29 novembro 2007

Passos para o Futuro

Burial - “Untrue” (2007 Hyperdub)

Pinch - “Underwater Dancehall” (2007 Tectonic)

Em 2007, o “dubstep” é provavelmente um dos géneros que mais destaque está a merecer pela imprensa musical mundial, e em especial a britânica, de onde é originário.
E se nesta fase poderíamos ter atingido um limite criativo, eis que surgem dois registos que os permitem olhar para o futuro com esperança.

De Bristol, chega-nos um disco que enriquece a definição de “dubstep”, ao conseguir conjugar o som mais pesado proveniente de Londres, com o som mais emotivo da escola clássica de Bristol (Wild Bunch/Massive Attack).
É um disco ambicioso, ao introduzir vocalizações num género reconhecivelmente instrumental, mas mantendo a pureza do mesmo. Assim temos dois discos por onde se dividem os temas – um é vocalizado, o outro instrumental.
Desde o tema de abertura, “Brighter Day, que mistura elegantes batidas com vocalizações de base “dancehall”, passando pelas estruturas minimais de “Airlock”, as influências “reggae” em “One Blood, One Source”, até ao futuro clássico que certamente será “Get Up”, com uma maravilhosa voz sobre os difusos ritmos. O disco termina em grande com os complexos ritmos atmosféricos de “Lazarus”.
O disco de Pinch é único e excepcional, sendo um dos melhores álbuns de música electrónica que tive oportunidade de ouvir este ano.

Sobre “Untrue”, o segundo registo de Burial, que está a ser considerado como um dos melhores discos do ano, já muito foi dito. Apenas posso acrescentar que o poder deste disco reside em si mesmo.
E se o disco de estreia foi uma revelação, este é uma confirmação. E parece que existe, em relação a esse primeiro disco, uma regressão controlada que contrasta com uma progressão desorientada.
A influência do “soul” é evidente nas canções, mas o som corrosivo mantém-se, sendo arcaico e decrépito nalguns casos, alienado e sombrio noutros. O resultado final é magnífico. A simetria e a distinção sonora sobressaem num disco que marcará uma época.

26 novembro 2007

Rock # 1 - The Cramps - “Songs The Lord Taught Us” (1980 I.R.S.)

Apesar de existirem desde 1976 (no apogeu do “punk”), quando este disco apareceu em 1980, o universo musical estava em mudança. O “punk” tinha-se fragmentado e espalhado por géneros como o Gótico, o Industrial e a “new-wave”. E surgiu também o movimento que foi designado por “Psychobilly”/”Rockabilly” – uma mistura de surf rock, psicadelismo e garage-rock dos anos 60. Não me recordo de mais nenhuma banda que tenha popularizado da mesma forma este género (ex: os Stray Cats eram muito puros). Apesar de não se poderem considerar uma banda “punk”, tinham mais atitude do que a maioria devido à sua intratável imagem e inclassificável sonoridade.
Eram compostos por Lux Interior que gritava e uivava de uma forma louca, e era uma mistura entre Elvis Presley e Vincent Price, por Ivy Rorschach que tocava guitarra de uma forma ordinária mas eficaz, dentro do espírito do “rockabilly”/“garage-rock”, por Bryan Gregory, que era obcecado pelo oculto, é era um monstro do feedback, e por Nick Knox, impassível atrás dos seus óculos escuros e da sua batida primitiva.
O seu disco de estreia, gravado nos estúdios de Sam Phillips em Memphis e produzido pelo lendário Alex Chilton dos Big Star, estava no seu estado bruto o que o tornava tão excitante.
A combinação da poderosa voz, das guitarras e da pulsante bateria, juntava-se às misteriosas letras (referências à lobisomens, horríveis assassinatos, atmosfera “b-movie”, etc) que perturbavam a conservadora sociedade americana, para criarem canções eternas.
A guitarra minimalista e a voz gorgolejante de Lux Interior na contagiante “Garbageman”, cuja simplicidade lírica dá-lhe uma sensibilidade “pop”, “T.V. Set” que é verdadeiramente doentia e repulsiva, “Zombie Dance” que é perfeita para uma festa de “Halloween”, “I Was A Teenage Werewolf” que representa toda a estética dos Cramps, “Tear It Up” que é a perfeita síntese do “rockabilly” e “garage- punk”, ou a sóbria versão de “Strychnine”, que tal como o original, é uma paródia às festas nas praias durante os anos sessenta.
Outra versão fantástica é a do clássico “Fever”, transformado numa espécie de hino fúnebre, que encerra de uma forma deliciosamente subversiva o álbum.
Um divertido e bizarro espectáculo de aberrações.

22 novembro 2007

Singles # 10 - The Normal - “Warm Leatherette/T.V.O.D.” (1978 Mute)

Não se deixem enganar pelo nome, isto é tudo menos música “normal”.
Reza a história que Daniel Miller, um ex-punk, fã de “krautrock”, adquiriu, em segunda mão, um sintetizador Korg e um gravador de 4 faixas, e começou a experimentar com os sons criados. Compôs e gravou dois temas no seu quarto, que resolveu editar em single, por conta própria ao criar a etiqueta Mute Records, tendo recorredo à distribuição da Rough Trade.
O suposto lado A, “Warm Leatherette” é inspirado na novela de JG Ballard, “Crash” (a mesma que foi posteriormente adaptada ao cinema por David Cronenberg), e aborda os fetiches sexuais relacionados com acidentes de viação. A rígida caixa de ritmos e o som sibilante dos sintetizadores, ajudam ao conteúdo. (Grace Jones iria realizar uma excelente versão).
Mas seria o lado B, que iria ser mais apreciado, “T.V.O.D.” que observa a dependência e saturação dos “media”, e em particular da televisão. Um extraordinário “cocktail” sonoro, que inclui “samples” de excertos de programas de TV, sons electrónicos adulantes e “noise”, reminiscente do que os Cabaret Voltaire faziam na mesma altura.
“I don’t need a TV screen”, diz.
É hoje referenciada como um marco no desenvolvimento do “post-punk” e da “new-wave”.
Miller apenas editou este disco e dedicou-se a promover a Mute, e os seus primeiros artistas, como Fad Gadget ou D.A.F.

19 novembro 2007

Inovadores # 4 - Wire – 1977-1979

“Pink Flag” (1977 Harvest)
“Chairs Missing” (1978 Harvest)
“154” (1979 Harvest)



Ainda em actividade, devido a inúmeras reformações, os Wire são muitas vezes referenciados como um dos grupos mais importantes dos 70 e 80, devido à sua reputação pelas experimentações sonoras.
O período entre 1977 e 1979 será recordado como o mais interessante e criativo.
Nos seus três primeiros discos expandiram as fronteiras sonoras, não só do “punk”, mas do “rock” em geral.
Existiu uma constante evolução sonora, desde o estilo áspero de “Pink Flag” (1977), até ao som mais complexo e estruturado de “Chairs Missing” (1978) e “154” (1979).
Devido ao seu amplamente detalhado e atmosférico som, às letras de cariz político, e a abordagem de temas obscuros, foram catalogados com o “post-punk”.
Superficialmente “Pink Flag”, é um disco “punk”, mas pegou no minimalismo do “punk”, e transportou-o para outro patamar, criando um som puro e concentrado.
Todas as canções são curtas e directas, mas que nos deixam sem alento. “12XU”, “Lowdown”, “Three Girl Rhumba” possuem “riffs” sedutores, enérgicos e monocórdicos.
“Chairs Missing” distancia-se do disco de estreia, ao introduzirem teclados e efeitos sonoros, e por possuir composições mais longas, menos “punk” e musicalmente mais rebuscadas. Destaco “Outdoor Miner”, a hilariante “I Am The Fly”, mas também a épica “Mercy”.
“154” é ainda mais diferente dos anteriores, mais produzido, e ainda mais pensativo. Como se fosse uma versão mais lúcida e elaborada de “Pink Flag”. Nas favoritas incluem-se as contagiantes melodias de “The 15th” “Map Ref. 41N, 93W” e “A Touching Display”.
É notável como ainda hoje estes álbuns se mantém tonificantes e fundamentais.
E tiveram uma enorme influência nas décadas seguintes, ao serem referenciados por bandas tão distintas como R.E.M., Hüsker Dü. ou Minor Threat, entre outros.

16 novembro 2007

Do fundo da prateleira # 6 - Flying Saucer Attack – “Flying Saucer Attack” (1993 VHF Records)

O título alternativo do disco de estreia dos FSA (também conhecido como “Rural Psychedelic”), já diz praticamente tudo.
Claramente inspirados pelos My Bloody Valentine e pelos místicos “krautrockers” Popol Vuh, mas sem possuírem a qualidade de equipamentos e estúdios dos mesmos, os FSA contudo aspiraram ao som denso e envolvente dos MBV.
Iriam ser responsáveis por influenciar inúmeras bandas “shoegazer” a tornarem-se “stargazer” com as suas suaves guitarras e melodias melancólicas. Eram originários de Bristol, de onde surgiram, entre outros, os Third Eye Foundation e Movietone.
O que poderia soar ou parecer a um tipo de engano, é realmente uma elaboradamente estruturada nova expressão musical. Uma combinação singular de melodia e som, cujo objectivo parece ser a exploração de novas regiões e paisagens sonoras.
A produção “lo-fi” realça a aspereza das canções. E nas vocalizações existe um esforço de fazer com que as palavras fluam tranquilamente com a música.
Mas se temas como “My Dreaming Hill” ou “Wish” evocam claramente os MBV, os FSA tentar afastar-se desse território, ao aventurarem-se também no “free-jazz” em “Moonset” ou na pura experimentação ambiental em “Still”.
Ecos dos FSA podem ser descortinados nos trabalhos dos Bardo Pond ou dos Godspeed You Black Emperor.
Um disco fundamental da “dream pop” dos anos 90.

13 novembro 2007

Singles # 9 - New Order – “Blue Monday” (1983 Factory)

Muito se poderia dizer sobre “Blue Monday”, um dos grandes singles da história da música de dança. É provavelmente o mais importante e influente das últimas 3 décadas. O outro disco de dança que se aproxima em termos de originalidade e influência será a colaboração entre Giorgio Moroder e Donna Summer na criação de “I Feel Love”.
Neste caso, como no de Moroder/Summer, esqueçam as inúmeras remixes que apareceram posteriormente, a versão original de sete minutos e meio é que personifica a perfeição sonora alcançada pelos ex-Joy Division. Os sintetizadores juntamente com o baixo poderoso de Peter Hook criam um irresistivel e contagiante ritmo mecânico.
A capa do disco também ficou celebre por não mencionar nem o nome do grupo nem da canção, apenas um conjunto de pequenos quadrados coloridos que representavam um tipo de código criado pelos designers da Factory, e que seria continuado no álbum subsequente “Power, Corruption & Lies”.

Video

09 novembro 2007

White Williams – “Smoke” (2007 Tigerbeat 6)

Quando ouvi o single “New Violence”, apaixonei-me pelo violentamente irresistível baixo “motorik” que caracteriza a canção.
Descobrir tratar-se de um projecto de Joe Williams, que apesar de apenas só ter 23 anos, já é um veterano da música underground de Cleveland.
“Smoke” é o seu primeiro álbum, e o resultado é um disco ambíguo e incómodo de “synth pop” (grande influência dos anos 80), curiosamente editado na Tigerbeat 6, uma editora mais conhecida pelos seus projectos mais hiper-enérgicos, como Kid 606 ou DJ/Rupture.
Estamos perante canções brilhantemente contagiantes, com uma rica e delicada índole, baseadas essencialmente nos sintetizadores retro e na voz graciosa de Williams.
Para além de “New Violence”, destacam-se os refrescantes “Smoke” e “Going Down” (poderosas guitarras), o adorável “Fleetwood Crack!” ou a incoerente versão de “I Want Candy” dos Bow Wow Wow (lembram-se deles…)
Só existe um requisito inicial, ignorem a capa que é horrível, e de seguida deixem-se levar pelos irresistíveis ritmos aos quais não conseguimos ficar indiferentes.

06 novembro 2007

Inovadores # 3 - A Certain Ratio – “Sextet” (1982 Factory)

Felizmente, devido ao esforço da Soul Jazz, em reeditar, a obra dos A Certain Ratio, a banda de Manchester poderá criar novos admiradores.
E se a mesma Soul Jazz, já promoveu os nova-iorquinos Liquid Liquid e ESG, pioneiros do “punk-funk”. Em Inglaterra (para além dos Gang of Four e dos The Pop Group, já aqui referidos anteriormente), ninguém foi tão inovador como os ACR.
O seu terceiro disco “Sextet” é provavelmente o mais conseguido de um conjunto de excelentes registos.
Se no anterior “To Each” (1981), ao misturarem a obscuridade dos Joy Division com o “funk” criaram um disco excelente e extremamente diferente do que se fazia na altura, em “Sextet” (um disco estruturalmente mais forte que o anterior) adoptaram um som mais límpido e uma palete musical mais abrangente, ao recorrerem às extensas experiências rítmicas aqui presentes.
Assim, é brilhante a forma como criaram uma mistura de ritmos étnicos, que acompanha o sincopado baixo, a alternância do trompete de Martin Moscrop, as guitarras ambientais (mas com contundentes “riffs”), e imensas, imensas percussões.
Existe ao longo do disco um sentido de beleza e serenidade, mas também de ameaça. Ouçam a magnífica melodia propulsiva de “Lucinda” (com a espantosa voz de Martha Tilson), a energia contagiante de “Skipscada”, ou os maravilhosos ritmos arrepiantes de “Knife Slits Water”.
É certamente um dos discos mais sofisticados lançados pela Factory.

02 novembro 2007

Singles # 8 - Buzzcocks – “Ever Fallen In Love…” (1978 United Artists)

Já sem Howard Devoto, Pete Shelley criou aqui uma provocativa canção. Fugia das referências sexuais de “Orgasm Addict”, e das anárquicas de “Boredom”.
Um “riff” de guitarra poderoso, e uma história de paixão, com um memorável refrão, que foge ao normais “clichés” do “pop”, cantada na fria e desapaixonada voz de Shelley.
Os Buzzcocks faziam um espécie de pop-“punk”, melódico, contagiante, bastante diferente dos ritmos frenéticos do movimento “punk”, e criaram alguns dos melhores singles da história.
É uma das canções que mais versões deve ter tido, realizada por gente tão diversa como os Fine Young Cannibals ou Pete Yorn.