30 setembro 2009

Yo La Tengo – “Popular Songs” (2009 Matador)

Ao seu décimo segundo disco (ou será decimo quarto) e ao longo de uma consistente carreira de 25 anos, o grupo de Ira Kaplan e Georgia Hubley, continua abrangente, alienante e prolifico como sempre.
E tal como o excelente último disco, “I’m Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass”, desistem rapidamente de se manterem fiéis a uma sonoridade constante e oferecem-nos as características variações sonoras que os fãs se habituaram a esperar da banda.
A destreza com que mudam de estilos, sons e temas de canção para canção é ao mesmo tempo idiossincrásica e surpreendente, e apenas possível de ser conjugado pelo singular ouvido conhecedor de melodias de Kaplan.
Desde o frágil “pop”, passando pelas explosões psicadélicas, pelo áspero “country-pop”, até às improvisações “noise” (e apesar de ser notável, que as suas principais influências musicais – “soul”, “garage rock” – estão mais tradicionais do que é usual), continuamos na presença de uma banda ainda persuasivamente enfeitiçada pela mutabilidade da música “pop”.
Isso é visível nos luxuriantes arranjos orquestrais do “funky” “Here To Fall”, no esplendoroso “pop-rock” de “Avalon Or Someone Very Similar”, na cintilante e encantadora “Nothing To Hide”, no inesperado dueto retro de “If It’s True”, no resplandecente rastro de “feedback” da épica “More Stars Than There Are In Heaven”, ou no hipnótico “noise-freak” de “And The Glitter is Gone”.
É inevitável não se questionar a mensagem subliminar da capa do disco – sinónimo de um futuro digital ou do papel da música nas nossas vidas – em qualquer caso, o disco vive de acordo com o seu título.
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28 setembro 2009

Covers # 11 - Jon Auer - “6 1/2” (2001 Pattern 25)

Fico sempre desconfiado com os supostos discos de “versões”, pois na maioria das vezes, nem sempre conseguem entender, nem igualar a intenção das mesmas, e ficam muitas aquém das expectativas criadas. Felizmente neste caso, a mestria como Jon Auer reinventa radicalmente os originais, apropriando-se dos mesmos e moldando-os ao seu estilo faz o disco funcionar na perfeição.
Não sei se na altura da sua edição, este disco funcionou como uma resposta ao excelente disco a solo – “Touched” - que Ken Springfellow editou no mesmo ano, mas o outro Posie apresentou-nos esta pequena maravilha de seis versões e meia (daí o titulo). Pois para além do exercício experimental que é o tributo a “Bonnie & Clyde” de Serge Gainsbourg, temos versões dos The Chameleons, dos Swervedriver, dos Ween, dos Hüsker Dü, dos Psychedelic Furs, e até de Madonna. E se a escolha dos temas é fantástica, os resultados são surpreendentes. As canções contêm o característico estilo rancoroso de Auer e evocam o “pop” delicioso que caracterizava os The Posies.
E realmente o único pecado deste disco é ser tão pequeno.
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24 setembro 2009

Wilco - Discografia Selectiva

“Being There” (1996 Reprise)

Tal como os Rolling Stones de “Country Honk” e os Grateful Dead de “American Beauty”, executam uma mistura de estilos – primariamente “country-rock” e rude “American punk” – com uma excitação “bar-room” e um charme decrépito que é inteiramente ilusório neste disco de dupla meditação sobre a idade e a vida “rock’n’roll”. Existe uma busca optimista na visão do compositor Jeff Tweedy que é perfeitamente igualada pela força das suas melodias.
Destaques: “Hotel Arizona”, “Outtasite (Outta Mind)”

“Summerteeth” (1999 Reprise)

Uma miasma de “rock, pop e “country”, que transcende géneros, onde trocaram as suas raízes “roots rock” pelos acordes “power-pop” dos Big Star, pelas harmonias radiosas dos The Beach Boys e por uma esfera de experimentação.
Rodopiando numa extraordinária tapeçaria de sons e uma enormidade de instrumentos que inclui mellotrons, guitarras “e-bow”, moogs, trompetes e várias percussões - todos tocados de uma forma vibrante, apurada e imaculada - as canções invocam as angústias amargas e as euforias irrealistas das relações humanas, através das tristes e sombrias letras, que demonstram um invulgar crescimento da parte de Tweedy. Ele aparentemente é sincero e directo, e o resultado é imediato, alternativamente amável e irritado, simultaneamente esplendoroso e perturbador.
Destaques: “Can’t Stand It”, “I’m Always In Love”, She’s A Jar”, “Via Chicago”

“Yankee Hotel Foxtrot” (2002 Nonesuch)

Um disco verdadeiramente especial, de uma banda que estava a alterar a sua sonoridade, com uma unicamente sóbria sensibilidade, e que leva o ouvinte numa ecléctica viagem existencialista.
Impregnado com uma consistência codificada e com uma complexidade rítmica jamais atingida num disco dos Wilco, onde os instrumentos típicos batalham com turbilhões de ruídos e sons bizarros, que interligam as canções de todas as formas possíveis. A presença de Jim O’Rourke não será alheia a esta sonoridade.
Está recheado de escuridão e mistério, com comoventes canções acerca do amor (imprevisível, magnífico, doloroso, incompreendido, desleal), num estranho mundo moderno, que revelam uma beleza intangível.
Destaques: “I Am Trying To Break Your Arm”, “War On War, “Heavy Metal Drummer”

“A Ghost Is Born” (2004 Nonesuch)

Outro diversificado e encantadoramente incompreensível esforço de um dos mais interessantes experimentalistas da musica moderna. Para além dos paradigmas e da ironia musical, temos o intrigante “pop”, mas também o rude, fumegante e jubiloso “rock’n’roll”. Imprevisivelmente, as canções aqui geralmente evitam os rápidos dividendos e grandes refrãos em favor de arranjos complexos e subtis dinâmicas. Tweedy surge mais relaxado, mais subjugado, e mais dependente do estúdio de gravação. O efeito é gradual, libertino em tonalidade, detalhe e nas estruturas libertas de convencionalismos das canções. Provavelmente não cativará na primeira audição, todavia, quando investimos tempo e o ouvimos repetidamente, conseguimos apreciar este disco sem esforço e as canções tornam-se verdadeiramente contagiantes.
Detaques: “At Least That’s What You Said”, “Hummingbird”,


21 setembro 2009

Rock # 9 - The Jesus Lizard – “Goat” (1991 Touch And Go)

No seu segundo álbum, os lunáticos e depravados de Chicago cumpriram bem o seu papel dos primos retardados e alcoólicos dos britânicos Gang of Four. Nesta espiral de caos, produzida por Steve Albini, a sua sonoridade está no mais doentio, repulsivo e ameaçador possível em faixas como “Then Comes Dudley”, a psicótica “Nub”, a venenosa “Mouthbreaker”, “Monkey Trick” ou a paranóica “I Can’t Swin”.
O baterista Mac McNeilly e o baixista David Sims tocavam com uma ritmada subtileza fulminante, o guitarrista Duane Denison aparentemente arranha as cordas erradas para criar vibrantes “riffs” pós punk e o infame porta-voz David Yow, com o seu incomparável estilo vocal, capturara a alma de um imoderado e desarticulado personagem.
Depois de “Goat”, continuaram a fazer álbuns excelentes – como “Liar” de 1992 (e o famoso “single” a meias com os Nirvana, de onde provavelmente serão mais relembrados) – e repetidamente reinventaram-se a eles próprios, mas os verdadeiros fãs do rock aventuroso necessitam de “Goat”.
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16 setembro 2009

Pop # 7 - Julian Cope – “Fried” (1984 Mercury)

Com “Fried, Julian Cope criou algo quase surrealista e verdadeiramente aventuroso. Recheado de alienação mental e bucolismo britânico, Cope ainda surge cambaleante do imenso turbilhão que foi o final dos The Teardrop Explodes (principalmente excessos de LSD e o colapso financeiro) e do falhanço do seu primeiro disco a solo, mas tentando não derrocar.
Os introspectivos conteúdos do disco mostram um indivíduo incrivelmente focado, e embora este seja ecléctico, é o invulgar ambiente de tristeza que mantém a coesão do mesmo, mesmo quando este parece estar a sucumbir.
Notáveis canções de pop psicadélico com surpreendentemente belas melodias, surgem entre um conjunto de esotéricos e impenetráveis exercícios acústicos audaciosamente reminiscentes do trabalho a solo de Syd Barrett.
Os resultados são sublimes, evidenciados nas galopantes e ásperas guitarras de “Reynard the Fox”, no gracioso “Bill Drummond Said” (e a sua trémula guitarra), nas acústicas “Me Singing” e “Laughing Boy”, incandescentes com espaço e melancolia (possivelmente influenciado por Tim Buckley), na bizarra explosão de melodia “Sunspots”, e as suas celestiais ondas de teclados, ou nas viciantes e contundentes guitarras de “The Bloody Assizes”.
Para além disso, esta é provavelmente a mais idiossincrásica capa de disco jamais imaginada - onde Cope prostra-se nu debaixo de uma gigante carapaça de tartaruga.
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11 setembro 2009

Regina Spektor – “Far” (2009 Warner)

Inicialmente fiquei alarmado com a curiosa presença de produtores como Jeff Lynne dos ELO, ou Jacknife Lee (Snow Patrol, Bloc Party), mas Spektor apresenta-nos um disco imaginativo e poético que é uma mistura da suavidade “pop” de “Begin To Hope” com o anti-folk de “Soviet Kitsch”, e onde as contradições da sua música ainda estão presentes.
A apoiar a sua grandiosa voz, estão letras inteligentes e obtusas, e tortuosas melodias inesquecíveis, onde se destaca o seu absolutamente mágico uso da narrativa, que permite criar canções acessíveis, mas poderosas, que comunicam ideias complexas e reflexões impares de uma forma que até uma criança pode apreciar, que maravilhosamente exploram as maiores questões da natureza humana – religião, fé, amor, confiança, morte, etc. Existe um gradual acréscimo de instrumentos adicionais, e “Far” exibe momentos de grandeza orquestral, que resultam numa ecléctica colecção de sons e canções.
Temos a felicidade rejubilante da ode “The Calculation”, a incandescente “Dance Anthem of The 80’s”, a intensa e contemplativa “Laughing With”, a sinistra e industrial “Machine”, a misteriosamente intitulada “Eet”, a simplicidade de “Wallet”, a fuliginosa e poderosa “Man Of A Thousand Faces”, a espantosa “Human Of The Year”, a mordaz “Genius Next Door”, a assombrosa meditação “Blue Lips”.
Não agradará a todos, mas é mais um excelente disco de uma estranha e apaixonante executante que consegue tornar fácil e acessível, uma música desafiante e assim torna-la muito mais gratificante para o ouvinte.
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08 setembro 2009

Tributo # 11 - Guadalcanal Diary

Tal como os R.E.M., eram originários da Geórgia e inicialmente utilizavam o mesmo produtor - Don Dixon – mas ao contrário dos primeiros, tiveram uma curta e subestimada carreira.
Distinguiram-se pelo seu incomparável estilo, onde misturavam perfeitas canções “pop” e rock experimental, para criar melodias irresistíveis assentes num extraordinariamente rigoroso combo de muscular percussão, rítmicas linhas de baixo e nas guitarras “power-pop” Rickenbacker.
Formados pelos amigos de longa duração, Murray Attaway e Jeff Walls, seria pela excelente e límpida voz, pelos bizarros temas e pelas impecavelmente distorcidas letras metafísicas (que abordavam religião, cultura Americana, alcoolismo, entre outros) do primeiro e pela fumegante forma de tocar guitarra do segundo, que no inicio da década de 80, conseguiram fazer parte da emergente cena musical que provinha da área urbana de Atlanta, e que incluía os The B-52’s, Pylon, The Fans e os já referidos R.E.M..
Tudo começou com “Walking In The Shadow Of The Big Man” (1984), editada na pequena, mas influente DB Records, e com produção de Don Dixon, onde criaram um “rock” discordante mas recheado de influências “southern roots”, evidentes nos magníficos “Trail Of Tears”, “Fire From Heaven” ou na cómica “Watusi Rodeo”, que gerou inúmeras críticas positivas, e que atraiu a atenção da Elektra que assinou o grupo.
Assim “Jamboree” (1986), com o experiente produtor Rodney Mills, é muitas vezes considerado como um disco menos conseguido, mas isso é apenas devido às imensas expectativas exteriores que o rodeavam, pois aqui mostra-nos a banda no seu melhor quer liricamente, quer musicalmente, como em “Please Stop Me”, “Pray For Rain” ou “Country Club Gun”.
Em “2x4” (1987), com imensos grupos a tentarem imitar a sua sonoridade, eles sentiram a necessidade de explorar novos terrenos musicais, regressaram novamente com Don Dixon o que resultou em arranjos mais desenvoltos e ritmos mais enérgicos e robustos. No entanto as canções são introspectivas e bastante espirituais, como “Litany (Life Goes On)”, 3AM”, “Things Fall Apart” ou “Get Over It”. Ainda como extra brindaram-nos com uma versão de “And Your Bird Can Sing” dos Beatles. Provavelmente atingiram o seu expoente máximo neste disco.
“Flip-Flop” (1989), o último disco, é mais um sólido registo, que demonstra que estavam a crescer como uma unidade, e onde o baterista John Poe surgiu a compor algumas das melhores canções como o ruidoso “pop” de “Always Saturday” , “Pretty Is As Pretty Does” ou “Barometer”.
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Guadalcanal Diary - Trail Of Tears
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Guadalcanal Diary - Litany (Life Goes On)

04 setembro 2009

My Favorites # 17 - Calexico – “Feast Of Wire” (2003 Quarterstick)

Foi o sábio crítico Greil Marcus que “inventou” o termo “The Old Weird America” como tributo a um sombrio e intrigante lugar, mas que é tão bem sucedida na sua exportação para o resto do mundo.
Muitos músicos agruparam-se debaixo desse crescentemente gasto estandarte “alt-country” para derivarem por essa América ilusória e singular como os Calexico.
John Convertino e Joey Burns, estão há vários anos sitiados em Tucson, muito perto da fronteira com o México, e a sua música é consequentemente infiltrada pela sua natural localização, pois captura a intriga das cidades fronteiriças, a solidão do deserto e o exotismo mexicano.
Apesar do seu quarto disco ter sido provavelmente o mais acessível até à data, e onde a frequentemente fracturada e embriagada música agora soa nitidamente recortada, ainda transmite um sentimento enganador de algo não estar correctamente certo. Como exemplo ouçam “Black Heart”, onde Ennio Morricone se junta a uma marcha fúnebre “Tex-Mex”, ou a belamente intitulada “Not Even Stevie Nicks”, onde a personagem principal espectacularmente comete suicídio.
O mesmo se aplica a “Sunken Waltz” e “Woven Birds” – mas quando parece que estão prontos para serem conotados com o estilo musical “alt-country”, eles subitamente mudam totalmente de direcção como em “Close Behind”, no esplêndido “Mexican Guero Canelo” ou em “Crumble” – e o resultado das suas influências predominantes são direccionadas estrondosamente com pedaços de “bebop jazz”. E contra enormes probabilidades tudo resulta brilhantemente.
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02 setembro 2009

Electronic # 12 - John Foxx – “Metamatic” (1980 Virgin)

“Metamatic”, surgiu após John Foxx abandonar os Ultravox - o grupo que fundou, e que desenvolveu o som e imagem, quando estes pretendiam abordar uma forma musical mais “pop” – e é um dos discos mais desprovidos de emoção na história da “pop”, permanentemente desolador e disruptivo, com letras que mergulham em sonhos, pensamentos, memórias, constantemente evocando atmosferas de ficção cientifica, e que é ainda mais sombrio e mais desligado do que os primeiros trabalhos de Gary Numan.
Ousado, inovador, imaginativo e inflexível, o que é mais surpreendente, neste diligente registo é o quanto obstinadamente minimalista as texturas musicais são. Robóticas, mecânicas, estéreis e assombrosas, quase exclusivamente baseadas em sintetizadores, caixas de ritmos e distorção sonora, visivelmente influenciadas pela música electrónica que provinha da Alemanha na ultima década, e que ainda hoje não soa nem um pouco datada.
Para além dos singles “Underpass” e “No-One Driving”, destacam-se o gelado e melancólico “Metal Beat” (que carrega similaridades com os Kraftwerk) e o áspero e sombrio “Touch And Go”.
Absolutamente subestimado e invulgar, utilizou um estilo musical que nunca mais foi imitado, nem pelo próprio Foxx.
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