30 maio 2007

Inovadores # 1 - Defunkt - “Defunkt” (1980 Hannibal)

Este colectivo formado em Nova Iorque em 1978, após os seus membros terem desertado dos projectos Contortions e The Blacks de James Chance, foi pioneiro pela forma como incorporou as influências dos grupos de funk dos anos 70, na corrente estética punk-rock nova-iorquina.
Numa intoxicante mistura de free-jazz, “funk grooves” e a atitude punk-rock, criaram uma música abrasiva, frenética e enérgica, ao combinarem uma linha de baixo intimista, e as dinâmicas dançáveis das guitarras e da secção de sopros.
Ouçam os ritmos “funk” de “Make Them Dance”, onde os mesmos parecem que vão explodir a qualquer momento. O claustrofóbico clássico single “Strangling Me With Your Love” é uma referência, com uma surpreendente amarga história de amor. O brilhante “In the Good Times”, uma paródia ao clássico “Good Times” dos Chic, onde os “bons tempos” são os cínicos retratos da vida nos guetos. E o que disser do tema-titulo, com uma introdução vocal fantástica, e a sua história de rejeição.
Existiram muitas reincarnações do projecto que ainda existe actualmente, sempre liderado por Joseph Bowie, e onde se incluíram nomes conhecidos como Vernon Reid ou Melvin Gibbs, mas o nível criativo foi diminuindo ao longo dos anos. No entanto, os dois primeiros discos (este e “Thermonuclear Sweat” de 1982) são fundamentais.
As actuais tendências, podem tornar este disco comum ou ordinário, mas em 1980, numa era de experimentação e cruzamento entre estilos, a música era revolucionária, e não perdeu nenhum do brilho que continha.

28 maio 2007

Battles – “Mirrored” (2007 Warp)

Finalmente chegou “fisicamente” este primeiro disco para a Warp deste grupo de Nova Iorque, que inclui ex-membros dos Don Caballero, Helmet, Tomahawk e Lynx.
Excitante, deslumbrante, imprevisível, e carregado de ideias novas, “Mirrored” é um disco único. O grupo não tem receio de forçar os limites sonoros independentemente do risco de alienar alguns dos seus antigos fãs.
Com “Mirrored”, criaram um grande disco. E em relação aos trabalhos anteriores, ainda expandiram mais a sua música ao adicionar vozes e refrãos mais “pop”. O tema de abertura “Race:In” é o exemplo perfeito desta mudança no som dos Battles, onde as vocalizações assumem o destaque. Não são as letras, são as vozes, muitas vezes tão desenquadradas que não se percebe o que se pretende dizer.
O grupo pode ser facilmente comparável com os géneros de “math rock” e electrónica, no entanto não se prendem a estas referências, e são capazes de surpreender com canções dançáveis como “Leyendecker”, ou dragar aquele “beat” contínuo e poderoso baixo, nada previsível, como no single “Atlas”.
O futuro do rock passará por aqui.

25 maio 2007

Manuel Göttsching – “E2-E4” (1984 RRK/MG.Art)

Uma chamada de atenção, agora que está disponível em Portugal a edição especial do 25º aniversário deste disco.
Editado originalmente em 1984, foi gravado em 1981 num intervalo de uma sessão com o seu grupo Ash Ra Temple.
Intemporal, é um dos mais influenciais objectos de música electrónica de todos os tempos. A beleza hipnótica dos flutuantes acordes de guitarra, a suavidade melódica do som e a beleza rítmica criados pelos sequenciadores, combinam para formar um disco que é um encanto para os nossos ouvidos.
Foi celebremente “samplado” para criar um dos clássicos do “chill-out” em “Sueno Latino” no ano de 1989. E é constantemente referenciado por vários músicos no topo das suas influências, entre eles os veteranos Carl Craig e Derrick May, e mais recentemente James Murphy ou Prins Thomas.
Um trabalho ainda hoje extraordinário. Se ainda não o possuem ou não o conhecem, aproveitem, pois é essencial.

24 maio 2007

DVD # 1 – “Kill Your Idols” (2004 Palm)

Não estamos perante um documentário típico. “A documentary on thirty years of alternative NYC rock 'n roll” era o objectivo.
Scott Crary compila entrevistas com os pioneiros do movimento no-wave e post-punk, e tenta efectuar a ligação do movimento com bandas contemporâneas. A ponte é efectuada pelo grupo que provavelmente uniu os movimentos – os Sonic Youth.
Gravado nas ruas e em apartamentos de Nova Iorque (para além de incluir filmagens originais de actuações em pequenos clubes), em vez de utilizar os tradicionais estúdios de gravação, leva-nos a meditar/reflectir sobre as noções de nostalgia, tempo, tendências e a história da música.
A primeira parte retrata os fins dos anos 70/ princípios dos 80, com elementos de bandas como Suicide, DNA, Theoretical Girls, Teenage Jesus & The Jerks, Swans, a contarem-nos a forma caótica como levaram o punk até aos extremos, ao contrario de outras bandas nova-iorquinas mais “populares” como os Ramones ou os Dead Boys.
Era “anti-music”, atonal e extrema, mas muito mais de acordo com a ética punk de quebrar a barreira entre o artista e a audiência.
Por várias razões, o post-punk/no-wave está novamente na moda, e na segunda parte, saltamos até ao presente, onde encontramos uma selecção de artistas (Yeah Yeah Yeahs, Liars, Black Dice, Gogol Bordello) que se relacionam com essa estética, mas também com todo o contexto musical e cultural do fim dos anos 70/princípios dos anos 80. Eles falam sobre essas influências e sobre as tendências actuais em Nova Iorque.
Interessantes são os comentários dos veteranos sobre os mais novos. Em particular Lydia Lunch, que afirma que estes últimos nada acrescentam e apenas se aproveitam do “hype” em redor do revivalismo criado. Mas, felizmente, o documentário não incide na perspectiva “nova cena versus velha cena”.
As duas gerações estão em contraste; na primeira, a alienação, os riscos, a originalidade e o zero em reconhecimento. Muito diferente da actual que consegue elevar os Strokes para estatuto de superestrelas mesmo antes de ouvirmos a sua música.
Este documentário não diz o que devemos pensar, mas obriga-nos a pensar.

22 maio 2007

Antibalas - “Security” (2007 Anti)

Após dois discos na Ninja Tune, que eram puros exercícios de tributo a Fela Kuti, o regresso em grande com “Security”, que é um passo em frente para este grupo de Brooklyn.
O grupo começa a querer sair da sombra do mestre do Afro-Beat e a explorar o seu próprio som, com resultados surpreendentes. E se nas canções mais longas como “Fillibuster X” ou “Sanctuary” a influência do som de Fela ainda está fortemente presente, em canções mais pequenas como “Beaten Metal” ou “I.C.E.” é evidente o esforço em expandir a música para sons mais próximos do jazz.
Não será alheia a presença de John McEntire na produção, pois o homem dos Tortoise colocou em relevo a densidade harmónica do som, criando uma preciosa textura melódica que relembra tanto Charles Mingus, Sun Ra ou os Can, como Fela Kuti.
A partir da base rítmica do Afro-Beat, os membros do grupo, introduzem jazz, funk, dub, soul e música latina, misturados num “groove” que é simultaneamente hipnótico e infeccioso.

18 maio 2007

Classic # 4 - Joy Division - “Unknown Pleasures” (1979 Factory)

A arte gráfica minimal, monocromática, os títulos modernistas, o vestuário formal e a postura austera faziam dos Joy Division um grupo diferente. Mas seria com a sua música, que se iriam distinguir.
Este quarteto de Manchester nunca imaginou que o seu encontro com Martin Hannett iria mudar o futuro da música. As suas ambições iam para além da mera produção. A sua visão seria fundamental na definição do som que caracterizou este disco. As diferenças entre os singles anteriores e “Unknown Pleasures” são bem evidente. O espaço, o ruído e os efeitos sonoros (gravações de vidro a partir, portas a fechar, passos, etc.) são tão importantes como a estrutura das canções. Na produção envolveu os instrumentos com um rígido eco metálico, e adicionou à bateria de Stephen Morris caixas de ritmos. As canções desdobram-se atrás de barulhos furtivos de emoção e actividade.
As canções de “Unknown Pleasures” fugiram dos “clichés” das letras do “rock” (amor, drogas, juventude, rebeldia, etc), para incluir reflexões sobre tristeza, ódio, desespero, depressão urbana, existencialismo e pessimismo, cujas letras são baseadas nas fabricas fechadas, nas crises económicas, nas consequentes relações desmanteladas, que caracterizavam a Inglaterra no fim dos anos 70.
As dez músicas que constituem o disco são marcos absolutos, qualquer que seja a canção, desde a nervosa dança da morte de “She’s Lost Control”, a chamada pungente de escape, libertação (com o seu magnifico apogeu final) de “New Dawn Fades”, a alternância rítmica que acompanha o imaginário assassinato de “Shadowplay” (que pode ser sumariada na frase “In the Shadowplay acting your own death”), o caminho para o apocalipse de “Insight”, ou a forma como Curtis parece anunciar o fim do mundo em “Day of The Lords”.
Depois temos a estrutura melódica. A voz de Curtis é áspera, profunda e dramática. O baixo de Peter Hook é tratado como o instrumento principal. A percussão/bateria é metronómica. As guitarras são ambientais mas também atacam.
O nascimento da lenda dos Joy Division e um dos documentos do pós-punk. Inigualável na sua perturbante beleza e energia, que ainda hoje soa provocadoramente invulgar e vagamente inquietante. Intemporal. Perfeito.

15 maio 2007

Mary Timony Band - “The Shapes We Make” (2007 Kill Rock Stars)

Este disco representa uma evolução qualitativa na música desta veterana do movimento “riot-grrrl”, que sempre se manteve de fora das tendências mais “hypes” do indie-rock.
Com uma mistura de clarividência e virtuosidade, a multi-instrumentista Timony e a sua banda, desenham diversas paisagens sonoras das mais variadas texturas.
A utilização de teclados, banjos, sintetizadores analógicos, “mellotrons”, viola de arco, e muitos instrumentos “vintage” como os Casios, tornam a música complexa, mas ao mesmo tempo dão-lhes uma sensibilidade “pop”.
”Pause/Off” com os seus arranjos soltos é post-rock, “já “Rockman” exibe traços do prog-rock” que caracterizou as suas experiências anteriores, em oposição “Sharpshooter” é baseado em secos riffs de guitarra.
A determinação que emprega em cada disco faz com que a ex-Helium seja uma das vozes mais reconhecidas e respeitadas do “underground” americano.

10 maio 2007

Stars of the Lid - “And Their Refinement of the Decline” (2007 Kranky)

Após 5 anos de ausência, o regresso deste eclético e atípico duo.
Editado na sempre credível Kranky, este duplo CD (ou triplo LP), é possivelmente ainda mais elaborado musicalmente do que o disco anterior. Com a integração de novas texturas ambientais e a expansão sonora dos temas, o resultado é uma transformação estrutural do som “ambient-drone” que caracterizava o disco anterior, e que torna este trabalho ainda mais calmo e subtil.
O disco abre com “Dungtitled (In A Major)” onde a secção de sopros, se dissolve na panorâmica secção de cordas, imagem de marca do duo. Violinos, violoncelos, harpas, trompetes, substituem cada vez mais a guitarra. Os instrumentos acústicos que anteriormente serviam como apoio, aparecem aqui como o elemento principal.
As alternâncias de “Articulate Silences”(Pt.1 and 2) e os dez minutos de “The Daughters Of Quiet Minds” são inovadores e refrescantes, mas ao mesmo tempo parecem tão familiares, que a sua audição dá-nos conforto.Este duo conseguiu criar outro conjunto sólido de canções, diferentes da maioria dos restantes artistas que exploram um som similar.

07 maio 2007

Tributo # 3 - Mark Kozelek – Red House Painters

Os Red House Painters eram basicamente um projecto de Mark Kozelek, um compositor que via o mundo de uma forma trágica, melodramática, e cujas canções autobiográficas, eram relatos de dor, desespero e perda. Através de metáforas e alegorias, ele enfrentava os seus demónios na primeira pessoa, tendo criado alguns discos singulares e sem paralelo na sua vulnerabilidade e honestidade.
Kozelek tornou-se dependente de drogas ainda na adolescência, e numa das suas fases de reabilitação, tomou contacto com a música, e começou a tocar com bandas.
Após a sua mudança para Atlanta, na Geórgia, conheceu o baterista Anthony Koutsos, e formou a primeira incarnação dos Red House Painters. Em São Francisco iria completar a banda com o guitarrista Gorden Mack e o baixista Jerry Vessel. Numa actuação, chamaram a atenção de Mark Eitzel dos American Music Club, que enviou gravações do período 1990/91 para a 4AD, que as iria lançar como o primeiro disco dos Red House Painters: “Down Colorful Hill”. Este Mini-LP, era uma colecção que combinava magníficas melodias “folk-rock”, com a voz fantasmagórica de Kozelek. O ano de 1993, com a edição de dois discos homónimos, viria a ser o da consagração de Kozelek como um compositor único, capaz de conceber em canções como “Grace Cathedral Park”, Katy Song”, “Evil” e “Uncle Joe” a palete de emoções, que evidenciam e detalham o seu errático e perturbador passado. É uma “folk” desolada, triste, mas simultaneamente é tão belo. Mais uma vez, a imprensa tinha de rotular o estilo, que ficou conhecido como “slowcore” ou “sadcore”. No ano seguinte edita o EP “Shock Me”, uma versão surreal de um original dos Kiss. Após dois anos de intervalo, regressa aos álbuns com “Ocean Beach”, uma colecção de canções mais coloridas, com belos dedilhados delicados de guitarra, que o mostram mais confidente. Será o último disco para a 4AD, e o último dentro do estilo que caracterizou os três primeiros. “Songs for a Blue Guitar”, aparece em 1996 na Supreme, e apesar de Kozelek ser o único membro presente, o disco é lançado sobre o nome Red House Painters, no entanto este trabalho é de orientação mais “rock”, sinalizando o caminho que iria prosseguir.
Os projectos seguintes, a solo, incluem um disco de tributo a John Denver e o disco de versões radicais de canções dos AC/DC.
Em 2003 lançou sobre a designação Sun Kil Moon, o disco “Ghosts of The Great Highway”, um bom regresso, recheado de histórias com referências a “boxeurs”!

03 maio 2007

Classic # 3 - Ride - “Nowhere” (1990 Creation/Sire)

Considerado por muitos como o melhor disco dos Ride, “Nowhere” é não só um dos grandes momentos do chamado “shoegazing”, mas também um dos discos que poderá estar num Top 20 dos discos da década de 90.
“Nowhere” com a sua capa emblemática, é um disco clássico, do princípio ao fim.
Todas as canções, à sua própria maneira, demonstram a magia da música deste quarteto de Oxford no seu melhor: o caos controlado da bateria de Laurence Colbert, a urgência do baixo de Steve Queralt, o “feedback” monótono da guitarra ritmo de Mark Gardner, superiormente “misturados” com a atmosfera melódica criada pela guitarra de Andy Bell. Todos eram soberbos músicos. Outros instrumentos, como a harmónica e a guitarra acústica, aleatoriamente incluídos, visavam ainda embelezar mais as canções. E a perfeita combinação harmónica das vozes de Bell e Gardner, distinguia-os das restantes bandas.

Na melhor tradição britânica de classificar os géneros musicais, o som dos Ride é o que se definiu como “shoegazing”, (os músicos em palco estavam tão absorvidos com a sua música que ficavam a olhar para baixo, para as guitarras, dando a impressão que estavam a olhar permanentemente para os sapatos) mas comparando-o com o dos reis do movimento – My Bloody Valentine – é mais melódico e directo. Provavelmente é o resultado da presença da Rickenbacker de Andy Bell, e os seus efeitos e distorção.
O disco começa em clímax, com ondas de distorção e guitarras que parecem estar a chorar em “Seagull”, e contém canções imensas como “Dreams Burn Down”, e profundas como “Paralysed”. O resultado final é que não encontramos ao longo destas onze canções nenhum momento de fracasso.
O legado de “Nowhere” é um disco clássico, que ao procurar atingir as estrelas, consegue alcançar a lua.