30 maio 2008

Evangelista - “Hello, Voyager” (2008 Constellation)

Quantos artistas se tornaram ferozmente genuínos com o passar dos anos?
Quantos tentam codificar o que fizeram anteriormente, cuidadosamente, num fácil formato sonoro?
Carla Bozulich não. Já sendo uma semi-veterana com passagens por várias bandas (investiguem os excitante Geraldine Fibbers), regressa com uma banda (Evangelista) que era o título do seu último disco a solo. E aqui, num disco sincero, mas ferido, Bozulich, vai ainda mais longe na exploração das opressões íntimas, ao expor sofrimento e dor.
Acompanhada por alguns elementos dos A Silver Mt. Zion, e através de desarticuladas orquestrações, melodias formaldeídas, ásperos arranjos de cordas, e uma prosa perniciosa, Bozulich surge elegante e astuta, mas angustiada, criando uma sonoridade subtil e ríspido. Os cenários variam: a sabedoria negra e anciã em ” Mystical Prankster”, a provocação inabalável em “Truth Is Dark Like Outer Space”, a crueldade e o perigo em “Lucky Luck Luck”, culminando no claustrofóbico épico hino de “Paper Kitten Claw”. E não há palavras para descrever a grandiosa e delicada “The Blue Room”
Bem-vindos a um mundo invulgar e maravilhoso.
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27 maio 2008

Electronic # 2 - Autechre – “Tri Repetae” (1995 Warp)

O duo britânico Sean Booth e Rob Brown, atingiu o seu pico de inovação estrutural e tonal no seu terceiro disco. (“Tri Repetae ++” é a edição que junta os EP’s “Anvil Vapre” e “Garbage” ao álbum “Tri Repetae”)
“Tri Repetae” é um salto evolucionário das relativamente frias e abafadas melodias modulares de “Incunabula” e “Amber”, para um tortuoso e cibernético “funk”.
Refringentes da sua adoração do “electro” e do “hip-hop” dos anos 80, pelo meio de uma aproximação de ruídos originais e libertos de regras, criaram um dos discos mais importantes do que se tornou a “IDM - intelligent dance music”.
Em “Tri Repetae” fantásticas e estranhas melodias flutuam sobre ritmos tão complexos que só um contorcionista as poderia dançar. Temas como “Leterel”, “Clipper” e “Rotar” dão origem a atmosferas únicas, robustas e completamente desenvolvidas. O mais extraordinário é que mesmo com esta mudança, os Autechre nunca perderam a sua predilecção por uma música fascinante e excepcionalmente agradável.
Os discos subsequentes, “Chiastic Slide” ou “LP5” (anexo um dos meus temas preferidos), contém também muita música igualmente fascinante, mas na altura da sua edição, “Tri Repetae” representou um apogeu.
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26 maio 2008

Pop # 2 - Mazzy Star - “She Hangs Brightly” (1990 Capitol)

“So Tonight That I Might See” ou “Among My Swan” podem ser mais consistentes, mas é “She Hangs Brightly”- provavelmente por ser o primeiro - que melhores recordações me trás dos Mazzy Star.
Criaram um som “blues” desejoso e frágil, com uma atenção especial nos detalhes, que muitos classificam como “pop-psicadelico”.
A guitarra eléctrica ou acústica de David Roback (ex-Rain Parade, Opal), está sempre presente, sinistra e escondida atrás da voz de Hope Sandoval, em espiral e a rugir constantemente, ou alternativamente adicionando um som mais orgânico.
Já a prestação de Hope com a sua suave, transparente e infantil voz, é arrebatadora. É serena e emocionalmente incómoda ao mesmo tempo.
Seja na assombrosa “She Hangs Brightly”, é que uma experiência de meandros psicadélicos. Seja em canções como “Halah”, “Give You My Lovin’” e “Be My Angel”, que são excelentes momentos de “amor e desespero”, capturando o estado de espírito de desejo, ânsia e desespero. Seja no distante e misterioso “Taste of Blood”, ou no arrepiante “Ghost Highway”, que tal como no exuberante “riff” de guitarra de “Blue Flower, já demonstram uma inclinação mais “rock”.
Sempre uma agradável lembrança.

16 maio 2008

Kelley Polar – “I Need You to Hold On While The Sky Is Falling” (2008 Environ)

Em 2005, com “Love Songs of The Hanging Garden”, foi comparado com o malogrado Arthur Russell. Ambos eram músicos com formação clássica na prestigiada Julliard School de Nova Iorque. E tal como Russell, duas décadas antes, também Polar travou conhecimento com músicos de dança que o introduziram a novos universos musicais. Russell com o pioneiro do “disco” Larry Levan, Polar com Morgan Geist dos Metro Area, um dos melhores na utilização das penetrantes linhas orquestrais do “disco” na “house”.
No disco de estreia tentou provar que era possível criar uma música profundamente pessoal, ao desenvolver cenários melancólicos, assentes em soluções rítmicas compactas e evolutivas.
Este novo disco, é um passo em frente, e cimenta essa capacidade ao reunir uma colecção de estranhamente exuberantes e belas canções, mas que permanecem totalmente acessíveis.
O disco abrange uma diversidade de ideias, infiltrando elementos de “pop”, “disco”, “house”, “minimal techno”, e até “r&b”, para criar uma banda-sonora de um universo alternativo, que nos ocupa e estimula a mente e o espírito.
Mais uma vez a produção de Morgan Geist dá uma atenção especial aos detalhes. E como destaques selecciono: a sinfonia “electro” de “A Feeling of the All-Thing”, “Chrysanthemum”, o sumptuoso dueto de “Entropy Reigns (In the Celestial City)”, “Satellites” e “Thurston & Grisha”.
Um disco, que pelas suas concebíveis contrariedades, não soa como nada que foi antes produzido. E por isso mesmo muitas pessoas não gostarão deste disco.

15 maio 2008

Novidades - Wedding Present

Já está disponivel o novo single que antecipa o regresso da veterana banda de David Gedge. Não existirão edições em CD ou vinil, só estará disponivel via "download" em sites como iTunes ou Emusic.
Gravado com Steve Albini, o single estará incluido no próximo album de originais - "El Rey", que será editado nos Estados Unidos dia 20 de Maio, e na Europa dia 26 de Maio.
O titulo do single recordou-me de um tema dos Specials (já na fase Special AKA) - "What I Like Most About You Is Your Girlfriend" - mas duvido que Gedge terá tido aí a sua inspiração.

The Wedding Present - The Thing I Like Best About Him Is His Girlfriend

13 maio 2008

Do fundo da prateleira # 9 - Superchunk - “No Pocky For Kitty” (1991 Merge/Matador)

Originários de Chapel Hill na Carolina do Norte, os Superchunk inicialmente tocavam um “punk” puro para ouvidos “pop”. Ao misturarem o tom áspero dos The Replacements com o sentido melódico dos Buzzcocks, o quarteto trouxe algo único e ajudou a lançar o espírito “DIY” do “rock underground” que se desenvolveu como contraste ao movimento de rock alternativo pós-Nirvana.
E ao contrário de outras bandas os Superchunk transformaram essa estética numa carreira e num movimento, e ao repelirem as grandes editoras multinacionais, a favor da sua própria editora, a Merge, tornaram-se nuns Fugazi da “pop-punk”.
Os seus melhores momentos acabaram por surgir na forma de três minutos explosivos. Muitos deles presentes em “No Pocky For Kitty”. Será menos um grande álbum, mas será certamente uma colecção de grandes “singles”, pois inclui canções furiosamente tímidas e loucamente contagiantes como “Seed Toss” e “Tie A Rope To The Back of The Bus”, todas cantadas pela voz de hélio de Mac McCaughan.
Desde a edição deste disco, os Superchunk transformaram-se em algo raro: “punk-popers” que melhoraram musicalmente com o passar dos anos, sem nunca perderem a sua alma.

Superchunk - Seed Toss

12 maio 2008

Electronic # 1 - Aphex Twin – “Selected Ambient Works Vol. II (1994 Warp)

Nascido em 1970, em Cornwall, Richard D James desde muito novo se começou a entreter com aparelhos eléctricos (futuramente iria estudar electrónica na Universidade). Tornou-se um prodígio nos teclados, pelo facto de modificar e customizar os seus sintetizadores analógicos de forma a satisfazer as suas peculiares especificações. Essas transformações fariam com que a música criada por James tivesse um carácter único, que iria influenciar muitos outros músicos electrónicos.
Este disco de hipnotizante e transcendental música ambiental empurrou Richard D James /Aphex Twin para o mais elevado patamar dos compositores minimalistas.
Profundamente medianeiro, os 23 temas de “Selected Ambient Works Vol. II” entram pelo nosso subconsciente com hologramas vocais, assombrosamente tranquilos sintetizadores e ocasionalmente, batidas hipnóticas. “Vol. II” parece emanar de um sistema solar distante.
Paralelamente James remisturaria os Meat Beat Manifesto, Saint Etienne, Curve, e Jesus Jones, mas recusaria os U2. A seguir a este trabalho James explorou estilos musicais mais próximos do “breakbeat” com o mesmo brilhante carácter caprichoso.

09 maio 2008

DeVotchka - “A Mad & Faithful Telling” (2008 Anti)

Já não é de agora (David Byrne ou Peter Gabriel, entre outros, já por lá passaram), mas a globalização tem uma participação cada vez mais acentuada na música “pop”/“rock”. Existem cada vez mais bandas a buscar inspiração em temas globais (podemos referir Beirut, A Hawk and a Hacksaw, Gogol Bordello, M.I.A., Vampire Weekend, como os mais recentes).
No entanto ninguém cultivou o seu multiculturalismo como os intrigantes DeVotchka.
Originários de Denver, é certo que os DeVotchka nunca foram estritamente uma banda “indie-rock”, sempre navegaram por outros territórios, onde as influências ciganas, eslavas ou gregas, ajudaram a criar este “global gypsy folk” caracteristicamente único. Mas é certo que o seu ecletismo instrumental sempre criou canções épicas e emocionais, que oscilam entre um tipo de “cabaret” teatral e as confissões pessoais.
A fantástica vibração produzida pelo violino, pelo acordeão, pelo “bouzouki”, pelos trompetes, ou pelo “sousaphone”, desembainha uma esfera musical sem limites, desde a introdução com “Basso Profundo”, que mistura “folk” da Europa de Leste com influências Morricone, ou no subtil e luxuriante “Along The Way”, com a impetuosa secção de cordas e as cornetas “mariachi”. E assim como “Head Honcho” se diverte com a “polka”, o bolero está presente em “Undone”e a música cigana em “Comrade Z”. Se a todo isto juntarmos o trautear de Nick Urata, temos o som de um novo mundo global.

08 maio 2008

DVD # 2 “Warp Vision 1989-2004” (2004 Warp)

Uma compilação para os fanáticos da editora Warp, que ao completar quinze anos de actividade, resolveu editar os vídeos que acompanhavam a promoção dos seus artistas.
A editora ficou conhecida por tentar incorporar a sua inovativa sonoridade também na imagem gráfica dos seus discos e vídeos.
Aqui encontramos desde os pioneiros da electrónica experimental como Sweet Exorcist, L.F.O. ou Nightmares on Wax, passando pelos seguidores como Autechre, Plaid ou Squarepusher, mas também todos os outros artistas que foram passando pela eclética editora como Jimi Tenor, Broadcast, Luke Vibert ou Prefuse 73.
E é interessante assistirmos à evolução da qualidade dos vídeo, desde o primeiro, absolutamente básico que é “Testone” dos Sweet Exorcist (curiosamente realizado por Jarvis Cocker) em 1990, até aos notáveis trabalhos dos Autechre que complementam visualmente a música, como “Gantz Graf” de 2002.
Nestes 32 vídeos o destaque obvio vai para os realizados por Chris Cunningham para Aphex Twin, Squarepusher e Autechre, onde o universo bizarro do primeiro encaixa perfeitamente na electrónica disfuncional dos segundos. Em especial essa deliciosa parodia aos vídeos de hip-hop que é “Windowlicker”.
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06 maio 2008

Anjos Caídos

Comsat Angels – “Waiting for A Miracle” (1980 Polydor)
Comsat Angels – “Sleep No More” (1981 Polydor)


Este quarteto, apesar de ter editado discos em multinacionais, nunca teve o reconhecimento que merecia, e sempre viveu na sombra de contemporâneos como os Joy Division, os Wire, os Magazine ou os Echo & The Bunnymen.
Felizmente há alguns anos atrás a Renascent lembrou-se de reeditar os seus discos e tentar promove-los da mesma forma que tentaram anteriormente com os The Sound (a origem deste post foi aqui inspirada). Assim gerações mais novas podem descobrir canções brilhantes como “Independence Day” ou “Dark Parade”.
Originários de Sheffield, os seus dois primeiros álbuns “Waiting for A Miracle” (1980 Polydor) e “Sleep No More” (1981 Polydor), têm uma sonoridade única, caracterizada pelo estilo minimalista, mas harmonioso, de tocar guitarra de Stephen Fellows.
Cedo perceberam que podiam ter pretensões artísticas e serem simples ao mesmo tempo, dando mais ênfase à bem imaginada energia e domínio do que á complexidade musical.
Utilizando os Television e os Talking Heads como principal inspiração, desenvolveram uma sonoridade frugal, límpida, mas que atinge fortemente.
Do primeiro para o segundo disco nota-se que amadureceram, e aparecem mais confidentes, rigorosos, mas também mais frios (apesar do som ser mais pesado), nomeadamente na capacidade lírica. E se as letras continuam a abordar a decadência romântica, a resultante paranóia está muito mais forte e evidente. Como resultado “Sleep No More” poderá não ser tão acessível como o primeiro, mas não será menos intenso e brilhante.
Com “Friction” de 1982 tentaram aligeirar o som, e apresentaram um disco muito produzido. Apesar do “pop” sofisticado que predomina ao longo do disco, este não teria os momentos inspirados dos dois anteriores. Esses, sim, iriam assegurar-lhes um lugar cativo no quadro de honra dos melhores discos do pós-punk britânico.

05 maio 2008

Covers # 2

Aproveitei o fraco dia de Domingo para organizar e ordenar alguns discos, e entre eles estava a discografia que possuo das The Breeders.
Verifiquei que os seus discos não tem muitas versões, a excepção nos álbums é este clássico:

The Breeders - Hapinnes Is A Warm Gun (Beatles)

Mas nos vários EP's, existem algumas interessantes, de gente tão diferente como Sebadoh ou Aerosmith.
Do EP "Safari" anexo uma versão dos The Who:

The Breeders - So Sad About Us (The Who)

Por falar nos The Who, esta senhora fez um disco só com versões do disco "The Who Sell Out", uma experiência que sempre me fez confusão:

Petra Haden - Armenia City In the Sky (The Who)

E será que alguém ainda se lembra dos Cud, que no início dos anos 90 editaram
discos "indie-pop" como "Leggy Mambo" ou "Asquarius".
Numa das suas "Peel Sessions", gravaram esta gravação
do conhecido tema dos Hot Chocolate.

Cud - You Sexy Thing (Hot Chocolate)

02 maio 2008

Fuck Buttons - “Street Horrrsing” (2008 ATP)

Numa primeira impressão, este duo não está a fazer nada de novo. Mas se prestarmos alguma atenção eles estão a pegar em barulhos estranhos e a misturá-los energicamente com um punhado de esplendorosos padrões sonoros, para criar algo verdadeiramente novo, e que se torna mais cativante a cada audição.
Podíamos efectuar comparações com os Black Dice, por exemplo, mas existe aqui um equilíbrio cirúrgico que mais ninguém conseguir realizar. É “noise”, mas virtuoso, intenso, inteligente e apocalíptico.
O facto de terem gente como Bob Weston (Shellac) ou John Cummings (Mogwai) na masterização e produção, certamente ajudou. São seis temas que se estendem em cerca de cinquenta minutos, e apesar de repetirem alguns artifícios, continuam a ser cativantes, nunca atingindo a redundância.
A resplandecente “Sweet Love for Planet Earth” dá o mote, e prepara-nos a mente, com a longa introdução de harmoniosos sons refractores, antes do massivo e deformado baixo e as vozes lutarem entre si, ao longo de nove claustrofóbicos minutos. Seguem-se momentos brilhantes como o tribal “Ribs Out”, construído a partir de uma divertida percussão, ou o sónico “Okay, Let’s Talk About Magic”. Até encontrarmos “Bright Tomorrow” que derrama uma batida “house” directa sobre melodiosas texturas criadas por um indistinto órgão e outros efeitos, até culminar num clímax que é simultaneamente brutal e arrepiantemente belo.
Para os interessados em música verdadeiramente inovadora.