30 outubro 2008

Human Bell - “Human Bell” (2008 Thrill Jockey)

A música de Nathan Bell e Dave Heumann (dos Arbouretum) desafia qualquer fácil categorização. Estamos na presença de um disco instrumental, que mistura de uma forma exemplar padrões musicais tradicionais: “rock”, “folk”, “pós-rock”, “blues” e “americana”.
O que transmite é uma evidente sinergia e um genuíno bem-estar dos intervenientes nestas cuidadosamente executadas composições, simultaneamente sensoriais e evocativas, com os dois guitarristas sempre em perfeito sincronismo.
É notável a forma como estruturam os longos temas. “A Change In Fortunes” abre sinistramente com uma fúnebre guitarra no estilo “americana”, mas lentamente transforma-se num belo e desapressado conjunto de acordes optimistas. “Splendor And Concealment” começa brando e vasto antes de repentinamente acelerar e cerrar-se quebrando a hipotética fantasia numa expressiva dupla improvisação bem ao estilo do visionário John Fahey. São melodias que perduram, graças às repetições hipnóticas e aos momentos rítmicos verdadeiramente empolgantes que conduzem a um climax espiritual.
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27 outubro 2008

My Favorites # 10 - Built To Spill - “Keep It Like A Secret” (1999 Warner Bros)

Com “Perfect From Now On” (1997), Doug Martsch e os seus rapazes já nos tinham prometido uma obra-prima. Ela chegou com “Keep It Like A Secret”, que continua a mesma fórmula, com mais 10 intensas canções literalmente de cortar a respiração.
Neste disco perfeitamente equilibrado criaram algo único e impetuoso, onde podemos pensar nos velhos Sonic Youth, mas sem a abstracção.
Sendo um incrivelmente dotado músico, Martsch abstêm-se largamente de solos que aturdem, em ordem de manter o foco nas canções. E com isto não quero dizer que ele não nos presenteia com excelentes momentos no disco. Pois em vez de momentos instrumentais onde nos demonstra a sua formidável proficiência como guitarrista, ele opta antes por usar o instrumento como um meio de constituição da estrutura e dar coloração a cada canção.
Começa de forma perfeita com a concisa “The Plan”, depois segue-se essa declaração “pop” que é “Center Of The Universe”, o assombroso trabalho de guitarra na fenomenalmente simples “Carry the Zero”, o desenvolvimento do núcleo da canção em “Time Trap”, as brilhantes camadas sonoras de “Temporarily Blind”, ou as suaves harmonias de “Else”.
O disco termina com o épico “Broken Chairs”, e admiramos como pode um disco soar tão variado e no entanto, simultaneamente parecer tão consistente.
Puro esplendor.

24 outubro 2008

Inovadores # 10 - Associates – “Sulk” (1982 Beggars Banquet)

“Sulk”, foi uma distinta revolta contra os tons negros predominantes do pós-punk (cuja capa do disco bem o serve para ilustrar). Seria o último álbum de originais de uma trilogia de obras-primas (incluir “The Affectionate Punch” e”Fourth Drawer Down”) que os Associates iriam editar, e será provavelmente o mais acessível dos três, e onde as suas canções mais conhecidas estão incluídas.
Mas ao contrário de muitos disco dos anos 80, que se condenaram sonoramente a eles próprios a ficar encarcerados nessa década, este, como o passar dos anos, parece cada vez mais actual do que aquando da sua edição. E se, segundo reza a história, como o processo de gravação foi longo, felizmente o seu resultado final não resultou em nada de confuso ou desapontante, mas sim num grande disco “pop”.
Da combinação dos talentos do multi-instrumentista Alan Rankine, que criou uma música antinatural baseada em camadas sonoras de singularidade sintética, com as vocalizações eloquentes e transcendentais de Billy MacKenzie, resultou um disco conceptual, com a primeira metade (lado A no antigo vinil) a levar-nos para as trevas, com as canções mais sinistras, e com a segunda metade a restituir-nos a claridade, com as mais calmamente melódicas.
Ficaram peças únicas e extravagantes, como a alienada “Party Fears Two”, a incrível “Club Country”, a fantástica “Gloomy Sunday”, ou a maníaca cacofonia de “Nude Spoons”. E outras que amadureceram magnificamente como “Skipping”.
Se o suicídio de MacKenzie, poderá ter-lhe assegurado um estatuto de culto, é aqui que verdadeiramente conseguimos ouvir, através da sua elevada voz, a sua alma torturada e o seu grandioso espírito.
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22 outubro 2008

Compilação # 2 - Coldcut - “Journeys By DJ” (1995 JDJ)

Em 1995, o colectivo de DJ’s Coldcut – Jonathan Moore, Matt Black, Strictly Kev e PC - editou um CD-mix que tinha como objectivo 3 pressupostos - tinha de incluir os seus discos favoritos através de uma ofuscantemente ampla selecção musical, tinha de ser um disco que se pudesse escutar no conforto caseiro, e tinha de dar um “proverbial” pontapé no saturado e confuso género, muito obcecado por apenas gerar dinheiro.
E logo na sua edição, a reacção foi unânime, este era o disco a possuir.
Seria pelo facto do disco abranger uma desconcertante mistura de géneros com muita qualidade, contendo “electro” (Newcleus, Mantronix), “reggae” (Junior Reid), “hip hop” (Boogie Down Productions), “tecno” (Plastikman, Luke Slater), “house” (MAW), “ambient-pop” (Joanna Law), “jazz-funk” (Red Snapper), “mad funk” (Pressure Drop), “drum’n’bass” (Photek, 2 Player), humor (excertos da série Dr. Who) e outras formas mais abstractas (Jello Biafra, Air Liquide e as outras incarnações dos Coldcut na Ninja Tune)?
Seria pela forma como os efeitos e o tratamento no computador, de que foram pioneiros, adaptou este ajustado puzzle?
Seria pela nova posição numa velha formula, cujo resultado parecia realizado de um forma descarada e sem esforço?
A resposta é obvia, tudo isto e muito mais. “Journeys By DJ” é uma mescla de ingredientes que o tornam maior do que a soma das suas partes, e é muito mais amplo na sua estrutura temporal.
Foi uma surpreendente definição de um estilo numa era e quebrou as regras para o atingir. Intemporal? O melhor será mesmo ouvir, pois é uma viagem fantástica.

Como bónus anexo um original de “Let’s Us Play!” (1997)
Coldcut - More Beats And Pieces

20 outubro 2008

Ra Ra Riot - “The Rhumb Line” (2008 Barsuk)

Um disco de estreia marcado pela morte prematura do baterista e compositor John Pike, ocorrida pouco tempo antes da sua gravação. Assim um sabor agridoce está presente em canções como a explosiva e voluta “Ghost Under Rocks” ou a suspirante “St. Peter’s Day Festival”, que foram co-escritas por Pike.
Assim para além das constantes e óbvias referências à morte e ao mar (onde o corpo de Pike foi encontrado, e vividamente evocando perda numa cidade da costa marítima), a presença do violino e do violoncelo, reforçam a gentil melancolia presente ao longo do disco.
Mas se a musica é essencialmente sepulcral, também é efervescente e dilacerante, pois torna-se cativante por ser fundamentalmente uma afirmação da vida, e não só um réquiem por um amigo perdido, mas também um tributo para os que se aguentaram nos tempos mais difíceis.
Para além das duas canções referidas anteriormente, destacam-se neste “opus”, a macabra, mas irreprimivelmente contagiante “Dying Is Fine”, a jovial “Can You Tell”, ou a inesperadamente energética “Too Too Too Fast”, carregada de ruidosos sintetizadores.
As sólidas e exultantes melodias e a performance segura, permite que este seja um apropriado e muito particular memorial.
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