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20 abril 2009

Tributo # 10 - Robert Wyatt

Um verdadeiro cavalheiro, um gracioso e sensato poeta lírico, um hábil instrumentista, mas será pela sua forma de cantar que Robert Wyatt será certamente melhor recordado.
Na sua estranha, coloquial voz, Wyatt, destilou a sua singular contribuição para a sitiante alma do rock. A sua voz deu sequência a inúmeras canções ao longo de sucessivas tapeçarias de rock psicadélico, rock experimental, pós-punk, agit-pop, jazz, electrónica, sem nunca afasta-lo do trajecto que ele definiu para si próprio à 40 anos atrás.
Foi Wyatt que introduziu a noção revolucionária de cantar tal como falávamos, numa época onde todos à sua volta estavam a imitar os vocalistas “r&b” americanos. Nos Soft Machine era baterista e vocalista no agridoce “pop” do movimento Canterbury, de onde surgiram os Caravan ou Kevin Ayers, e onde Wyatt ajudou a definir um tipo especial de psicadelismo britânico, com a sua voz elevada, penetrante e muitas vezes deliberadamente deprimida para elevar o cociente de melancolia.
Após a sua injusta saída dos Soft Machine, formou os Matching Mole (o mesmo significado em francês para brincar com os seus ex-colegas) e produziu dois álbuns com eles – um deles uma errática obra-prima – mas em Junho de 1973 iria cair de uma janela num quarto andar aquando de uma festa e partiu as costas. O incidente tornou-o paraplégico. Mas na sua estadia no hospital ele começou a elaborar “Rock Bottom”, o seu primeiro regresso.
Wyatt mais tarde, chegou a afirmar que “foi libertado” pela paraplegia, pois não teria mais que estar ligado a um grupo. Assim sentia-se mais confortável a fazer o que queria primeiro e depois procurava as pessoas mais indicadas para trabalharam nos temas que queria.
A dor, mas também o humor nunca estiveram afastados no trabalho de Wyatt. A sua música é tão profundamente comovedora, porque é uma muito directa expressão dos seus sentimentos no momento da gravação. “Rock Bottom” (1974) registra o choque da hospitalização, a enormidade da alteração da sua vida, em submersas e deslizantes melodias electrónica sobre ondulantes correntes de percussão. Pois sendo Wyatt um baterista, o acidente forçou-o a procurar formas musicais mais imaginativas. O disco seguinte “Ruth Is Stranger Than Richard” (1975) inclui a extraordinária versão de “Song For Che”, original de Charlie Haden.
O segundo regresso surge no início dos anos 80 a convite de Geoff Travis da Rough Trade, que editou uma colecção de “singles” que eram destinados a funcionar como boletins políticos sobre a liberdade (reunidos em ” Nothing Can Stop Us”), e que inclui superlativas versões de “At Last I’m Free” dos Chic ou de “Strange Fruit” popularizado por Billie Holiday. Iria inclui ainda “Shipbuilding” de Elvis Costello, que este ultimo compôs especialmente para Wyatt, e que resultaria num inesperado êxito.
O seu terceiro regresso surge em 1997 com o magnifico “Shleep”, gravado no estúdio de Phil Manzanera, e com a colaboração de Brian Eno, Evan Parker ou Annie Whitehead e também, surpreendentemente, de Paul Weller. Com o balanço entre invenção musical e jovialidade, estruturas sonoras e a liberdade para músicos como Parker de alargar as canções para além dos seus parâmetros, e as cáusticas reflexões e as disparatadas letras, “Shleep” inverte a espiral de desespero que caracterizavam os seus últimos discos. Ouçam a debilmente cómica, no entanto arrebatadoramente melancólica meditação psicológica denominada “Free Will And Testament”. Continuou a surpreender-nos com “Cuckooland” (2003) e “Comicopera” (2007), uma dissoluta espécie de ópera mas nitidamente ambiciosa, que inclui a atmosfera intranquila de “Out Of The Blue, e que são uma real celebração de amigos e músicos a tocarem juntos, a convite de um artista que nesta altura simplesmente não se interessa por géneros ou rótulos musicais.
Um penetrantemente inteligente músico que nunca devia ter parado de criar, pois a sua cativante obra fascina pela sua lírica sinceridade.
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08 janeiro 2009

Classic # 17 - Brian Eno – “Another Green World” (1975 Island)

Se “Taking Tiger Mountain” (o seu disco anterior), era largamente um maior desdobramento dos temas de maior sucesso encontrados no seu primeiro disco a solo (“Here Come The Warm Jets”), “Another Green World” é uma declaração de independência artística, que nada deve aos seus antecessores. Eno extraiu muita energia e confiança das suas bem sucedidas colaborações com músicos como John Cale, Phil Manzanera e particularmente Robert Wyatt. A aparentemente fragmentária construção de “Another Green World” recordava o último de Wyatt, “Ruth Is Stranger Than Richard”. Os dois discos têm uma qualidade aventureira, e um sentimento de espontaneidade e imprevisivilidade.
A intenção de Eno para este disco era dispensar a disciplina tradicional de gravação e de criar em estúdio um ambiente que iria precipitar, através de ideias e propostas acidentais, a concepção e captura de estratégias oblíquas num processo que não tivesse um objectivo específico ou predeterminado. A música resultante é o resultado da interacção entre várias combinações de oito músicos totalmente complacentes com a experimentação. E se o imprevisível sempre foi adoptado por Eno como uma fonte viável de informação e inspiração, aqui a proeza, é a sua habilidade de orquestrar os diferentes estados e atmosferas produzidas ao longo da construção do disco de forma a submeter os estilos e as texturas sonoras numa única dimensão.
A maior parte do disco possui uma extraordinária e incandescente beleza que ocasionalmente dá lugar a uma mais sombria e sobrenatural tranquilidade. “St.Elmo’s Fire” é uma brilhante ilustração da primeira qualidade: abre com uma complexa matriz rítmica dispersa através dos altifalantes seguida pela voz de Eno à deriva pelo meio de um bruma de subtis enfeites de teclados. A guitarra de Robert Fripp subitamente surge numa brilhante cascata de som, delicadamente realçando o tom predominante da canção com enorme destreza. Este tema está em directo contraste, com a compulsiva cadência rítmica de “Sky Saw” e “Over Fire Island”, que também contêm a claridade glacial que caracteriza “Becalmed” e a excepcional sequência final, “Spirits Drifting” - a brilhante perfeição desta composição é arrepiante. “Golden Hours”, “Zawinul/Lava” e “Everything Merges With The Night” confiam no inegável efeito da pouca complexidade. E assim, o disco, como um todo, é marcado por uma surpreendente frugalidade e uma refrescante ausência da dispensável decoração auricular.
Altamente recomendado.
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