25 fevereiro 2010

Rock # 12 - Shellac - “At Action Park” (1994 Touch and Go)

Apesar de na altura Steve Albini ter formado este trio “numa base informal”, já lá estavam incluídas todas as “marcas sonoras registadas” dos anteriores projectos de Albini (Big Black e Rapemen) – as grosseiras mudanças temporais, a ruidosa e ressonante assimétrica bateria, o palpitante e fulminante baixo, as agudas e penetrantes guitarras e as vocalizações frenéticas – apesar de mais subtis.
Albini (“velocity”), Bob Weston (ex-Volcano Suns – “mass”) e o tumultuoso Todd Trainer (ex-Breaking Circus – “time”), tornam o complexo simples, ao criarem um tenso e frugal “rock”, que foi “recorded live in the sudio”, onde os arranjos são minimais e escasseiam, mas onde está bem presente a genuína tensão e energia que apenas pode ser produzida através de uma performance ao vivo. E o muito particular registo sonoro de Albini, utilizando brilhantemente as acústicas e as mais puras e analógicas técnicas de gravação, que retira toda a sofisticação e/ou purificação das modernas técnicas de produção, deixando-o num estado bruto e resoluto, sem que nada atenue o impacto da música.
Provavelmente o melhor produto no catalogue dos Shellac, “At Action Park” desenvolveu o distinto estilo sem subverter o seu poder. E se relembra o “post-rock” na atitude e o “math-rock” na entrega, é um marco na história da música moderna e um livre manifesto de como tornar a música “rock” grandiosa.
Ouçam o áspero circular “noise” de “Song Of The Minerals”, o irregular “feedback” de “Crow”, a fulminante “My Black Ass”, a meditativa “The Idea Of North”, a completamente cáustica “Dog & Pony Show”, ou humor seco presente em “Il Porno Star”.
Um das ultimas bandas de “rock” verdadeiramente intransigente.
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22 fevereiro 2010

Extremos # 7 - Flat Earth Society - “ISMS” (2004 Ipecac)

Quando a notável Ipecac resolveu editar um disco de uma “belgian avant-gard Big Band”, como constava na descrição que o acompanhava, poderia ser difícil de imaginar que se tratava de mais um disco peculiar e extremamente original.
“ISMS” reúne temas editados anteriormente apenas na Bélgica e compilados por Mike Patton para a sua editora. E que bem que aqui encaixa, pois esta recheado de estridências e das repentinas mudanças musicais que Patton tanto gosta.
Esta “big-band” belga liderada pelo clarinetista Peter Vermeersch, estendeu as suas fronteiras musicais utilizando o formato”Big Band” como instrumento, e criou uma música que podemos realmente apelidar de “avant-garde”.
As influências são inúmeras e oriundas de diversos locais, e aludem a um Frank Zappa dos anos 80, como ao “free-jazz” cósmico de Sun Ra, ao “jazz” polifónico de New Orleans como à musica “folk” setentrional, e as bandas sonoras dos “film noir”, mas tudo levado até aos limites da cacofonia. Através de loucas explosões sonoras onde os elementos da banda se gladiam para estilhaçar as fronteiras do “rock” e “jazz”, surgem combinações que não deveriam resultar, mas que funcionam extremamente bem, como evidenciado, por exemplo, nas extraordinárias “O.P.E.NE.R.”, “Funeral & Binche” ou “(Little) King Ink”.
Um disco que precisa de ser explorado, pois cada nova audição revela algo verdadeiramente novo.
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15 fevereiro 2010

Pop # 11 - Richard Hawley - “Lowedges” (2003 Setanta)

Com o seu nariz a boxeur e com o aspecto de um “rocker” original dos anos 50, Hawley seria sempre uma improvável estrela.
É uma pena, pois este disco (tal como “Late Night Final”, mas com maior profundidade e coerência, ou o menos pessoal “Coles Corner”) é uma esplêndida e deliciosa obra-prima de ardentes e vibrantes canções intemporais, que demonstra o seu magnífico virtuosismo musical e um excelente instinto para a composição.
Prodigiosamente abre o disco com a ressonante, cismática, altaneira e no entanto particularmente épica “Run For Me” (o grande momento do disco a par com “You Don’t Miss Your Water”, “Darlin’” ou “Oh My Love”).
Aqui o seu voluptuoso trautear reminiscente de um Ian McCulloch ou Roy Orbison está mais precioso do que nunca (mas musicalmente está muito distante de ambos), e mesmo quando faz uma romântica serenata a sumptuosa sonoridade “retro-pop” implica trágicas e tristes despedidas. Cada palavra é sedativa, cada nota é cuidadosamente escolhida para levar o ouvinte em direcção ao delicado mundo de Hawley.
Agora esqueçam modernismos, não lhe peçam para ultrapassar certos limites musicais, esta grandiosamente emocional e assoladora música, soa como mais nada que foi criado nesta ultima década, simultaneamente e imediatamente moderno e retro.
A justaposição de serenas e dilacerantes melodias presentes em “Lowedges”, não é nada de novo, mas a sua invulgar excelência confirma Hawley como um sorumbático e esplendoroso cantor-compositor da mais elevada categoria.
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11 fevereiro 2010

Compilação # 6 - The Lines- “Memory Span” (2008 Acute) / “Blood Bank” (2008 Acute)

Tentar perceber porque é que do fértil período do “pós-punk” os The Lines ficaram na obscuridade, enquanto numerosas bandas do mesmo cânone foram redescobertas, é realmente uma grande incógnita.
Mas felizmente, e depois dos Fire Engines e The Prefects, a Acure decidiu remediar a situação ao editar duas compilações que cobrem os anos de actividade da banda de Rico Conning, entre 1978 e 1983 - “Memory Span” (que agrupa “singles”, faixas previamente não editadas e Peel Sessions) e “Flood Bank” (que reagrupa os dois discos originais que gravaram - “Therapy” e “Ultramarine”).
Extremamente imaginativos e focados, criaram um som verdadeiramente ecléctico, ao combinarem a estética “punk” com a música psicadélica, o “funk” e harmonias “dub”.
O resultado é um esparso e inteligente “pop-rock” abrupto e hipnótico, que relembra mas nunca imita contemporâneos como The Soft Boys, XTC, ou Wire.
O facto de terem criado a sua própria editora – Red Linear – fez com que tivessem a liberdade para experimentar e a capacidade de se desenvolverem ao seu próprio ritmo.
Do primeiro disco destacam-se o possível clássico “White Night”, o austero chocalhar de “Cool Snap”, o “disco-punk” de “False Alarm” e “Transit” e a espantosa “House Of Cracks”.
Do segundo, o temerário experimentalismo presente no minucioso “funk” de “Instincticide”, no indolente baixo e na tensa guitarra de “Stripe”, no zumbido electrónico de “Disenchanted”, na jubilosa e oscilante guitarra de “Tunnel Party”, e no arquétipo “post-rock” de “Blow A Kiss”.
Fascinante e essencial.

07 fevereiro 2010

Pop # 10 - The Go-Betweens- “Liberty Belle And The Black Diamond Express” (1986 Beggars Banquet)

O mais épico e mais romântico disco do quarteto Australiano, será provavelmente também o mais consistente de uma banda que ao longo da sua história discográfica nunca parou de impressionar. Pois, para além deste, poderia ter escolhido outro - “Before Hollywood”, “16 Lovers Lane” ou “Oceans Apart” – já que todos os seus álbuns são fantásticos, e estão recheados de belas e habilmente criadas canções, que relatam histórias de amores românticos e das suas irritadas rejeições.
Através das fantásticas letras de Grant McLennan e Robert Forster, apresentam-nos melancólicas e dolorosas meditações acerca do amor e as suas consequências. E estas surgem quer através da presunçosa indiferença de Robert Forster e os seus arrogantes relatos de intensas paixões, quer através do mais sério romantismo de Grant McLennan com as suas poéticas e sonhadoras composições.
Gravado com o produtor Richard Preston em Fulham na Inglaterra, está evidente que os nativos de Brisbane procuraram aqui uma sonoridade mais rústica, quase áspera, que lhe dá sensações ligeiramente únicas em relação aos seus outros discos.
Podemos destacar as discordantes guitarras e as declamatórias vozes de “Spring Rain”, a majestosa “The Wrong Road”, a perfeita capacidade de escrita evidenciada em “To Reach Me”, a subtil, no entanto dramática “Twin Layers Of Lightning”, o excelente “pop” presente em “Head Full Of Steam” ou as agravantes e desesperantes emoções de “Apology Accepted”. Mas a real força deste disco é a sua coesão global, pois tudo parece coexistir em perfeita sintonia. Todos os aspectos delicadamente reunidos como um puzzle, produzindo uma sonoridade perfeita e verdadeiramente única, e que por mais vezes que o escutemos, nos irá sempre produzir efeitos surpreendentes.
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04 fevereiro 2010

Classic # 24 - Primal Scream - “Exterminator” (2000 Creation)

Tal como os Primal Scream inventaram, em 1991, a sua própria banda-sonora para o Acid House com “Screamadelica”, ao se juntarem” aos The Orb e a Andrew Weatherall, e ao misturarem “beats” com abafadas guitarras reminiscente dos The Stooges e um “dub” halucinogénico, “Exterminator” maneja o mesmo bem oleado estratagema mas trocando o “house” pelo “electro” e “techno”.
Desta vez a “equipa de mistura” incluía entre outros David Holmes, Kevin Shield dos My Bloody Valentine, Dan The Automator, Jagz Kooner ou mais eficaz e surpreendentemente entre todos eles, os The Chemical Brothers. Estes últimos contribuem com uma frenética e vacilante “mix” de “Swastika Eyes”, que surge como o sucessor da “acid blues” mix de “Higher Than The Sun” que os The Orb realizaram para “ Screamadelica”.
Embora indiscutivelmente mais negro e vigoroso, depois de ter retirado elementos das sonoridades alcançadas em “Vanishing Point” e levando-as a um maior extremo sonoro, “Exterminator”, é facilmente identificável como o real sucessor de “Screamadelica”. Aqui é a amplitude, a profundidade, a energia, a intensidade e a ira presentes que completam o brilhantismo deste disco.
Mas “Exterminator” começa o seu penetrante curso de um ainda mais alto patamar, e a sua fuselagem está carregada com uma primitiva mistura explosiva do mais pesado “funk”, “jazz”, “noise” e “rock” prestes a explodir. E como se não bastasse debaixo de tudo, temos o verdadeiramente extraordinário e vibrante baixo de Mani (aka Gary Mounfield), que confere ao disco um acompanhamento deveras hipnotizador.
Assim e em canções como na poderosamente agressiva “Kill All Hippies”, na impertinente e intensa “Accelerator”, na bruma psicadélica de “Blood Money” ou nos abrasadores ritmos do transtornado “jazz” de “MBV Arkestra”, os Primal Scream retalharam todas as regras musicais para impulsionarem as suas estimulante ideias, no sempre muito estéril panorama musical.
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