28 abril 2009

Compilação # 5 - The Beta Band – “The 3 E.P.s” (1998 Regal)

O grupo de Edimburgo juntou aqui os seus três altamente coleccionáveis EP’s, de edição limitada que chegam a atingir preços exorbitantes no mercado. E aqui é onde eles estão ao seu melhor e não no homónimo disco de estreia.
A música é tão idiossincrática e nada processada, super nostálgica e surge algo desligada do mundo, no entanto é extremamente emocional, distinta e excitante. Será algo parecido a um “cocktail” onde se misturam Beck, música psicadélica e “jams”. Mas isso é reduzir a enorme ambição sonora que almejam. Incluindo uma extraordinária variedade de sonoridade e géneros musicais no seu interior, nota-se essencialmente que se estão a divertir, pela forma como os patetas, complacentes, premeditadamente repetitivos ritmos psicadélicos abundam. E se o seu intentado som é desordenado com a inclusão de todo o tipo de instrumentos, como bongos, guitarras acústicas, trompetes, harpas, “hammonds”, palmas e “dub bass” (onde entrelaçando tudo isto está a soporífica voz de Steve Mason), este foi tecnicamente fundido com destreza para elevar a sua aura exótica.
Sendo impossível indicar uma canção que seja o perfeito exemplo da sonoridade criada pelos The Beta Band, podemos destacar a delicada intimidade de “I Know”, a sedutora monástica nostalgia de “Dr. Baker”, a extremamente relaxada cadência rítmica do indolente manifesto “Dry The Rain” (como é possível resistir a esta vibrante canção), a fantástica “Inner Meet Me”, o “pedrado” deambular de “Push It Out”, a atenuante “Needles In My Eyes”, o hábil e subtil poder de “Dogs Got A Bone”, a épica sensibilidade “pop” de “She’s The One”, e os 16 minutos da louca e sinuosa “The Monolith”.
_

24 abril 2009

Covers # 9

Um post no sempre excelente prozac, fez-me recordar um disco que não ouvia há anos e fez-me procurar uma versão das poucas que conheço de Dr. John.

Depois lembrei-me de mais esta, um pouco improvável para a época (ou daí talvez não...).


Já estes senhores criaram um disco que é uma reinterpretação total de "Loveless". Devem ser mesmo fãs.
_
Por ultimo fica uma das mais recentes aquisições, e particularmente bem recebida cá por casa.

22 abril 2009

Seeland – “Tomorrow Today” (2009 Loaf)

Primeiro chamaram-me a atenção os nomes de Tim Felton e Billy Bainbridge, que estão associados às suas experiências anteriores nas bandas Broadcast e Plone, respectivamente, duas das melhores propostas musicais que surgiram da cidade de Birmingham nos últimos anos.
Regressaram agora com o projecto Seeland (presumivelmente inspirados no tema dos Neu!). E depois de dois singles editados na Duophonic dos Stereolab, e já como um trio com a entrada do baixista Neil McAuley, editam o seu primeiro álbum. E aqui apresentam-nos uma nova sonoridade que combina com aprumo elementos de “krautrock”, da subtil electrónica analógica reminiscente de uns White Noise e de electrónica “indie” anos 80 (mas também é evidente que foram muito influenciados pelos primeiros discos a solo de Brian Eno).
Através de arranjos complexos, melodias extremamente fortes e delicados padrões electrónicos, criam pequenos, mas concisos e melodiosamente vibrantes regalos “pop”, assentes na linear e voluntariamente impassível voz de Felton, que nos transmitem uma sensação de abstracção. E chegam a atingem um tipo de grandeza sonora que nos dá arrepios através de canções como a propulsiva “Burning Pages”, nos intensamente cortantes dedilhados de guitarra na brumosa “Library”, no efervescente acidulado “pop” de “Goodbye”, na superlativa “Call The Incredible”, ou na implacável batida mecânica e vibrante linha de baixo presente em “Static Object”.
_

20 abril 2009

Tributo # 10 - Robert Wyatt

Um verdadeiro cavalheiro, um gracioso e sensato poeta lírico, um hábil instrumentista, mas será pela sua forma de cantar que Robert Wyatt será certamente melhor recordado.
Na sua estranha, coloquial voz, Wyatt, destilou a sua singular contribuição para a sitiante alma do rock. A sua voz deu sequência a inúmeras canções ao longo de sucessivas tapeçarias de rock psicadélico, rock experimental, pós-punk, agit-pop, jazz, electrónica, sem nunca afasta-lo do trajecto que ele definiu para si próprio à 40 anos atrás.
Foi Wyatt que introduziu a noção revolucionária de cantar tal como falávamos, numa época onde todos à sua volta estavam a imitar os vocalistas “r&b” americanos. Nos Soft Machine era baterista e vocalista no agridoce “pop” do movimento Canterbury, de onde surgiram os Caravan ou Kevin Ayers, e onde Wyatt ajudou a definir um tipo especial de psicadelismo britânico, com a sua voz elevada, penetrante e muitas vezes deliberadamente deprimida para elevar o cociente de melancolia.
Após a sua injusta saída dos Soft Machine, formou os Matching Mole (o mesmo significado em francês para brincar com os seus ex-colegas) e produziu dois álbuns com eles – um deles uma errática obra-prima – mas em Junho de 1973 iria cair de uma janela num quarto andar aquando de uma festa e partiu as costas. O incidente tornou-o paraplégico. Mas na sua estadia no hospital ele começou a elaborar “Rock Bottom”, o seu primeiro regresso.
Wyatt mais tarde, chegou a afirmar que “foi libertado” pela paraplegia, pois não teria mais que estar ligado a um grupo. Assim sentia-se mais confortável a fazer o que queria primeiro e depois procurava as pessoas mais indicadas para trabalharam nos temas que queria.
A dor, mas também o humor nunca estiveram afastados no trabalho de Wyatt. A sua música é tão profundamente comovedora, porque é uma muito directa expressão dos seus sentimentos no momento da gravação. “Rock Bottom” (1974) registra o choque da hospitalização, a enormidade da alteração da sua vida, em submersas e deslizantes melodias electrónica sobre ondulantes correntes de percussão. Pois sendo Wyatt um baterista, o acidente forçou-o a procurar formas musicais mais imaginativas. O disco seguinte “Ruth Is Stranger Than Richard” (1975) inclui a extraordinária versão de “Song For Che”, original de Charlie Haden.
O segundo regresso surge no início dos anos 80 a convite de Geoff Travis da Rough Trade, que editou uma colecção de “singles” que eram destinados a funcionar como boletins políticos sobre a liberdade (reunidos em ” Nothing Can Stop Us”), e que inclui superlativas versões de “At Last I’m Free” dos Chic ou de “Strange Fruit” popularizado por Billie Holiday. Iria inclui ainda “Shipbuilding” de Elvis Costello, que este ultimo compôs especialmente para Wyatt, e que resultaria num inesperado êxito.
O seu terceiro regresso surge em 1997 com o magnifico “Shleep”, gravado no estúdio de Phil Manzanera, e com a colaboração de Brian Eno, Evan Parker ou Annie Whitehead e também, surpreendentemente, de Paul Weller. Com o balanço entre invenção musical e jovialidade, estruturas sonoras e a liberdade para músicos como Parker de alargar as canções para além dos seus parâmetros, e as cáusticas reflexões e as disparatadas letras, “Shleep” inverte a espiral de desespero que caracterizavam os seus últimos discos. Ouçam a debilmente cómica, no entanto arrebatadoramente melancólica meditação psicológica denominada “Free Will And Testament”. Continuou a surpreender-nos com “Cuckooland” (2003) e “Comicopera” (2007), uma dissoluta espécie de ópera mas nitidamente ambiciosa, que inclui a atmosfera intranquila de “Out Of The Blue, e que são uma real celebração de amigos e músicos a tocarem juntos, a convite de um artista que nesta altura simplesmente não se interessa por géneros ou rótulos musicais.
Um penetrantemente inteligente músico que nunca devia ter parado de criar, pois a sua cativante obra fascina pela sua lírica sinceridade.
_
_

14 abril 2009

Classic # 19 - The Band – “Music From Big Pink” (1968 Capitol)

Tal como “John Wesley Harding” de Bob Dylan, o primeiro disco dos The Band afigurava-se completamente singular com a maioria da música “rock” contemporânea, não só na sua apurada sobriedade, mas também pelo invulgar aspecto espectral das canções, que impecavelmente abordavam a difícil e fatalista existência vivida por aqueles que se afastaram do sonho americano. A música, no entanto, era uma infinitamente flexível mistura de influências forjadas após anos de actuações em bares e outros antros.
Indo contra a tendência “psychedelic rock” que rebentava no final dos anos 60, criaram uma música misteriosa, terrena, sincera, emotiva, arrebatadora e eclética que captura tantas emoções e funde com sucesso numerosas tradições musicais americanas. O termo “Americana”, fornece a sugestão, mas não abrange tudo, pois existem elementos de “r&b”, “blues”, “country”, “hillbilly” e “gospel”, tornando-o inclassificável no panteão do “rock” onde ele se insere.
Musicalmente são soberbos, numa ostentação de talento dos 5 membros, e se a música soa simples, é pela minimalista aproximação que realça a estranha aura do disco, pois as canções e a performance são floreadas e complexas (e que conforme reza a história influenciou gente como os The Beatles ou Eric Clapton).
Cada canção é uma sinfonia em si mesma, combinando o irregular e complexo entrelaçar das três subtis e apaixonadas vozes com instrumentos eléctricos e acústicos, e invocando tempos e espaços espirituais que existem apenas num imaginário distante. Desde a pungente “Tears Of Rage” com a sufocante guitarra, o volátil e inimitável órgão de Garth Hudson, a vaticinante percussão de Levon Helm, e a dolorosamente bela e angustiante voz de Richard Manuel, passando pela forma contundentemente económica de tocar guitarra de Robbie Robertson no requintado solo no final de “Kingdom Come”, pelas vacilantes harmonias vocais de “We Can Talk”, pelo épico poder emocional de “The Weight”, pela coerentemente relatada “Long Black Veil”, que derrota qualquer outra versão, ou pelo incendiário “intro” da oscilante “Chest Fever”.
Este disco fez com que outros músicos tornassem a olhar para as tradições musicais americanas. E provavelmente sem ele não teriamos tido um Bruce Springsteen, um Tom Petty ou uns R.E.M..
_

09 abril 2009

Rock # 7 - Girls Against Boys - “Cruise Yourself” (1994 Touch And Go)

Depois de reinterpretarem o “american hardcore” na sua primeira banda, Johnny Temple e Scott McCloud recrutaram o baixista Eli Janney e o baterista Alexis Fleisig com o objectivo de criarem um tipo de música que seria inspirada pelo emergente movimento praticado por editoras como a Wax Trax! e a Some Bizarre. No entanto em vez da aproximação ao “industrial-rock”, optaram por uma sonoridade rock mais estéril, com focagem em ritmos temperados e abruptos e nas conscientemente morais letras de McCloud. Muitos fãs citam o disco de estreia na Touch And Go, “Venus Luxure No1 Baby” como o seu ponto mais alto, mas é “Cruise Yourself” que contém todos os elementos sonoros da banda firmemente no seu lugar. Assim temos “pós-punk”, a dupla tracção dos baixos, batimentos regimentar de bateria e um inteligente uso de “samples”, que resultam em hipnotizantes canções de isolamento e de arrogantes e cínicas homenagens a todas as formas possíveis de comportamentos obscuros e alterados. Desde a curiosamente furtiva, ameaçadora, insidiosa e um tanto inepta “Tucked In”, passando pelas as irresistíveis “Kill The Sexplayer” e “(I) Don’t Got A Place”, apoiadas na incrivelmente electrizante forma de tocar bateria de Fleisig, pelo contraste entre as apáticas guitarras e o ritmo intensamente sensual dos baixos gémeos de “Explicitly Yours”, até à compelível “Glazed Eye” que com o seu deprimido vibrafone e a sombria, melancólica linha de baixo, combinam para um genuíno efeito glacial.
Este disco iria preparar o caminho para “House Of GVSB” e o elegantemente violento “Freak*On*Ica”, trabalhos que iriam firmemente estabelecer o quarteto como um dos mais inovadores do “rock” alternativo americano.
_

07 abril 2009

Electronic # 9 - Meat Beat Manifesto – “99%” (1990 Mute)

Frequentemente e erradamente aglomerados no género musical “rock-industrial” pelo facto de alguns dos seus discos terem sido editados na Wax Trax!, os britânicos Meat Beat Manifesto foram um dos mais inventivos praticantes do “sampladelic funk”. O seu líder, Jack Dangers, construía as paisagens sonoras com a clarividência de um profundo conhecedor ou de um mestre arquivista.
Sobre ritmos desordenados mas brutalmente “funky”, Dangers colocava idiossincráticos enfeites sonoros, deformadas texturas de sintetizadores e inteligentes “samples” vocais que serviam de isco para uma viagem neste violento pesadelo urbano, que culminava todas as suas experiências anteriores.
Se “99%” contém uma pletora de memoráveis canções apoiadas em amontoados pedaços retirados do trabalho de outros artistas, por sua vez, os MBM foram “samplados” pelos Chemical Brothers e Future Sound Of London entre outros, e de facto todo o fenómeno “big beat” está em divida aos MBM. Mas tal como disse Flavor Flav dos Public Enemy: “you can’t copyright no beat!”. E ritmicamente e textualmente “99%” é um disco singularmente terrível, que possui uma profunda e misteriosa intensidade, e podemos colocar junto dos melhores dos PE. E poucos artistas podem dizer isso.
_

03 abril 2009

Do fundo da prateleira # 15 - Jessamine – “Don't Stay Too Long” (1998 Kranky)

Na altura da sua edição, muitos esperavam que isto nunca acontecesse, a Kranky editar um disco “pop”. Mas no seu terceiro disco de originais, os Jessamine procuraram uma sonoridade mais baseada no formato “canção”, com a baixista Dawn Smithson a assumir um novo papel principal, escrevendo todas as letras e cantando todas as melodias vocais. E o resultado é um perfeito híbrido entre as anteriores excursões instrumentais pelo rock psicadélico e a forma concisa dos seus anteriores singles. E se o anterior disco do grupo (“Another Fictionalized History”) tinha sido uma compilação desses mesmos singles, com o complemento de algumas experimentações cósmicas inéditas, parece que os Jessamine procuraram inspiração no seu próprio catalogo, pois este parece ser uma perfeita combinação das melhores partes dos álbuns prévios.
E se os seus fãs mais “avant-garde” possam ter ficado mais desiludidos com esta viragem musical, os Jessamine seguem uma lógica progressão musical, apesar de a mesma poder conter desvios. A sua marca sonora continua presente – o rodopiante piano eléctrico, as guitarras “drone” cheias de efeitos, os ritmados acordes do baixo e a voz fuliginosa de Smithson por cima – e conserva o ameaçante e amorfo pessimismo do seu homónimo disco de estreia. A única diferença, realmente, é na forma de como as ideias estão agrupadas – em vez das longas e espontâneas “jams”, as canções são concisas comparadas com as dos discos anteriores. Os Jessamine criaram aqui um disco vencedor, cavando uma atmosfera que eleva a tristeza e a monotonia para níveis perigosamente sedutores, e continuaram a transformar-se em uma das mais intrigantes bandas do movimento “pós-rock”.
_