29 março 2010

Do fundo da prateleira # 21 - Tara Jane O’Neil - “Peregrine” (2000 Quarterstick)

O’Neil tinha sido anteriormente a baixista/vocalista nessa banda de tributo ao Slint, Rodan. Mas este secretamente belo “Peregrine” é muito mais genuinamente “pós-rock” (num sentido não-genérico) do que algo que os Rodan alguma vez criaram.
O título do disco alude à solitária, suspensa qualidade sonora interior: o som de alguma coisa mais, algo verdadeiramente secreto.
Enquanto a música dos Rodan articulava-se no contraste entre as dinâmicas “quiet/loud”, aqui O’Neil pendura-se em esvaziadas harmonizações onde “incorrectos” acordes cristalizam cadências que perfuram pequenos buracos melódicos através das suas canções. Elas embelezam incertas fronteiras circulares que se recusam a permanecer no mesmo local de uma audição para outra.
Os dissolutos, estratificados arranjos das guitarras acústicas, flautas, violinos e piano concedem-lhe uma quase mística atmosfera, e as vocalizações de O’Neil são similarmente carregadas com as mesmas imagens surreais, que estavam presentes em discos como “Astral Weeks” de Van Morrison ou “Red Apple Falls” de Smog.
Mas estas possíveis referências são de todo demasiado limitadoras para qualificar a música, pois o enigmático no entanto sempre intrigante “Peregrine” tenta planear de um modo elusivo para fora do nosso alcance.
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24 março 2010

Classic # 26 - Big Star – “# 1 Record” (1972 Ardent)

Em 1972, as canções “rock” relevantes deviam supostamente incluir complicadas progressões musicais, letras introspectivas e uma aparente tendência progressista. Canções agradáveis e concisas acerca de “boys and girls and cars”, eram uma traição para as sempre futuristas tendências do “rock”. Mas no seu disco de estreia, dois miúdos inteligentes de Memphis, Alex Chilton e Chris Bell, mostraram-nos como podiam combinar a delicadeza do “british pop” de uns Beatles, com o “american rock”, e ainda juntar pedaços de “garage-soul”, ajustado a um profundamente pessoal e frequentemente revelador universo lírico.
Eles eram uma verdadeira versão americana de Lennon e McCartney, e se não inventaram o “power pop”, forneceram a mina de ouro que serviu de inspiração a gente como R.E.M., Teenage Fanclub, The Replacements, Elliot Smith, The Posies, entre muitos outros.
“#1 Record”, com uma vibrante e cintilante produção de John Fry, adquire apropriadas e distintas reviravoltas, umas atrás de outras, através das cuidadosamente idealizadas canções e da formosa reciprocidade entre as guitarras acústicas e eléctricas e as vocalizações repartidas, seja na “auto-afirmativa “Ballad Of El Goodo”, no turbilhão “pop” de “My Life Is Right”, na magnificente “Thirteen”, na impetuosa “When My Baby’s Beside Me” ou na ondulante “Feel”.
Alguns responsabilizaram Bell (o McCartney), que abandonou após este disco, pelo excessivamente acústico e melancólico segundo lado, mas quer ele quer Chilton (o Lennon) iriam atingir aqui estados de espírito distintos, e beneficiaram dos alternados entusiasmos e suspiros nas suas letras e vocalizações. E por isso “#1 Record” é praticamente perfeito.
Os Big Star eram obviamente e excessivamente “Sixties” – ele estavam demasiadamente feridos para as ideias revolucionárias do “rock” e eram suficientemente sensatos para saber que “boys, gals and the gang” iriam sempre durar muito mais que qualquer tendência.
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22 março 2010

Inovadores # 16 - Fire Engines – “Lubricate Your Living Room” (1980 Pop:Aural)

Este mini-álbum do grupo de Edinburgo ofereceu a mais fresca das várias abordagens sobre a guitarra eléctrica que surgiu no “pós-punk” escocês. Em apenas 18 meses, de uma forma caótica e sem convencionalismos, e através de 3 “singles” e um mini-LP, conseguiram deixar um durável impacto no “pós-punk” em geral.
Considerados como uma das mais importantes bandas do fértil movimento “pós-punk” escocesas do inicio do anos 80, a par com os mais “pop” Orange Juice e os ligeiramente mais acessíveis Josef K, os Fire Engines extraíram das mesmas similar influências, mas inclinaram-se numa direcção mais sombria e abrasiva - The Velvet Underground, Television, The Pop Group, The Fall .
Os guitarristas David Henderson e Murray Slade desbobinavam contorcidas, dissonantes linhas de energia que indicavam obsessão e confusão. A música, abrupta mas “funky”, discordante mas melódica, concisa e energética, reivindicou o “riff” de volta do “rock” – todas as composições são fabricadas a partir de inoportunos e repetidos acordes de baixo e guitarra. Mas não existia nenhuma comunhão com os regulares ritmos “rock” – a banda assentava no forte golpear, mas de invulgar andamento do ruidoso tambor de Russell Burn (que não utilizava címbalos ou “hi-hats”). As vocalizações de Henderson eram frequentemente guinchos e as canções eram essencialmente instrumentais de guitarra, mas fundamentalmente isso não interessava, pois existia uma contagiante, frenética energia presente na música.
O interesse da banda em perverter as neuroses do consumismo estava bem reflectido quer na embalagem (o disco originalmente vinha num saco de plástico) quer nos títulos humorísticos como “Plastic Gift” e “New Thing In Cartons”. Ouvindo o disco hoje, essa “lo-fi”, “live in the studio” abordagem, ainda surpreende pela invulgar sonoridade que a banda conseguiu atingir – o áspero, electrizante prurido das guitarras e a desprezível corpulência da impetuosa bateria.
Ainda tentaram seguir um aclarado “pop” com “Candyskin” (1981) e o acessível “Big Gold Dream” (1981), os seus últimos “singles”, mas terminaram imediatamente a seguir, tendo Henderson prosseguido carreira com os WIN e os The Nectarine Nº9, estando actualmente nos The Sexual Objects.
Mas ficamos com este rápido e delirante disco, que não poderá ser repetido.
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19 março 2010

Electronic # 14 - Fad Gadget

“Fireside Favourites” (1980 Mute)
“Incontinent” (1981 Mute)
“Under The Flag” (1982 Mute)
“Gag” (1984 Mute)


Fad Gadget era um heterónimo utilizado por Frank Tovey, artista que gozou de um pequeno culto após uma sucessão de discos bizarros editados na Mute no início dos anos 80. Estudante de “performance art”, transferiu este interesse para um imprevisível espectáculo ao vivo. E ao contrário da pose afectada e do “make-up” presente em contemporâneos como Visage ou Classix Nouveau, Tovey assumiu-se como uma espécie de Iggy Pop da electrónica, assinando concertos onde o niilismo, a maquinaria e a auto-flagelação faziam parte da mesma estratégia de provocação.
Foi o primeiro artista a assinar com a editora de Daniel Miller, e o sinistro “single” “Back To Nature” foi editado em1979. Seguiu-se o fabuloso “Ricky’s Hand” que promoveu a combinação das competências líricas de Tovey (observações sobre os mais sombrios aspectos da vida) com uma utilização inovadora da electrónica. Ambas essas características continuaram evidentes em “Fireside Favourites” (1980), o primeiro álbum, que não esconde as influências dos Cabaret Voltaire. Em 1981, chega “Incontinent”, ainda mais violento, desalentado e perturbador do que anteriormente.
O ano de 1982 vê chegar o melancólico “Under The Flag”, por muito considerado o seu melhor álbum. Reparte-se entre as abordagens ao conflito nas Ilhas Falklands e ao nascimento do seu filho.
Os anos seguintes viram novos extremos, como quando Tovey regressou de uma tournée europeia com as suas pernas engessadas, tendo-as partido num espectáculo.
“Collapsing New People” (uma homenagem aos Einsturzende Neubauten) continuava a impressionante série de “singles”, e é seguido por ”Gag”, um disco mais “rock” e que seria o último sob o nome Fad Gadget.
Continuaria a gravar em nome próprio, mas cada registo seria altamente distinto e intransigente do material gravado como Fad Gadget. E apesar da sua inactividade durante as décadas seguintes a sua reputação como pioneiro “electro-pop” continuou a crescer e ecos da sua esparsa, excêntrica electrónica poderia ser encontrada em discos de artistas tão diversos como Depeche Mode, New Order ou Nitzer Ebb.
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18 março 2010

R.I.P. : Alex Chilton

Faleceu ontem, tudo indica devido a problemas cardiacos e com apenas 59 anos, o norte-americano Alex Chilton.

Foi uma verdadeira surpresa pois estava previsto actuar com os Big Star já neste próximo Sabado no conhecido festival South by Southwest.

Sendo uma figura extremamente admirada pelos seus colegas de profissão, pareceu-me mais propositada esta homenagem dos The Replacements do que uma canção dos Big Star, cujo post fica prometido.
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15 março 2010

The Soft Pack – “The Soft Pack” (2010 Kemado)

O disco de estreia destes “punks minimalistas”de San Diego, é uma boa prova que eles não pretendem ser mais uma “banda do momento”.
É bem visível que não estão interessados em seguir o já extenuado caminho do revivalismo “garage-rock”. Eles apenas tentam ser eles próprios, e sonoramente nunca soam como um lugar-comum mas sim excitantemente frescos, ao combinam uma rara mistura de “garage-rock” e espírito “punk-rock”.
É verdade que estão presentes os afiados “pop riffs”, e que as suas influências podem ser claramente identificadas (não consegui deixar de reparar que incorporam brilhantemente o fragor de uns The Replacements), mas tentaram manter as suas influências “punk” e apenas misturam-na com um pouco do “pop” luminoso que desde sempre brotou da sua nativa Califórnia. Destacam-se pela bruscamente eficiência das guitarras – ruidosas, jubilosas, desarticuladas, tal com os The Kinks outrora fizeram - e pela secção rítmica que mantém as coisas ordenadas.
Mas não se enganem, a sonoridade bem ritmada é balançada pelo sombriamente cínico lirismo constante ao longo do disco. Ajudadas pela desligada entrega do vocalista Matt Lamkin, as canções possuem uma qualidade que as impede de soarem alegres e risonhas, e mantêm as firmemente plantadas algures entre uma apática e congestionada insanidade.
Desde a potente e enérgica, mas melódica “C’mon”, passando pelo pesado dedilhar das acústicas guitarras de “Down On Loving”, pela discordante e feroz “Answer To Yourself”, pela visceral “Move Along”, pela sofisticada e encharcada de reverberação “More Or Less”, pela sinistra “Tides of Time”, pela arrebatadora, saltitante e agressiva “Flammable”, ou pelo demente” lap-steel” presente na hipnótica e perturbadora “Mexico”, estamos na presença de um louco e muito particular cocktail musical.
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12 março 2010

Singles # 20 - Happy Mondays – “Step On” (1990 Factory)

Para muitos, 1990 foi o ano em que o movimento “Madchester” explodiu. Para os Happy Mondays, o ano anterior tinha sido concluindo com o culturalmente afirmativo “Madchester Rave On EP” e uma subsequente aparição no “Top of the Pops” com os The Stone Roses, tornou a cidade vendável.
Três meses depois os HM foram convidados a escolher uma canção do catálogo da sua representante nos Estados Unidos – Elektra – para um disco comemorativo dos 40 anos da editora. A escolha acabaria por recair sobre o obscuro artista sul africano John Kongos. O titulo original – “He’s Gonna Step On You Again” - foi encurtado, e com a produção a cargo de Paul Oakenfold, rapidamente gravado.
A banda gostou tanto do resultado que editou-a como “single”, chegando ao número cinco do Top Britânico em Abril, e muitos dos presentes concordam que este será provavelmente o momento mais definitivo dos HM.
1990 seria ainda o ano fundamental para a banda de Shaun Ryder, quer em termos de sucesso monetário quer dos absolutos excessos farmacêuticos.
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Happy Mondays - Step On

10 março 2010

Do fundo da prateleira # 20 - Bowery Electric - “Beat” (1996 Kranky)

Os nova-iorquinos Bowery Electric eram uma banda de “pós-rock” vulgar, que aproveitaram o abandono do seu baterista para se virarem para os “beats” programados, pois o sempre tiveram um confesso interesse por produções “hip-hop”. Esse facto iria mudar-lhe o rumo e “Beat” tornou-se um marco importante do género.
Tentarem seguir a formula do seu disco homónimo de estreia, e aqui, ao longo de dez canções criaram uma sonhadora e delicada atmosfera, através de uma perfeita mistura das altaneiras, ligeiramente distorcidas, arqueadas e ressonantes guitarras, com ambientais texturas de sintetizadores, “drum loops” e os particularmente subtis “beats”.
O disco foi verdadeiramente bem produzido, e apesar de não ser nada de verdadeiramente novo, assim o parece, e ouvi-lo hoje, 14 anos depois da sua edição, não podemos de deixar de encontrar ligações no trabalho de Ulrich Schnauss ou dos M83, entre outros.
A distinta e solícita combinação de “shoegaze”/”dreampop” e electrónica ambiental, resultou numa atraentemente estática sonoridade híbrida. Mais espaçada dos que uns My Bloody Valentine ou Spacemen 3, mais quente do que uns Seefeel, mas possuidora de um certo mecanismo minimalista que evita a mesma de se deslocar para um rumo de trivialidade. A bela e luminosa voz de Martha Schwendener, perfeitamente ambígua e sedutoramente entorpecida é o complemento ideal para a música.
O disco é tranquilizador e ditoso nas rítmicas revelações de “Beat”, “Empty Words”, “Without Stopping” ou na soberba “Fear Of Flying”.
Completamente e inacreditavelmente excelente, é um disco que permanece connosco por muito tempo.
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08 março 2010

Covers # 12

Mais uma fim-de-semana de chuva, mais uma oportunidade de procurar umas versões pela prateleira (algo que já tardava). A letra L surge aqui privilegiada, mas apenas porque os discos estavam guardados juntos, e porque já não os ouvia hà muito tempo.


Um edição especial de "Is A Woman" tem como bónus este curiosidade:

Já as Le Tigre optaram por este velho clássico "disco-pop":


Evan Dando pegou neste surpreendente "hit":


Para acabar e na sequência do último post, podemos continuar a exploração das influências musicais dos R.E.M.. Eles esconderam este tema de Alan Vega e Martin Rev no labo B de "Orange Crush":
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05 março 2010

Classic # 25 - R.E.M. – “Murmur” (1983 I.R.S.)

O disco de estreia do R.E.M. foi o mais forte sinal de que as bandas que surgiram no denominado movimento “Paisley Underground” tinham a profundidade e a capacidade artística de criar algo novo a partir das suas raízes “punk”, “garage” e “country”. E “Murmur” permanece como um enigmático testamento dessa época de grande inspiração.
Segundos os próprios, queriam criar um disco que não tivesse influências externas nenhumas, de forma a que ninguém os pudesse comparar com determinada banda ou artista. E surgiu na altura certa, pois não soava como a maioria da música popular da altura (se por um lado tínhamos o “indie-rock” britânico e a “new wave”, nos Estados Unidos, os tops nesse no ano foram dominados pelos Motley Crue e por “Thriller”) e conjuntamente com os The Replacements foram as primeiras alternativas ao “rock” “mainstream” corporativo.
A sua distinta sonoridade representa a mudança do “pós-punk” para a música alternativa. E ao contrário da maioria das bandas deste período, que infelizmente desenvolveram-se, mas ficaram fatalmente atoladas quer no “country-rock” ou num monótono psicadelismo, as canções possuem uma qualidade atmosférica que é absolutamente diferenciadora. São afáveis e gentis, e exalam vida, insinuam mistério e inflamam paixões.
As indecifráveis letras e a sua tenebrosamente estranha capa (um sinistro campo de árvores “kudzu”, comum no sudeste americano) – só perpetuou a inapreensível beleza da música.
Desde a sólida “Radio Free Europe”, passando pelas três despendidas melodias da dócil “Laughing”, pela simples afirmação de intenção que é “Talking About The Passion”, pela subtil reclusão de “Perfect Circle” (que é realmente perfeita), pela inocente “Catapult”, pela cadenciada, breve e simples “We Walk” ou pela assombrosa “West Of Fields”, estão aqui temas que fazem este marcante álbum ser um dos discos fundamentais do R.E.M..
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03 março 2010

Spoon – “Transference” (2010 Merge)

Depois do seguro “Ga Ga Ga Ga Ga”, Britt Daniel e Jim Eno regressam ao modo exploratório e à perfeita destilação do seu cuidadosamente construído minimalista som, que a banda de Austin vem aperfeiçoado nos seus mais de 15 anos de carreira - ritmos fortemente uniformes, ocasionais explosões de guitarra e as desvirtuadas vocalizações do ligeiramente rouco Daniel - como é visível em “Is Love Forever?”, “Who Makes Your Money”, “Written In Reverse” ou “Got Nuffin”, todas muito ao estilo clássico dos Spoon.
Mas eles não se acomodam aos velhos hábitos, e apesar de “Transference”, não ser uma reinvenção, eles experimentam com texturas sonoras e estados de espírito. Assim em canções como “Out Go The Lights”, “Goodnight Laura” ou “Nobody Gets Me But You”, Daniel surge num modo experimental, procurando novas ideias, e utilizando a imperfeição para sublinhar o seu já estabelecido glossário sonoro. Abandonando a subtil abordagem do estúdio de gravação como um instrumento, eles já não soavam assim tão ásperos desde o minimalismo estéril de “Kill The Moonlight”.
Mas como acontece com os álbuns é quando se juntam todas as partes que a verdadeira magia acontece, aqui resultando numa colecção de melódicos fragmentos e inesperadamente agradáveis reviravoltas, pois “Transference” acentua a antagónica reciprocidade entre os instrumentos, algo que sempre potenciou e fundamentou a música dos Spoon.
Mais austero que os seus predecessores, mas equitativamente desconexo, “Transference” é verdadeiramente desafiante, sendo uma afirmação de maturidade, que conduz a novos níveis a mesma intensidade e elusividade que transmitiram nos discos anteriores.
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Spoon - Written In Reverse (link eliminado pela DMCA)