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30 novembro 2010

Do fundo da prateleira # 25 - Papa M – “Whatever, Mortal” (2001Drag City)

Apesar da sua longa e diversa lista de colaborações em múltiplos projectos, no que toca às suas próprias sonoridades, David Pajo simplifica bastante as coisas e faz música sem preconceitos e sem artifícios
Desprovido de “acordes pop” ou drama narrativo, a atenção dos temas desloca-se para a materialidade do som: a velocidade de um “vibrato” de guitarra, o do deslizar dos dedos nas cordas de metal ou a distância entre as notas de um intervalo. Frases despidas são repetidas lentamente e sombreadas ou alteradas por outros instrumentos, criando teias sonoras, que se entrelaçam entre si.
Música que pode ter uma base “country” e “folk” e um espírito sempre muito americano – a que não são alheias as presenças de Will Oldham, Tara Jane O’Neil e Britt Walford e a omnipresença do banjo – mas que ai muito além, numa fusão das vertentes aérea e terrena que Pajo tem vindo a explorar nos últimos anos. E se “Whatever, Mortal” pode parecer à primeira um disco fechado e obscuro, quando os nossos ouvidos passam por temas como “The Lass of Roch Royal”, “Purple Eyelid”, “Krusty”, “Many Splendorer Thing” ou “Northwest Passage”, para apenas destacar algumas canções, rapidamente nos apercebemos que estamos perante uma obra de arte à leveza e à simplicidade.
Resumindo, música que qualquer mortal irá gostar.
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07 junho 2010

Do fundo da prateleira # 24 - The For Carnation - “The For Carnation” (2000 Touch And Go)

Este projecto do ex-Squirrel Bait e ex-Slint, Brian McMahan ajudado por músicos rotativos, criou uma música minimalista, comoventemente tímida e requintadamente bonita
Muito menos catárticos do que os Slint, os The For Carnation não eram menos sombrios e claustrofóbicos, assim aqui são várias as semelhanças com o lendário "Spiderland", pois os ritmos fatiados ainda lá estão, mas neste registo gravado durante três anos e que inclui seis canções gravadas em seis diferentes estúdios de gravação, surgem muito mais enraizados no “blues”, sendo posteriormente fracturados através de uma prisma sonoro.
As músicas não possuem uma estrutura convencional, no entanto, o estilo musical é muito mais contido. Todos os temas são movidos por lânguidas e sinuosas linhas de baixo, com uma percussão minimal, acrescidas de florescentes arranjos de cordas e rajadas de guitarras distorcidas, que acompanham o estilo vocal de McMahan - uma assustadora narrativa meio-falada – que se assemelha à fala mansa de uma predador que sussurra para a sua preza. Isto tudo resulta numa música lentamente e cuidadosamente confeccionada, mas maravilhosamente atmosférica e sombria, tão sufocante e poderosa, que ao entrar em qualquer “lugar”, preenche-o, não deixando espaço para o ar circular. Soa hiperbólico, mas o efeito é palpável.
Existem no entanto algumas tréguas e as texturas ambientais de “Moonbeam” e “Emp. Man’s Blues” com as suas rastejantes vagas de sintetizador e vibrações “low end”, aliviam a tensão, mas por outro lado e subjacentes a elas, são construídas as fundações da paranóia. Pois McMahan é paranóico em nunca aumentar o volume externo, excepto para alguns gemidos dos seus apoiantes, de forma de que o seu sussurro sufocante, sustente toda a tensão a um nível incrivelmente baixo.
“The For Carnation” é uma surpreendente e digna viagem através das paisagens sonoras e das profundezas do inconsciente.
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21 maio 2010

Do fundo da prateleira # 23 - The Nectarine No. 9 – “Received Transgressed & Transmitted” (2001 Beggars Banquet)

Davey Henderson pode nunca ter escrito uma canção “pop” ambiguamente simples – nem mesmo nos WIN, a sua ostensiva tentativa de seduzir o “mainstream”, ele se mostrou incompreensivelmente ambicioso para os gosto das massas - mas o ex-Fire Engines também não é um incorrigível vanguardista.
Este disco é uma imprecisa delícia, do eternamente desvalorizado colectivo formado pelo famoso erudito do “post-punk” de Edimburgo. Cada álbum dos Nectarine No.9 centra-se na capacidade alquímica que Henderson tem em encontrar beleza no caos, enquadrando no processo um bizarro círculo que agrupa Captain Beefheart, Marc Bolan e Charles Bukowski.
“Received Transgressed & Transmitted” evidencia que essa capacidade para encontrar a mais doce melodia através das colagens sonoras do seu grupo só tem melhorado com a idade.
Aqui a formação de três vertentes de guitarra dos Nectarine No.9 é aumentada com a presença do clarinete de Gareth Sager (ex-The Pop Group ) e camadas de desarticulações electrónicas. Considerando que todos exceptuando Henderson e o guitarrista Simon Smeeton vivem em diferentes partes do Reino Unido, a empatia que o grupo demonstra em “Pocket Rainbows” (uma excêntrica abordagem ao “reggae”), na relaxante melodia e no puro prazer de “Constellation of A Vanity” e na beatifica felicidade de “Lazy Crystal” é verdadeiramente notável.
Daqui por 20 anos provavelmente poderão ser tão legendários como os Velvet Underground. Mas é claro que podemos usufruir do prazer já hoje.
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14 abril 2010

Do fundo da prateleira # 22 - The American Analog Set – “The Golden Band” (1999 Emperor Jones)

A beleza intransigente é uma das coisas mais difíceis para um artista realizar. O verdadeiro objectivo da beleza é lançar um feitiço sobre a audiência, para colocá-los em êxtase. A criação artística da beleza envolve saber o que torcer e virar e até onde e quando parar, e tem que ser feito de forma orgânica e inconsciente. Assim, quando uma banda libertina mais conhecida por um furioso “rock” de confronto e um orgulhoso amadorismo cria uma obra de rara beleza, é um momento importante. Com os The American Analog Set, aquele “indie rock”, conflituosamente contrário, abraça plenamente uma beleza exuberante.
Através da utilização de equipamento de gravação analógico, baseando-se numa secção rítmica muscular subjacente aos sintetizadores analógicos e numa voz macia a cantar serenamente, “The Golden Band” é uma obra de beleza refinada da primeira até à última nota. A banda utiliza como ponto de partida canções curtas e bonitas tal como os The Velvet Underground as usavam para neutralizar a sua penetrante escuridão, e em seguida baseiam-se nelas até que as mesmas se tornem em quentes e exuberantes tapeçarias de sonoridades pulsantes (mas nunca sonoramente aglomeradas). Como uns mais estanques Galaxie 500, os The American Analog Set tocam canções ricamente alusivas, e cujos apertados e compactos arranjos florescem como flores quando os escutamos. E podemos ser tão embalado para não nos apercebermos que estamos a ouvir algo tão revolucionário como um trabalho de qualquer ícone do “indie” ou “punk”. Este é um disco de uma beleza simples e subtil. E num mundo onde o antídoto ao estridente niilismo “indie”, é um estridente comercialismo, um álbum com a calma e a confiança anacrónica como “The Golden Band” soa estranhamente, como um manifesto.
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29 março 2010

Do fundo da prateleira # 21 - Tara Jane O’Neil - “Peregrine” (2000 Quarterstick)

O’Neil tinha sido anteriormente a baixista/vocalista nessa banda de tributo ao Slint, Rodan. Mas este secretamente belo “Peregrine” é muito mais genuinamente “pós-rock” (num sentido não-genérico) do que algo que os Rodan alguma vez criaram.
O título do disco alude à solitária, suspensa qualidade sonora interior: o som de alguma coisa mais, algo verdadeiramente secreto.
Enquanto a música dos Rodan articulava-se no contraste entre as dinâmicas “quiet/loud”, aqui O’Neil pendura-se em esvaziadas harmonizações onde “incorrectos” acordes cristalizam cadências que perfuram pequenos buracos melódicos através das suas canções. Elas embelezam incertas fronteiras circulares que se recusam a permanecer no mesmo local de uma audição para outra.
Os dissolutos, estratificados arranjos das guitarras acústicas, flautas, violinos e piano concedem-lhe uma quase mística atmosfera, e as vocalizações de O’Neil são similarmente carregadas com as mesmas imagens surreais, que estavam presentes em discos como “Astral Weeks” de Van Morrison ou “Red Apple Falls” de Smog.
Mas estas possíveis referências são de todo demasiado limitadoras para qualificar a música, pois o enigmático no entanto sempre intrigante “Peregrine” tenta planear de um modo elusivo para fora do nosso alcance.
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10 março 2010

Do fundo da prateleira # 20 - Bowery Electric - “Beat” (1996 Kranky)

Os nova-iorquinos Bowery Electric eram uma banda de “pós-rock” vulgar, que aproveitaram o abandono do seu baterista para se virarem para os “beats” programados, pois o sempre tiveram um confesso interesse por produções “hip-hop”. Esse facto iria mudar-lhe o rumo e “Beat” tornou-se um marco importante do género.
Tentarem seguir a formula do seu disco homónimo de estreia, e aqui, ao longo de dez canções criaram uma sonhadora e delicada atmosfera, através de uma perfeita mistura das altaneiras, ligeiramente distorcidas, arqueadas e ressonantes guitarras, com ambientais texturas de sintetizadores, “drum loops” e os particularmente subtis “beats”.
O disco foi verdadeiramente bem produzido, e apesar de não ser nada de verdadeiramente novo, assim o parece, e ouvi-lo hoje, 14 anos depois da sua edição, não podemos de deixar de encontrar ligações no trabalho de Ulrich Schnauss ou dos M83, entre outros.
A distinta e solícita combinação de “shoegaze”/”dreampop” e electrónica ambiental, resultou numa atraentemente estática sonoridade híbrida. Mais espaçada dos que uns My Bloody Valentine ou Spacemen 3, mais quente do que uns Seefeel, mas possuidora de um certo mecanismo minimalista que evita a mesma de se deslocar para um rumo de trivialidade. A bela e luminosa voz de Martha Schwendener, perfeitamente ambígua e sedutoramente entorpecida é o complemento ideal para a música.
O disco é tranquilizador e ditoso nas rítmicas revelações de “Beat”, “Empty Words”, “Without Stopping” ou na soberba “Fear Of Flying”.
Completamente e inacreditavelmente excelente, é um disco que permanece connosco por muito tempo.
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19 janeiro 2010

Do fundo da prateleira # 19 - Clearlake - “Cedars” (2003 Domino)

Depois da excelente estreia com ”Lido”, o atraentemente e simultaneamente sereno e ameaçador “Cedars” foi o segundo disco deste quarteto liderados por Jason Pegg.
Aqui destaca-se essencialmente a capacidade de Pegg escrever melodias assombrosamente harmoniosas, de forma a criar incisivas e despretensiosas canções que aprofundam assuntos raramente explorados desta forma tão “forense” - loucura, morte, frustração, alienação - utilizando um humor bem seco, reminiscente do melhor Morrissey, e encontrando grande inspiração nas mundanas tradições britânicas.
O vigor e a profundidade claustrofóbica de “Cedars” – que inclui canções que oscilam entre a poesia paroquial de “Keep Smiling” e a melancolia cinematográfica de “Wonder If The Snow Will Settle” - conferem um sentimento quase sobrenatural de empatia na “pop” inarmónica da vibrante “Almost The Same”, na espirituosa “The Mind Is Evil”, na glacial e grandiosa “I’d Like to Hurt You”, ou na sombria e intensa “It’s All Too Much”. Estão ainda melhores na inspirada “Treat Yourself With Kindness” (uma canção que simultaneamente nos faz rir e chorar), e terminam maravilhosamente bem com “Trees In The City”.
Um ecléctico e cativante álbum, produzido pelo ex-Cocteau Twins Simon Raymonde, que confirmava o “pedigree” da banda, que na altura chegou mesmo a ser qualificados por muitos como uma das possíveis sucessoras dos The Smiths para o século XXI.
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06 novembro 2009

Do fundo da prateleira # 18 - McCarthy – “The Enraged Will Inherit The Earth” (1989 Midnight Music)

Apesar de serem muitas vezes apenas referenciados por terem sido o grupo onde estiveram os futuros criadores dos Stereolab, Tim Gane e Laetitia Sadier (esta apenas tinha entrado no grupo pela altura do ultimo álbum), este quarteto inglês, originário da pequena cidade de Barking, criou uma sonoridade verdadeiramente única na combinação entre a guitarra melodiosa de Gane, com a distinta percussão de Gary Baker e a voz à menino do coro de Malcolm Éden. Daí resultaram pequenas jóias de “pop” dissonante que poderiam ter sido extraídas do reportório primário dos The Smiths, e que iriam inspirar futuros dissidentes da “agit-pop”, através de repetições melódicas, que apoiavam as manifestamente e expeditamente canções políticas, mas sem os slogans e o dogma, pois eram canções avunculares, recheadas de sátira social, sarcasmo e inconformismo, criticando os capitalistas, os banqueiros, os governantes ou a monarquia.
Destaco o segundo disco (“I Am A Wallet” de 1987 também é indispensável), porque foi o primeiro que tive e por incluir a minha canção favorita deles – “Keep An Open Mind, Or Else” – e para além desta obra-prima, inclui outras preciosidades como “Boy Meets Girl So What”, “I’m Not A Patriot But”, “You’ve Got To Put An End To Them” ou “The Home Secretary Briefs The Forces Of Law And Order”.
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13 julho 2009

Do fundo da prateleira # 17 - Seam – “The Pace Is Glacial” (1998 Touch And Go)

Durante anos, os Seam especializaram-se em criar uma perfeita casta de “power-pop”. E os longos períodos entre álbuns, como o realizado antes da edição de “The Pace Is Glacial”, fazem-nos sempre pensar se a banda terminou. Esperemos que não, pois todas as canções aqui presentes são consistentes e distintivas, recheadas com uma mistura de estrondosas guitarras e óptimas melodias. Muitas outras bandas usaram uma receita similar com vista ao sucesso, mas os Seam desenvolveram uma identidade única que os separa dos restantes. Comparações com o “dream pop” de bandas como os Galaxie 500 são validas, mas os Seam nunca tiveram receio de adicionar densas e agressivas doses de guitarras.
A combinação da expressividade e com o carácter melodioso é o aspecto mais forte da sua música. Alguns dos melhores momentos de “The Pace Is Glacial” acontecem quando as guitarras se edificam ciclicamente, em catárticos “crescendos”. Mas eles também têm uma aptidão para composições mais tranquila, e as mais elementares baladas deste disco são minimalmente belas.
Não existe nada radicalmente diferente neste disco, mas todas as canções soam genuinamente emotivas, o que é mais que suficiente. Em vez de se tentaram ajustar a um novo modelo, os Seam simplesmente perseguiram a evolução gradual do seu estilo com muita dignidade.
Assim, subtilmente, eles conseguiram produzir um grande disco, recheado de canções impecavelmente melódicas.
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14 maio 2009

Do fundo da prateleira # 16 - Moonshake - “Eva Luna” (1992 Too Pure/Matador)

Após repetidas audições, o disco de estreia dos britânicos Moonshake ainda revela surpresas e possibilidades.
Liderados pelos compositores, guitarristas e”samplistas” Dave Callahan e Margaret Fiedler, o quarteto usou a tecnologia do “sampling” para criar novas perspectivas sonoras sobre o altamente rítmico suporte base.
Fugindo dos géneros musicais estabelecidos, ofereciam tumultos e excitação, através de uma furiosa decadência urbana e enaltecimento do ódio. Aparentemente, misturavam pedaços grosseiros de discos “easy-listening” com os sons das suas desconexas implosões orquestrais enquanto as tendências “pós-punk” da banda (notavelmente próximas dos P.I.L. de “Metal Box”) acentuam a tensão e animosidade.
De um lado tínhamos as entusiastas, hipnóticas, sedutoras, murmurantes e incendiárias canções de Fiedler, do outro os desdenhosos, no entanto brilhantes, comentários social, normalmente bombásticos do perpetuamente transtornado Callahan. E se quase soam como bandas diferentes, tudo funciona numa imaculada unicidade.
Mas a pressão e a carga de stress que fizeram “Eva Luna” tão forçado, teve que ceder, e 18 meses depois, Fiedler e o baixista John Frennett terminaram o grupo para formar os Laika com Guy Fixsen (o produtor da banda, deixando Callahan e o baterista Mig, que recrutaram dois novos elementos para o irregular disco seguinte, “The Sound Your Eyes Can Follow”.
Neste “Eva Luna” (cuja edição americana inclui ainda o excelente EP, “Secondhand Clothes”) oferecem quer lições históricas de “pós-punk”, quer reflexões sobre direcções futuras.
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03 abril 2009

Do fundo da prateleira # 15 - Jessamine – “Don't Stay Too Long” (1998 Kranky)

Na altura da sua edição, muitos esperavam que isto nunca acontecesse, a Kranky editar um disco “pop”. Mas no seu terceiro disco de originais, os Jessamine procuraram uma sonoridade mais baseada no formato “canção”, com a baixista Dawn Smithson a assumir um novo papel principal, escrevendo todas as letras e cantando todas as melodias vocais. E o resultado é um perfeito híbrido entre as anteriores excursões instrumentais pelo rock psicadélico e a forma concisa dos seus anteriores singles. E se o anterior disco do grupo (“Another Fictionalized History”) tinha sido uma compilação desses mesmos singles, com o complemento de algumas experimentações cósmicas inéditas, parece que os Jessamine procuraram inspiração no seu próprio catalogo, pois este parece ser uma perfeita combinação das melhores partes dos álbuns prévios.
E se os seus fãs mais “avant-garde” possam ter ficado mais desiludidos com esta viragem musical, os Jessamine seguem uma lógica progressão musical, apesar de a mesma poder conter desvios. A sua marca sonora continua presente – o rodopiante piano eléctrico, as guitarras “drone” cheias de efeitos, os ritmados acordes do baixo e a voz fuliginosa de Smithson por cima – e conserva o ameaçante e amorfo pessimismo do seu homónimo disco de estreia. A única diferença, realmente, é na forma de como as ideias estão agrupadas – em vez das longas e espontâneas “jams”, as canções são concisas comparadas com as dos discos anteriores. Os Jessamine criaram aqui um disco vencedor, cavando uma atmosfera que eleva a tristeza e a monotonia para níveis perigosamente sedutores, e continuaram a transformar-se em uma das mais intrigantes bandas do movimento “pós-rock”.
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17 fevereiro 2009

Do fundo da prateleira # 14 - Long Fin Killie - “Valentino” (1996 Too Pure)

Depois da estreia com “Houdini” (1995), os escoceses Long Fin Killie continuaram em “Valentino” com a sua fascinação pelos singulares compassos rítmicos, pelas harmonias abrasivas, pela bizarra justaposição de instrumentos e por um vasto conjunto de influências estilísticas. Pois a sua inquietante sonoridade tanto relembra outros grupos da Too Pure (o etéreo ambiente fantasmagórico dos Pram, os vestígios “jazz” dos Moonshake), como o “shoegazing” de uns My Bloody Valentine ou Slowdive, e também a música tradicional Celta, esta representada pela forte presença de instrumentos étnicos (bouzouki, mandolin, violino, etc).
A música é bastante impressionista e melódica, e praticamente cada canção evoca um conjunto de diferentes emoções no ouvinte, pela forma como une as sussurrantes vocalizações com a complexa percussão, e impetuosos andamentos e descaradas guitarras com pormenorizados arranjos. As excêntricas e surrealistas letras de Luke Sutherland demonstram uma estranha e maravilhosamente deformada opinião sobre o mundo – ouçam “Neile” ou “Valentino”.
Disto tudo resulta um disco invulgarmente fascinante, tonificante, altamente delicado e perspicaz. Desde “Kitten Heels”, e o seu “rock” empolgante com a ultra rápida bateria e o “para-arranca” das densas guitarras passando por “Girlfriend” e os seus cortantes violinos, as vocalizações megafônicas e a deslizante linha de baixo até atingirem o nível mais alto em “Cupid” uma escultural obra-prima sónica, com os sustenidos violinos e a triturante percussão.
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12 janeiro 2009

Do fundo da prateleira # 13 - Cardinal – “Cardinal” (1994 Flydaddy)

Para mim, o australiano Richard Davies e o americano Eric Mathews nunca conseguiram igualar, nas suas carreiras a solo, o modesto esplendor deste disco único. Editado numa época onde o movimento “grunge” era verdadeiramente dominador, o duo criou, sem grandes pretensões, este belo e assombroso disco, que é um dos mais melodicamente e liricamente inesquecíveis dos anos 90.
Dez faixas maioritariamente escritas por Davies, mas que Matthews adorna cada uma perfeitamente com os seus singularmente barrocos arranjos “pop”. Se formos a citar influências, seria algures entre os Beach Boys de “Smile”, os Beatles de “White Album” e Syd Barrett, mas todas as canções têm uma vida própria, pois o que é extremamente satisfatório neste disco, é que eles pegaram nessas mesmas influências e renovaram-as em vez de as reciclar. E assim “Cardinal” não é uma reversão, pois eles criam uma música resoluta, aterradoramente cheia de profundidade e originalidade.
As harmoniosas canções são delicadas na sua construção, próprias para o tom sombrio e melancólico que enfeita as mesmas, e mesmo quando as letras desmentem a sonoridade, o disco tem sempre um triste e ansioso sentimento presente, como acontece em “You’ve Lost Me There” um dos destaques aqui presentes. A esta canção podemos adicionar ainda, como momentos memoráveis, “If You Believe In Christmas Trees”, “Big Mine”, “Dream Figure” e “Silver Machines”.
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06 novembro 2008

Do fundo da prateleira # 12 - Opal - “Happy Nightmare Baby” (1987 SST)

O único disco de originais dos Opal, deu cobertura à narcótica aventura amorosa que o guitarrista David Roback (ex-Rain Parade) e a vocalista-baixista Kendra Smith (ex-Dream Syndicate) iriam procurar refinar nos seus projectos subsequentes – Roback nos Mazzy Star, Smith na sua carreira a solo.
Entre primitivos e flutuantes “drones” de guitarra e brilhantemente aveludados e lamentosos “riffs”, foi um dos poucos discos que emergiu do movimento designado como Paisley Underground que realmente se salvou, desse conceito prometedor de um som “western” negro e psicadélico.
A voz lacónica, desprendida, e passiva de Smith é perfeita, bem profunda no interior das canções e magnificamente misturada com as penetrantes guitarras e o saltitante orgão de Roback, carregando o disco de torturantes melodias. Resultado, uma música insensatamente excelente - assombrosa, sedutora e intoxicante, com espantosas letras – ouçam “Grains Of Sand”, “Fell From The Sun”, “All Souls” ou “Happy Nightmare Baby”.
Infelizmente ainda hoje é um disco obscuro e menosprezado.
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Opal - Happy Nightmare Baby

08 agosto 2008

Do fundo da prateleira # 11 - Sunny Day Real Estate – “How It Feels To Be Something On” (1998 Sub Pop)

Ainda dentro das comemorações dos vinte anos da Sub Pop…
Os devotos dos Sunny Day Real Estate podem discordar de que este não é o melhor disco que a banda de Seattle gravou. Mas “How It Feels To Be Something On” é um disco panorâmico, que nos consegue manter suspensos, e o primeiro dos três que não necessita de um predisposição emocional da parte do ouvinte. E os Sunny Day sempre foram conhecidos pela sua habilidade de proporcionar emoções fortes – as letras ocultas do seu disco de estreia “Diary”, supostamente salvaram vidas, e as do álbum homónimo póstumo de 1995, conhecido como “Pink Release”, receberam interpretações ardentes dos fãs. Em “How It Feels To Be Something On”, o quarteto (que aqui se tinha reunido novamente) revela mais dos próprios do que alguma vez o tinham feito, elaborando líricos temas de amor, perda e espiritualidade através de extensas referências musicais, desde o pop modal da costa oeste ao “art-rock” da costa este.
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Sunny Day Real Estate - The Days Were Golden

30 junho 2008

Do fundo da prateleira # 10 - Unrest - “Imperial F.F.R.R.” (1992 Teen Beat/Guernica)

Antes de “Imperial F.F.R.R.”, o fanático pela Factory Records e genuíno suburbano Mark Robinson tinha um “fetish” pelas bandas sonoras “blaxploitation” e criou álbuns que misturavam “hardcore”, “noise” e versões de temas de Sammy Davis Jr. Por isso mesmo nunca deixaram antever a feliz fantasia que foi ““Imperial F.F.R.R.” (uma abreviatura de Full Frequency Range Recordings).
Destaques desta frágil e diversificada colecção de minimalista “indie-pop” incluem canções contagiantes como as poderosas “Suki”, “Cherry Cream On”, ou “Isabel” (um tributo a pintora Isabel Bishop). Momentos mais calmos como essa pérola que é “June” (uma dedicatória da baixista Bridget Cross para o falecido pai), a bela ”I Do Believe You Are Blushing” (o legado dos The Smiths bem presente), e a exuberante “Imperial” (a peça central do disco). E ainda belos instrumentais como “Sugarshack” ou “Champion Nines”.
Ainda produziram o contundente “guitar-pop” de “Perfect Teeth, em 1993, antes de se separarem. Mas este clássico ignorado, o primeiro disco editado na Europa pela Guernica, a intrigante subsidiária da 4AD, permanece como o momento mais glorioso da banda de Washington D.C.
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13 maio 2008

Do fundo da prateleira # 9 - Superchunk - “No Pocky For Kitty” (1991 Merge/Matador)

Originários de Chapel Hill na Carolina do Norte, os Superchunk inicialmente tocavam um “punk” puro para ouvidos “pop”. Ao misturarem o tom áspero dos The Replacements com o sentido melódico dos Buzzcocks, o quarteto trouxe algo único e ajudou a lançar o espírito “DIY” do “rock underground” que se desenvolveu como contraste ao movimento de rock alternativo pós-Nirvana.
E ao contrário de outras bandas os Superchunk transformaram essa estética numa carreira e num movimento, e ao repelirem as grandes editoras multinacionais, a favor da sua própria editora, a Merge, tornaram-se nuns Fugazi da “pop-punk”.
Os seus melhores momentos acabaram por surgir na forma de três minutos explosivos. Muitos deles presentes em “No Pocky For Kitty”. Será menos um grande álbum, mas será certamente uma colecção de grandes “singles”, pois inclui canções furiosamente tímidas e loucamente contagiantes como “Seed Toss” e “Tie A Rope To The Back of The Bus”, todas cantadas pela voz de hélio de Mac McCaughan.
Desde a edição deste disco, os Superchunk transformaram-se em algo raro: “punk-popers” que melhoraram musicalmente com o passar dos anos, sem nunca perderem a sua alma.

Superchunk - Seed Toss

28 janeiro 2008

Do fundo da prateleira # 8 - Helmet – “Strap It On” (1990 Amphetamine Reptile)

Provavelmente sejam mais (re)conhecidos pelo seu trabalho de 1992, “Meantime”, editado já na Interscope, que acabou por ser um disco bastante apreciado pela crítica, e que até podemos considerá-lo como quase perfeito. Mas “Meantime”, não seria a primeira grande produção deste quarteto oriundo de Nova Iorque. Com “Strap It On”, o seu disco de estreia, os Helmet ampliaram o triturar ruidoso que caracterizava os seus primeiros registos ao extrair a sua essência.
Consta que o vocalista, compositor e guitarrista principal do grupo, Page Hamilton, tinha rigorosos processos na composição da canções, mas temas como “Repetition” e “Distracted” foram construídas a partir de pouco mais do que letras simplesmente berradas, alguns “riffs” verdadeiramente defraudantes e um solo de guitarra totalmente discordante. Mas a sua simplicidade era única, e que o baixista Henry Bogdan e o baterista John Stanier (actualmente nos Battles) ajudaram a intensificar com uma combinação de frugalidade e força bruta.
Apesar de a banda posteriormente se ter tornado mais “funky” no álbum “Betty” de 1994 e de ter assimilado os benefícios de uma melhor produção, nunca mais se aproximaram da fórmula aqui aperfeiçoada.

08 janeiro 2008

Do fundo da prateleira # 7 - The God Machine - “One Last Laugh In A Place of Dying” (1994 Fiction)

Os The God Machine eram um trio de amigos oriundos de San Diego, que se encontrariam ocasionalmente em Inglaterra onde acabariam por formar uma banda.
Aí permaneceriam ilegalmente, tendo habitado em casas abandonadas, trabalhado como lacaios, até conseguirem juntar o dinheiro suficiente para adquirir instrumentos musicais. Posteriormente, e através de “demos” atraíram o interesse da editora Fiction, propriedade dos The Cure.
O seu disco de estreia “Scenes From The Second Storey” era hipnótico e minimalista, mas com um lado melódico que penetrava através das sombrias atmosferas e do lamento “ferido” do vocalista Robin Proper-Sheppard.
Para o segundo disco, ampliaram o som, sem o tornarem macio.
Utilizando como inspiração uma técnica de produção, que podemos classificar como similar à fase final dos Talk Talk, que pretendia suavizar o acesso à sua introspecção e cólera.
Assim através de arranjos pouco densos e da produção “simples”, conseguiram que as estimulantes letras de Proper-Sheppard fossem ainda mais incisivas.
Ele dizia em “Painless”: “You said life could be painless and I’m sorry but that’s not what I’ve found”, e infelizmente, a letra profetizou a morte do baixista Jimmy Hernandez, que iria falecer pouco tempo depois do disco estar concluído com um hemorragia cerebral (e assim a origem do título do disco seja apropriada).
No final, a edição que saiu para a rua, continha as versões rudimentares, ainda sem o polimento pretendido, mas as imponentes canções e a forte química existente foram elevadas pela produção agreste.
Proper-Sheppard trocou a afronta pela resignação, e a electricidade pela acústica, no seu projecto actual Sophia.

16 novembro 2007

Do fundo da prateleira # 6 - Flying Saucer Attack – “Flying Saucer Attack” (1993 VHF Records)

O título alternativo do disco de estreia dos FSA (também conhecido como “Rural Psychedelic”), já diz praticamente tudo.
Claramente inspirados pelos My Bloody Valentine e pelos místicos “krautrockers” Popol Vuh, mas sem possuírem a qualidade de equipamentos e estúdios dos mesmos, os FSA contudo aspiraram ao som denso e envolvente dos MBV.
Iriam ser responsáveis por influenciar inúmeras bandas “shoegazer” a tornarem-se “stargazer” com as suas suaves guitarras e melodias melancólicas. Eram originários de Bristol, de onde surgiram, entre outros, os Third Eye Foundation e Movietone.
O que poderia soar ou parecer a um tipo de engano, é realmente uma elaboradamente estruturada nova expressão musical. Uma combinação singular de melodia e som, cujo objectivo parece ser a exploração de novas regiões e paisagens sonoras.
A produção “lo-fi” realça a aspereza das canções. E nas vocalizações existe um esforço de fazer com que as palavras fluam tranquilamente com a música.
Mas se temas como “My Dreaming Hill” ou “Wish” evocam claramente os MBV, os FSA tentar afastar-se desse território, ao aventurarem-se também no “free-jazz” em “Moonset” ou na pura experimentação ambiental em “Still”.
Ecos dos FSA podem ser descortinados nos trabalhos dos Bardo Pond ou dos Godspeed You Black Emperor.
Um disco fundamental da “dream pop” dos anos 90.