e no final começa a gritar implorando aos ouvintes para não o abandonar. Arrepiante.
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09 dezembro 2008

Electronic # 6 - Black Jazz Chronicles – “Future Juju” (1998 Nuphonic)

A palavra “jazz”, mesmo no seu formato mais ”futurista”, leva muitas pessoas a duvidarem, ou mesmo a evitarem tudo o que rodeia a mesma.
Assim quando Ashley Beedle, conhecido pela sua colaboração nos projectos X-Press 2, Ballistic Brothers e Black Science Orchestra, editou o seu primeiro disco a solo, a pergunta foi…seria este um desses impenetráveis, dissonantes e abstractos objectos? (Pois só quem passou 20 anos a meditar profundamente sobre os melhores momentos de Miles Davis é que normalmente é referenciado). Felizmente não. “Future Juju” é provavelmente o melhor trabalho publicado por Beedle. E isso quer dizer alguma coisa.
Obviamente bastante enraizado nas raízes da história da música negra e nas invocações dos anos 70, mas nunca excluindo as tendências actuais. O que retira do “jazz” é uma terrível atmosfera de antigos ritmos tribais, de jogos de percussão africana, de rituais “voodoo” representados para uma nova era digital. Começa e acaba com um melodioso solo de piano, mas o que se encontra entre essas faixas é um disco que nos transporta desde uma noite em Marrakesh até a um amanhecer em Kalahari. A falta de intervalos entre os temas, previne uma exploração “faixa-a-faixa”, razão suficiente para dizer que “Future Juju” situa-se entre os discos de Kirk Degiorgio para a Mo’Wax e os cantos hipnóticos de Fela Kuti (a cuja memória o disco é dedicado), entre o “funk” electrónico de Carl Craig e os místicos cânticos de louvor ao espaço de Sun Ra.
Não é uma viagem difícil, mas uma que revela mais contornos escondidos com cada audição.
Afrocêntrico, excêntrico, e deslumbrantemente ecléctico.
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11 setembro 2008

Electronic # 5 - Squarepusher - “Hard Normal Daddy” (1997 Warp)

Menosprezado pelos puristas do movimento “drum & bass” por não adaptar a sua música aos rígidos padrões em temas mais “DJ-friendly”, Squarepusher, ou melhor Tom Jenkinson, tornou-se no rei (ou será no bobo da corte?) do subgénero designado como “drill & bass”. Se em “Feed Me Weird Things” já tinha dado o mote, é “Hard Normal Daddy”, que conjuntamente com o EP “Big Loada”, melhor representa o seu apogeu estético. Através da sua destreza no baixo (existe ao longo do disco uma fantasia no renascimento de Jaco Pastorius) e a alienadamente febril e complexa programação das caixas de ritmos, Squarepusher, conseguiu a proeza miraculosa de reinventar o difamado género “jazz de fusão”, mas na perspectiva de um delirante fanático de “jungle”.
Apesar de “Rustic Raver”, “Chin Hippy” ou “Vic Acid” serem virtualmente impossíveis de se poderem dançar, excluindo talvez só bailarinos profissionais, estas faixas abrem novos caminhos rítmicos e possuem a virtude de após várias audições se poder compreender a percuciente complexidade implicada.
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11 agosto 2008

Electronic # 4 - Bola – “Soup” (1998 Skam)

Fui completamente arrasado com a beleza deste álbum, que na altura se revelou uma experiência musical totalmente reconfortante.
Darrell Fitton esconde-se neste projecto que habita o mesmo universo musical de Boards Of Canada, Autechre, Gescom ou Plaid, entre outros. Mas aqui, e ao contrário da química digital de uns Autechre, ou das fantasias caricaturistas dos Plaid, “Soup” toma uma abordagem mais subtil e delicada.
É um disco liberto de muita da ornamentação e processamento tão popular na música electrónica, confiando antes nos formosos arranjos e em puros e calorosos sons.
Notável é a sua capacidade de combinar elementos da música ambiental com as formas mais elementares da música de dança. Ao pegar em modelos da música ambiental como os tradicionais sons de sintetizadores e arranjos de cordas e assentá-los em sólidos blocos estruturais recheados de caixas de ritmos e um vastamente intenso, esplêndido e absolutamente crucial baixo, que cobre tudo o resto como um manto, e assim ricos, dóceis, suavemente melódicos sons servem de base a belas, hipnóticas e futuristas harmonias.
Desde o tremendo e alienado tema de abertura “Glink”, passando pelas soberbas melodias de “Forcassa 3”, e pela desconcertante beleza do épico “Aguilla”, o grande momento do disco.
Um clássico do género, que deverá ser colocado ao lado de “76:14” dos Global Communication, “Music Has The Right To Children” dos Boards Of Canada ou “Music For Airports” de Brian Eno. _

Bola - Aguilla

11 junho 2008

Electronic # 3 - Jimi Tenor – “Intervision” (1997 Warp)

Se não conhecem o trabalho de Jimi Tenor, não estejam à espera do perverso “techno” muito usual nos discos da Warp.
De uma forma notável Tenor rouba maldosamente de todos os quadrantes da música “pop”, “funk” e “jazz” anglo-saxónica. E as suas influências são bem visíveis, de Stan Getz a Gary Numan, passando por Gary Glitter ou Barry White. Se juntarmos a tudo isto uma confessa fascinação pelas bandas sonoras dos “film noir” dos anos 60 e 70, e graças a uma virtuosidade de camaleão, este finlandês, conseguiu um conjunto de linguagens musicais originalmente diferentes e múltiplas.
Estamos perante uma verdadeira, ecléctica e divertida aventura. Temos a ritmada “Wiping Out” como as suas vocalizações “vocoded” e ritmos “jazzy”, a cativante “Sugardaddy” com as suas impuras e ásperas matrizes rítmicas, a personificação de Barry White em “Downtown” ou “”Can´t Stay With You Baby”. Em “Outta Space” somos rapidamente transportados para um mundo de “esmagadores” baixos, e melodias penosas. E somos surpreendidos pela forma como conduz o clássico de Duke Ellington, “Caravan”, para o século XXI.
O melhor deste disco é o facto que melhora a cada audição, e é o melhor lugar para se começar a acompanhar a obra de Tenor.
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27 maio 2008

Electronic # 2 - Autechre – “Tri Repetae” (1995 Warp)

O duo britânico Sean Booth e Rob Brown, atingiu o seu pico de inovação estrutural e tonal no seu terceiro disco. (“Tri Repetae ++” é a edição que junta os EP’s “Anvil Vapre” e “Garbage” ao álbum “Tri Repetae”)
“Tri Repetae” é um salto evolucionário das relativamente frias e abafadas melodias modulares de “Incunabula” e “Amber”, para um tortuoso e cibernético “funk”.
Refringentes da sua adoração do “electro” e do “hip-hop” dos anos 80, pelo meio de uma aproximação de ruídos originais e libertos de regras, criaram um dos discos mais importantes do que se tornou a “IDM - intelligent dance music”.
Em “Tri Repetae” fantásticas e estranhas melodias flutuam sobre ritmos tão complexos que só um contorcionista as poderia dançar. Temas como “Leterel”, “Clipper” e “Rotar” dão origem a atmosferas únicas, robustas e completamente desenvolvidas. O mais extraordinário é que mesmo com esta mudança, os Autechre nunca perderam a sua predilecção por uma música fascinante e excepcionalmente agradável.
Os discos subsequentes, “Chiastic Slide” ou “LP5” (anexo um dos meus temas preferidos), contém também muita música igualmente fascinante, mas na altura da sua edição, “Tri Repetae” representou um apogeu.
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12 maio 2008

Electronic # 1 - Aphex Twin – “Selected Ambient Works Vol. II (1994 Warp)

Nascido em 1970, em Cornwall, Richard D James desde muito novo se começou a entreter com aparelhos eléctricos (futuramente iria estudar electrónica na Universidade). Tornou-se um prodígio nos teclados, pelo facto de modificar e customizar os seus sintetizadores analógicos de forma a satisfazer as suas peculiares especificações. Essas transformações fariam com que a música criada por James tivesse um carácter único, que iria influenciar muitos outros músicos electrónicos.
Este disco de hipnotizante e transcendental música ambiental empurrou Richard D James /Aphex Twin para o mais elevado patamar dos compositores minimalistas.
Profundamente medianeiro, os 23 temas de “Selected Ambient Works Vol. II” entram pelo nosso subconsciente com hologramas vocais, assombrosamente tranquilos sintetizadores e ocasionalmente, batidas hipnóticas. “Vol. II” parece emanar de um sistema solar distante.
Paralelamente James remisturaria os Meat Beat Manifesto, Saint Etienne, Curve, e Jesus Jones, mas recusaria os U2. A seguir a este trabalho James explorou estilos musicais mais próximos do “breakbeat” com o mesmo brilhante carácter caprichoso.