30 abril 2010

The Album Leaf - “A Chorus of Storytellers” (2010 Sub Pop)

Os calmantes “drones” electrónicos e as suaves melodias que podemos esperar de um disco dos The Album Leaf continuam presentes neste último registo, mas agora e através da utilização de uma verdadeira banda, Jimmy LaValle foi capaz de expandir a sua sonoridade com resultados extremamente gratificantes.
Assim, e ao invés da utilização de “overdubs” das suas próprias performances, cada faixa apresenta o tipo de vibração resultante das colaborações, uma mais impulsiva criatividade que respira vida nas mini obra-primas de lenta combustão.
Existe aqui muito mais paixão e imaginação e uma real consistência. Certamente o facto de terem passado algum tempo com os Sigur Rós, quer na estrada, quer em estúdio, foi responsável por nutrir aos The Album Leaf um “upgrade” na sonoridade “lo-fi” para um som épico. O disco foi gravado em Seattle mas foi remisturado na Islândia por Jón Birgisson e parece beneficiar nesse sentido.
Desolado mas ainda assim reconfortante, inclui o tipo malabarismos de géneros e uma serenidade que é ao mesmo tempo totalmente audível e irresistivelmente atraente.
E sendo verdade que o disco possui uma decente quantidade de contribuições vocais – com destaque para a presença de Pall Jenkins dos Black Heart Procession – ainda são as deslumbrantes melodias e as sonoridades estratificadas que falam mais alto.
Destacam-se a melodia hipnótica de “There Is A Wind”, a “glitch no entanto serena “Within Dreams”, as delicadas sensibilidades “pop” de “Falling From The Sun”, o grande instrumental “Stand Still”, e a glacial no entanto calorosa “Summer Fog”.
Esta nova ambição que encontramos em “A Chorus of Storytellers”, terá levado os The Album Leaf possivelmente à sua melhor execução, mas a sua gentileza e decoro são tão consistentes que este é um disco que procura e requer o máximo de atenção.
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27 abril 2010

In the Beginning # 2 - My Bloody Valentine - “Isn’t Anything” (1988 Creation)

Após a regulamentação da pureza “indie-pop” nos EP’s “Strawberry Wine” e “Ecstasy” (ambos de 1987), “Isn’t Anything” foi comprovadamente pós- lapsariano. A transformação dos MBV de pretendentes ao espectro sonoro dos The Jesus and Mary Chain, para aventureiros sónicos ainda hoje é de difícil crédito. Só mesmo a audição do tenso holocausto que foi o EP “You Made Me Realise” e o verdadeiramente inovador álbum que o seguiu, podem ajudar a sua compreensão.
Sonoramente caótico, incorporando as desfalecidas paisagens sonoras dos Cocteau Twins, juntamente com um uso altamente inovador de “microtons” e artisticamente submerso no estúdio, é impressionante a sua consistente tonalidade negra e erótica, alternadamente desnorteante ou agressivamente voraz. É um disco cheio de contrastes, sejam as exuberantes paisagens sonoras recheadas de “feedback”, sejam as sensuais combinações das vocalizações vazias de Kevin Shields contra os encantos etéreos de Bilinda Butcher. As músicas não são “sobre” amor, sexo e emoções, mas “soam” como fossem momentos hiper-sensíveis de amor, sexo e emoções.
E ao ouvir “Isn’t Anything” actualmente, ele parece ter muito em comum com o sentimento de euforia vivida na altura em torno do “second summer of love”, pois tem a mesma qualidade entorpecedora do que os resultados das experimentações químicas ocorridas aquando do referido movimento.
Embora a apoteose do MBV ficasse completa após o lançamento de “Loveless”, “Isn’t Anything” mantém uma nitidez e clareza de composição, que é às vezes um pouco ausente nos inúmeros de efeitos de guitarra presentes em “Loveless”.
Desde o dub-balançante do totalmente sexual “Soft As Snow (But Warm Inside)”, passando pelo orgásmico, minimalista e absolutamente arrebatador “Lose My Breath”, pela poesia de tom fúnebre do perturbador “No More Sorry”, pelo alegremente perturbador “All I Need”, pelos “riffs” brutais do apocalipticamente erótico “Feed Me With Your Kisses”, pelo verdadeiro letal “Sueisfine” até à violentamente sexy “Nothing Much To Lose”, “Isn’t Anything” é uma aventura musical que transcende qualquer redundante género estilístico onde possam inadvertidamente ter sido colocados os MBV.
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23 abril 2010

Pop # 12 - Kitchens Of Distinction

“Love Is Hell” (1989) (One Little Indian)

“Strange Free World” (1990) (One Little Indian)

Este trio londrino presenteou-nos com canções apaixonantes, inteligentes, honestas, bruscas e graciosas, recheadas de extáticas e intensas emoções, através da despretensiosa poesia de Patrick Fitzgerald, que detalhavam as fraquezas e os desaires dos relacionamentos que ele observava. A homosexualidade de Fitzgerald significa que as letras não se refugiavam na tradicional história “rapaz encontra rapariga”, mas ainda assim ressonavam com empatia, ternura e sensibilidade. Ao contrário de bandas como os Echo And The Bunnymen ou os The Chameleons, que tinham os seus incentivos nas trevas, os KOD usavam dinâmicas mais electrizantes como ponto de partida. Estas estavam assentes na fogosa voz e nas brilhantemente confessionais letras de Fitzgerald, na aterradora e voluta guitarra de Julian Swales, que produzia uma assombrosa quantidade de extraordinários sons gerados via uma extensa utilização de efeitos e na pulsante bateria de Dan Goodwin, que adicionava uma verdadeira musculatura e simultaneamente sustentava a estrutura das canções. Foram aglomerados na pletora de bandas “shoegazing”/”dream –pop” juntamente com os recém chegados Slowdive e Chapterhouse, o que trouxe comparações injustas e pouco sensatas, pois a sua música possuía muito mais alma, variedade e emoções genuínas (aquele turbilhão de guitarras de certo modo relembra uma música psicadélica bem enraizada). Tudo isto é extremamente visível nos seus dois primeiros álbuns. O brilhante “Love Is Hell” (1989), que inclui as indolentes rajadas de guitarra presentes em “In A Cave”, a efémera guitarra de “Time To Groan”, a simplesmente fabulosa “Prize”, e a eufórica “The 3rd Time We Opened The Capsule”. Evoluíram para algo verdadeiramente transcendente em “Strange Free World” (1990), que inclui a esplendorosa “Railwayed”, a poderosa “He Holds Her, He Needs Her”, a impiedosamente frenética “Drive That Fast” e a sublime “Quick As Rainbows”. Uma banda lamentavelmente esquecida, que nunca teve o reconhecimento que mereciam (provavelmente devido ao nome desajeitado, provavelmente devido pela obvia homosexualidade que assustou e afastou muitas pessoas), mas cuja dor era definitivamente o nosso prazer.
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Kitchens Of Distinction - The 3rd Time We Opened The Capsule
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Kitchens Of Distinction - Railwayed

21 abril 2010

Electronic # 16 - Amon Tobin – “Out From Out Where” (2002 Ninja Tune)

Muitas vezes considerado inferior em relação aos seus antecessores “Permutation” (1998) e “Supermodified” (2000), ou até mesmo à sua aventura como Cujo, a opressiva contextura maciça de “Out From Out Where” realmente confirma o virtuoso e visionário Amon Tobin como um dos mais qualificados e imaginativos artistas do “sampling” do século 21, pela forma como ele coloca os padrões qualitativos incrivelmente altos de álbum para álbum. Provavelmente este disco não será tão formoso como o subversivo “Supermodified”, e é bem evidente que Tobin baixou o tom experimental, refugiando-se em fórmulas mais seguras. E apesar de tematicamente ser mais coeso, aqui é a fantasia que toma lugar, oscilando entre um romantismo simultaneamente infantil e desesperante, num muito particular estádio de espírito. É virtualmente impossível descortinar a origem da maioria das sonoridades “sampladas”, mas uma atmosfera “noir”, os sons artificiais e as tendências “sci-fi”, tornam o disco sinistro, como um frio monólito de “funk” astral. A genialidade de “Out From Out Where” reside no facto de ser tão ricamente evocativo de diferentes panóplias de imagens a cada poucos segundos, através do hipnótico e onírico “Back From Space”, do ameaçador “El Wraith”, do rigoroso “Verbal”, do enérgico “Rosies”, do claustrofóbico “Triple Science”, do cósmico “Searchers”, ou do delicado “Mighty Micro People”.
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19 abril 2010

Record Store Day - The Day After

Ok, não encontrei edições especiais, mas com o desconto de 20% em todos os discos, deu para adquirir os últimos dos Field Music, MGMT, The Album Leaf e Four Tet.
Na secção das promoções, ainda consegui encontrar um disco pedido dos velhinhos Crime & The City Solution (que tinha emprestado a alguém e fiquei sem ele), e ainda discos dos Echoboy, Tipsy e Oneida, que acabaram por ficar a 4€.
Um dia muito bem passado.

15 abril 2010

Record Store Day

Amanhã é o "Record Store Day", e independentemente de tudo o que se possa dizer acerca da importância e significado deste evento, é sempre uma boa oportunidade de visitar as lojas "independentes" e procurar adquirir alguns discos a preços especiais.

A Jo-Jo's promete um dia em cheio. Mas vou dar um "tour" pelas restantes lojas com que mais me identifico aqui no Porto. Fica a sugestão.



14 abril 2010

Do fundo da prateleira # 22 - The American Analog Set – “The Golden Band” (1999 Emperor Jones)

A beleza intransigente é uma das coisas mais difíceis para um artista realizar. O verdadeiro objectivo da beleza é lançar um feitiço sobre a audiência, para colocá-los em êxtase. A criação artística da beleza envolve saber o que torcer e virar e até onde e quando parar, e tem que ser feito de forma orgânica e inconsciente. Assim, quando uma banda libertina mais conhecida por um furioso “rock” de confronto e um orgulhoso amadorismo cria uma obra de rara beleza, é um momento importante. Com os The American Analog Set, aquele “indie rock”, conflituosamente contrário, abraça plenamente uma beleza exuberante.
Através da utilização de equipamento de gravação analógico, baseando-se numa secção rítmica muscular subjacente aos sintetizadores analógicos e numa voz macia a cantar serenamente, “The Golden Band” é uma obra de beleza refinada da primeira até à última nota. A banda utiliza como ponto de partida canções curtas e bonitas tal como os The Velvet Underground as usavam para neutralizar a sua penetrante escuridão, e em seguida baseiam-se nelas até que as mesmas se tornem em quentes e exuberantes tapeçarias de sonoridades pulsantes (mas nunca sonoramente aglomeradas). Como uns mais estanques Galaxie 500, os The American Analog Set tocam canções ricamente alusivas, e cujos apertados e compactos arranjos florescem como flores quando os escutamos. E podemos ser tão embalado para não nos apercebermos que estamos a ouvir algo tão revolucionário como um trabalho de qualquer ícone do “indie” ou “punk”. Este é um disco de uma beleza simples e subtil. E num mundo onde o antídoto ao estridente niilismo “indie”, é um estridente comercialismo, um álbum com a calma e a confiança anacrónica como “The Golden Band” soa estranhamente, como um manifesto.
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12 abril 2010

The Morning Benders – “Big Echo” (2010 Rough Trade)

O jovem quarteto de Berkeley está de regresso com um disco cujo título, “Big Echo”, apropriadamente informa a mudança ocorrida. Eles demonstram ambição, pois o disco representa um enorme passo em frente, uma bela evolução estilística, que confirma o potencial demonstrado em registos anteriores.
Chris Chu tentou expandir o som da sua banda utilizando a técnica “wall of sound” desenvolvida por Phil Spector, mas modernizando-a. A magnífica utilização da reverberação e do eco, são completadas com as harmonizadas e assertivas vocalizações de Chu, que recria o que Brian Wilson fez para os The Beach Boys em “Pet Sounds”. Tenta ainda fugir ao “indie-guitar-pop” que marcou a maioria das suas primeiras gravações, dando mais atenção à sonoridade criada, mantendo o foco nas abundantes e inebriantes melodias, que apesar de simples são cuidadosamente trabalhadas. Deixa os efeitos sonoros para segundo plano e surge mais experimental, provavelmente devido à influência de Chris Taylor dos Grizzly Bear que co-produz o disco. O resultado é uma sonoridade muito própria, onde cada canção é extremamente estratificada, construída lentamente e pacientemente com sons vibrantes e suaves, onde floresce a capacidade de escrita de Chu. É uma complexa experiência auditiva, pois as canções introduzem uma infinidade de variações que inesperadamente esgueiram-se para a nossa cabeça, permitindo descobrir algo de novo mesmo após várias audições.
O melhor exemplo é a peculiar e encantadora “Excuses”, mas não existe ao longo do disco nenhum ponto que pareça introdutório ou conclusivo, pois o verdadeiro efeito produzido por “Big Echo” é a continuidade. Desde a deslumbrantemente agridoce “Promises”, passando pelo economicamente viciante “folk” de “Cold War”, pela serenidade da épica “Pleasure Sighs” ou pela bela fragilidade “pós-rock” de “Stitches”, os The Morning Benders criaram uma gloriosa obra de arte sonora.
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09 abril 2010

Singles # 21 - Primal Scream - “Higher Than The Sun” (1991 Creation)

Os Primal Scream eram um grupo que ninguém levava muito a sério. No início de 1989, eles só queriam ser os MC5. No final desse ano, editaram "Loaded", que apesar do seu envolvimento óbvio, foi rapidamente considerado como tendo sido resultado do trabalho único de Andrew Weatherall. Mesmo depois desse “single” ter atingido o Top Ten e eles terem-no seguido com "Come Together", ainda eram considerados uma desinteressante banda que derivou para o “house”. "Higher Than The Sun" mudou tudo isso - e no processo mudou a forma como a música “pop” seria feita na década de 90.
Eloquentemente definiu o estado de uma nação à deriva no “Ecstasy”. Com as suas mentes "libertas" por sucessivos abusos de substâncias, Bobby Gillespie, Andrew Innes e Robert Young reuniram-se no apartamento de Innes em East London, com uma variedade de instrumentos que colocam o puritanismo “indie-guitar” contra a parede. Pois basta ouvir a versão “demo” (encontra-se no lado B de "Burning Wheel") para ver que "Higher Than The Sun" é uma muita própria concepção da banda. O que lhe deu essa “dimensão vital” foi a inspirada participação de Alex Paterson dos The Orb - que superou até mesmo a grandeza da sua própria "Little Fluffy Clouds" - com uma produção alucinogénica.
Liricamente também estavam muito à frente. Naquela época, o Ecstasy parecia ser um falso bilhete para os bons momentos, mas referências sem precedentes como "”hallucinogens can up-end me or untie me”, sugeriram que algo mais negro estava a chegar.
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07 abril 2010

My Favorites # 19 - Lisa Germano – “Geek the Girl” (1994 4AD)

O segundo disco da multi-instrumentista Lisa Germano (que esta noite toca na Casa da Música) é um trabalho coerente e focalizado, sincero e sombrio. Não é um disco musicalmente assustador ou sequer aventuroso, mas o absolutamente puro e emocional poder que transmite, esse assusta.
Aqui a música acompanha o profundamente reflectivo auto lirismo, relatando tragédias num tom sombrio e assustador, recheado de paranóia, estados depressivos e prisões espirituais, que pode ser verdadeiramente venenoso e deprimente. Através de uma atmosfera calma, mas exuberante, as dolorosas vocalizações de Germano são entregues num arrepiante silêncio, e os instrumentos (principalmente piano e violino) soam lúgubres. Assim estão apropriados às sinistras e analíticas letras que através de uma íntima abordagem extremamente feminista, relatam temas proibidos do nosso quotidiano - seres proscritos, violações, assaltos e infância - até estes atingirem um clímax de emoção e desespero, num impressionante equilíbrio entre o sonho e a realidade, entre o terror e a diversão, entre a resignação e a raiva.
Mas Germano consegue capturar algo genuíno, sem soar constrangedoramente emocional, como é evidente no desolado “My Reason Secret”, no devastador “Cry Wolf”, na assustadora ”Sexy Little Princess” ou no doloroso “Cancer of Everything”.
Pode relembrar Nico ou uma ferida Liz Phair, poderia ainda ser uma Tom Waits no feminino, mas certamente falta-lhe a variedade vocal. Agora o desespero presente na sua voz e a forma como nos faz sentir quentes e estridentes de uma vez só é bastante impressionante. A capacidade de soar triste e miserável, e cínica ao mesmo tempo, é um talento ímpar que faz este álbum verdadeiramente único.
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05 abril 2010

In the Beginning # 1 - Billy Bragg – “Brewing Up With Billy Bragg” (1984 Go! Discs)


Lembro perfeitamente que quando comprei este disco na feira da vandoma por volta de 1986, com cerca de quinze anos, ainda estava numa fase inicial da minha descoberta musical. Aqui descobri um “one-man band”, um homem contra o sistema, numa rebelião politica, falando em nome dos necessitados contra o governo de Margaret Thatcher. A sonoridade era escassa, somente voz e guitarra, deliberadamente áspera e não adulterada, impulsiva e graciosa. E se soava interessante, era porque a capacidade de escrita é brilhante. Bragg foi sempre um dos principais líderes do movimento designado como “The Red Wedge” – um grupo de artistas da esquerda – mas a suas referências politicas inicialmente eram diminutas.
Este segundo álbum de Bragg, continha 11 impressionantemente observadas e detalhadas canções que representam muita da mais sólida e da mais efectiva escrita de Bragg. Amplamente equilibrando mensagens politicas de esquerda (a estridentemente feroz critica à imprensa de direita “It Says Here”, os claustrofóbicos horrores da guerra em “Island of No Return”, a perspicaz “Like Soldiers Do”, que relata a perspectiva do comum soldado), com lamentosas histórias de amor suburbanas que nunca correm bem (a encantadora melancolia do notável “A Lover Sings”, a profundamente comovedora paixão adolescente de “The Saturday Boy”, os detalhes de infidelidade e do colapso de uma relação na dolorosa “The Myth of Trust”, a triste, mas melancolicamente bela “St.Swinthin’s Day”).
Ele tornou-se mais estridente e menos observador de várias maneiras, e os seus discos tornaram-se mais ambiciosos com o passar dos anos. Não sou adverso ao seu trabalho nos anos 90, mas os três primeiros discos (juntar “Life’s A Riot With Spy Vs. Spy” (1983) e “Talking With The Taxman About Poetry” (1986)), representam o seu pico criativo para mim, tendo depois disso a qualidade declinado de disco para disco.
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01 abril 2010

Electronic # 15 - Kraftwerk - “Trans-Europe Express” (1977 Kling Klang/Capitol)

Os mecanizados Kraftwerk atingiram um pico criativo em 1977 aquando da edição deste disco. Depois do tecnologicamente pioneiro “Autobahn” e antes do sucesso comercial de “The Man Machine”, “Trans-Europe Express” será provavelmente o disco mais essencial e mais influente da sua carreira, e que ainda hoje impressiona pela inestimável inovação tecnológica proposta por Ralph Hutter e Florian Schneider.
Na edição original em vinil existia uma clara divisão entre os lados. No primeiro tínhamos uma reflexão sobre as disparidades entre a realidade e a imagística. Aqui estavam contidas as excêntricas melodias e os hipnóticos “beats” que estão presentes na brilhante beleza da ondulante “Europe Endless”, nas misteriosas e deslocadas vocalizações da glacial “The Hall Of Mirrors” e na sombriamente cómica “Showroom Dummies”.
O segundo lado era dedicado a uma possível recreação auricular duma viagem intercontinental de comboio através da Europa – começa com “Trans Europe Express”, que se desenvolve em direcção às colagens sonoras de “Metal On Metal” e na magnificente melodia de “Franz Schubert”, a mesma melodia de “Europe Endless”, mas transformada lentamente como uma pintura sonora em evolução.
A ausência de qualquer particularmente sólido conteúdo lírico, efectivamente serve para tornar a consistentemente memorável música mais aprazível e permite-a dominar todo o disco.
A sua combinação de ritmos mecanizados e minimalistas com melodias contagiantes, seria uma influência enorme e um estímulo para inúmeras bandas britânicas, como os The Human League ou os Cabaret Voltaire, entre outras, utilizarem mais os sintetizadores (convém relembrar que o disco saiu no mesmo verão de “Never Mind The Bollocks” dos Sex Pistols), e iriam ser um dos maiores fornecedores de “samples” para a comunidade afro-americana dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos (não esquecer que Afrika Bambaataa “samplou” “Trans-Europe Express” para o seu seminal “Planet Rock”). E se poderíamos pensar que o disco soa datado presentemente, a música resiste ao passar dos tempos, e ainda permanece verdadeiramente atmosférica hoje.
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