27 setembro 2010

Extremos # 10 - Chrome – “Half Machine Lip Moves” (1979 Beggars Banquet)

O núcleo central dos Chrome, o duo Damon Edge e Helios Creed – auxiliados por variados músicos que fugazmente se juntavam ao projecto – criou um estilo musical que merecia muito mais crédito do que o estatuto de “culto” que inevitavelmente gerou. “Half Machine Lip Moves” foi na altura do seu lançamento um curioso e poderoso híbrido, que fundia o estilo agressivo de uns The Stooges com uma sobrenaturalidade inspirada na ficção cientifica e muita LSD, reflectida nos títulos, que evidenciavam o interesse que tinham nos alienígenas e na tecnologia contemporânea.
Este álbum foi sem dúvida o melhor momento dos Chrome (“Alien Soundtracks” de 1977 foi a outra obra-prima): a cauterizada guitarra de Creed, fortemente carregada de efeitos FX, o Moog e as arrepiantes vocalizações de Edge, sustentadas pela percussão metálica, uniram-se para criar o que poderia ter se tornado num ponto de partida radicalmente novo para uma forma emergente de “post-rock”. A sua influência pode ser perceptível no som dos Big Black e em alguns outros grupos, mas a extensão do seu esquecimento pode ser medido no mês em que o cadáver de Damon Edge permaneceu por descobrir após a sua morte em 1995.
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24 setembro 2010

Rock # 16 - The Wedding Present – “Seamonsters” (1991 RCA)

“Seamonsters” marcou um rumo diferente para os The Wedding Present, aqui eles afastaram-se da abordagem “rápido, frenético, furioso” levada ao limite no seu antecessor “Bizarro”. Este disco é muito mais dinâmico, recheado de grandes melodias, enterradas debaixo de uma “wall of noise” de “feedback”, e cheia de dinâmicas “loud/soft” que traduzem um perfeito equilíbrio entre a intensidade e a sensibilidade.
A genial produção de Steve Albini, acondiciona as tensas e atormentadas vocalizações de David Gedge, fazendo rosnar as dolorosamente honestas histórias, e encalhando-as em camadas sonoras que criam uma paisagem “auditiva” que ondula dores.
Mas a abordagem de Albini na gravação da banda também traz à tona os pontos fortes da mesma, não apenas o ofuscante dedilhar de guitarra de Peter Solowka, mas também a intensidade da bateria de Simon Smith.
Gedge surge mais uma vez como um imã para os maus relacionamentos. Liricamente ele continua a falar sobre o amor (perdido e não correspondido) namoricando e actuando de uma forma desprezível, mas os cenários são mais variados e desta vez menos convencionais.
O deslumbrante material sonoro presente em “Seamonsters”, faz dele um disco perfeito, pois não possui uma única música menor, e assim o registo simplesmente flui com jóias maravilhosos como “Dalliance”, “Dare”, “Suck”, “Rotterdam”, “Lovenest”, “Corduroy” ou “Heather” (algumas músicas apontam para o futuro “pop” de Gedge com os Cinerama), que comprovadamente são o seu coroamento dos tormentos pessoais e dos turbilhões de guitarra, pois tal como os My Bloody Valentine, eles pareciam estar a aniquilar as guitarras.
Provavelmente se eles fossem originários de Seattle, talvez hoje tivessem a mesma estima de uns Nirvana, mas egoistamente, tanto quanto os adoro, eu não me importo da sua relativa obscuridade.
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21 setembro 2010

Inovadores # 17 - Alexander “Skip” Spence – “Oar” (1969 Columbia)

Este brilhante álbum – um progenitor dos movimentos “lo-fi” e “psych-folk” – foi concebido enquanto Spence esteve preso num notório hospital psiquiátrico. Ele tinha sido internado nessa instituição depois de, completamente alucinado com ácidos, ter tentado agredir com um machado o seu colega dos Moby Grape, Don Stevenson.
Gravado em três faixas, e absolutamente a solo, “Oar” representa um tipo de exploração psicadélica interior que não iria encontrar um público real durante décadas.
Profundo, intenso e comovente Spence vagueia de um modo existencialista entre a psicologia (a incrível “War In Peace”), e faixas de meditação (“Grey/Afro”), tudo encravado entre momento de humor genuíno e comovente tristeza.
Seria incorrecto dizer que a editora não apoiou a edição do disco, pois teve anúncios nas revistas de música americanas e foi mesmo criticada de forma muito positiva na revista Rolling Stone. Mas com um conjunto de canções tão sombrias e com a aceitação da sua desesperança, nunca existiu uma verdadeira hipótese de os “hippies” se prenderem e ele.
É essencial que se aborde este disco com uma mente aberta, pois se apenas o analisarmos superficialmente, não é nada mais que um registo de refugos induzido por drogas. Mas se olhar por debaixo da superfície, descobrimos algo verdadeiramente extraordinário.
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17 setembro 2010

In The Beggining # 6 - Palace Music – “Viva Last Blues” (1995 Drag City)

Na década de 90, e embora muitos caminhos tenham sido perseguidos e posteriormente abandonados por músicos em busca de estilos ainda não saqueados, a trilha dos “Appalachian” foi uma das menos prováveis.
Mas no inicio dessa década, Will Oldham involuntariamente contribuiu para um outro renascimento das raízes americanas quando o nativo de Louisville no Kentucky, olhou para o seu próprio quintal em busca de inspiração.
Inicialmente editou a sua bem estudada versão de baladas “country” da era da Depressão no registo de 1992, “There Is No-One What Will Take Care Of You”, mas rapidamente ele abandonou o pastiche do “field-recording” e estabeleceu a sua própria voz em “Viva Last Blues”. Resolveu juntar uma banda com elementos que nunca tinham tocado juntos e libertou-os no estúdio, criando uma intrigante mistura de “folk-country-rock” que desafia classificação (ocasionalmente cobre o mesmo terreno do que os American Music Club). A produção desnudada de Steve Albini é bem visível na forma como a bateria é alisada sobre as guitarras com toda a delicadeza de uma forma a que o registo relembre uma autêntica “basement tape”.
Apesar de estar mais perto do convencional, a sua voz ainda surge rachada nos momentos certos, com Oldham acrescentando sentimento e idiotice” a versos como “If I could fuck a mountain, Lord, I would fuck a mountain” enquanto a sua banda toca como uns desarticulados músicos de Nashville.
Pode deixar-nos com um sentimento triste e claustrofóbico, mas este disco é extremamente belo na sua morbilidade.
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14 setembro 2010

Wavves – “King Of The Beach” (2010 Fat Possum)

Nathan Williams fez um álbum que poucos não o consideravam capaz. Pois entre a não existente qualidade de gravação e as encarecidamente apáticas canções, Williams gravou dois corajosos “lo-fi” álbuns num espaço de quatro meses. Mas entretanto muita coisa mudou, desde logo uma oportuna apropriação da antiga secção rítmica de Jay Reatard, e a utilização do estúdio Sweet Tea (propriedade do Dennis Herring, produtor de Modest Mouse, Throwing Muses ou Sparklehorse) que esteve muito longo da realidade do microfone incorporado dentro do Macbook que manipulou as gravações dos dois primeiros discos.
Mas essa transição do quarto solitário para o estúdio profissional poderia ter sido uma prova muito grande para ser superada no sentido de aprimorar as suas habilidades interpessoais e aguçar os danificados ritmos do seu desigual segundo disco.Mas mal o disco começa a tocar, é muito claro que esta não é a mesma banda que criou minutos de inaudível clamor nos registos anteriores. Com uma categórica produção, as canções agora surgem completas, duras como pregos, e os amplificadores viraram-se completamente para o máximo. O próprio Williams está diferente, em “King Of The Beach” encontramo-lo a comutar com a sua capacidade de composição interior (toda a aversão a si mesmo e frenesim adolescente ainda está presente, mas ele parece mais feliz), renunciando ao estático niilismo “lo-fi” a favor da clareza da “alta definição” – assim o álbum está saturado de elevadas harmonias polifônicas, estalados de dedos e palmas. A animosidade das espessas guitarras e da suja bateria de “Idiot”, o impecável 60’s “garage-pop” de “Post Acid”, o “rock” frenético de “Green Eyes”, ou a gentil e espaçada “When Will You Come”, fazem deste versátil e extremamente bem executado registo uma surpreendentemente boa surpresa.
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10 setembro 2010

Classic # 28 - The Stooges – “Fun House” (1970 Elektra)

Se considerar que o primeiro álbum dos The Stooges era essencialmente o som de uns anti-sociais a tocarem o mais cru “garage-rock” possível, repetindo continuamente os mesmos brutais “riffs” de “blues” até atingirem um sentido de ritmo hipnótico no qual a guitarra “guinchava” e o vocalista Iggy Pop cantava contos urbanos que precediam a ascensão do “punk”, o disco seguinte, “Fun House”, ampliou o diagrama sonoro e impulsionou os limites do que o “ rock’n’roll” primário poderia ser ao extremo.
Provavelmente derrotando a sua fonte de inspiração - “White Light/ White Heat” dos The Velvet Underground - no seu próprio jogo (embora por meios um pouco diferentes), eles gravaram o que é indiscutivelmente um dos álbuns mais intensos de sempre, encontraram o equivalente musical da mais desenfreada, anárquica, torturante festa que qualquer homem jamais poderia conceber – simultaneamente terrível e fascinante na sua completamente selvagem naturalidade.
No disco de estreia, Iggy era um vocalista mais conflituoso do que qualquer outro do seu tempo, mas aqui ele surge como se estivesse no meio de uma transe tribal, que exigia a completa submissão” do corpo, mente e alma. As letras complementam a música perfeitamente, mas isto não é poesia para ser analisada ao mesmo nível de seriedade do que seriam letras de Bob Dylan, mas nada poderia ser mais apropriado, no calor do momento que a ladainha “I feel alright” repetida durante o fim incendiário de “1970”.
O registo está carregado com o mais directo “garage-rock” - “Down On The Street”, “Loose”, “T.V.Eye” - e seguidamente e de uma forma lenta entra em improvisação livre (juntando-se aqui para o resto da viagem o saxofonista Steven Mackay, que irá rivalizar os solos com a guitarra de Ron Asheton). Eles tiraram as suas sugestões directamente da então contemporânea cena “avant-gard” “ jazz”, e culminam com o apocalíptico “L.A. Blues”, a única lógica conclusão, quase cinco minutos da mais chocante e pura dissonância que sintetiza o manifesto do álbum. Mas um dos aspectos mais importante deste álbum é a forma como as músicas funcionam como um todo coeso, e 40 anos após o seu lançamento original, quando até mesmo a sua editora recuou perante o seu ruidoso, sujo e brutal “rock’n’roll”, nada pode diminuir a energia pura e genialidade emaranhados nesta celebração irrestrita. “Funhouse” é “Detroit Rock” no seu melhor, servindo como crucial diagrama para o “punk”, “post-punk”, “new wave” e “noise/art rock”.
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06 setembro 2010

Pop # 14 - Luna - “Lunapark” (1992 Elektra)

Primeiro com os Galaxie 500, e seguidamente com os Luna, Dean Wareham conseguir formar uma elegante carreira a explorar os cantos e os recantos do auto-titulado terceiro disco dos Velvet Underground.
Tal como Lou Reed, Wareham é um mestre no jogo das palavras geradas a partir de conversas mendanas.
Mas onde Reed comemora as agrestes histórias do “underground” de Nova Iorque, Wareham prefere escrever canções de amor para os neuróticos urbanos que assombram as áreas do Lower East Side.
Escolher um disco favorito dos Luna, é então tão difícil como escolher entre “What Goes On”, “Pale Blue Eyes” ou “Beginning To See The Light” dos Velvet.
Mas, pelo menos hoje, fica aqui uma inclinação para o disco de estreia da banda.
Em “Bewitched” arredondaram a sonoridade da banda com um segundo guitarrista; “Penthouse” aperfeiçoa o estilo Luna; e “Pup Tent” acrescentou algumas lúdicas ondulações experimentais. O sonhador “Lunapark” é o que se sente mais relaxado e mais variado, com o ex-baterista dos The Feelies, Stanley Demeski e o ex-baixista dos The Chills Justin Harwood a trazerem uma sensação de firmeza e coesão na performance que por vezes faltava na derivação estética dos Galaxie 500 e com Wareham a providenciar melodias eternas e memoráveis na harmoniosa guitarra e nas elevadas vocalizações.
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03 setembro 2010

Extremos # 9 - Big Black – “Songs About Fucking” (1987 Touch & Go)

“Songs About Fucking” foi a destilação perfeita da filosofia do seu líder Steve Albini. Apesar de na altura Albini ter formado este trio “numa base informal”, já lá Um disco abrasivo, tenebroso, confrontacional, sem concessões ao “mainstream” e sem pretensões de possuir um valor socialmente redentor. Aqui a música surge na sua forma mais distorcida e perversa, sem tabus, uma vez que desafiou os ouvintes a aceitar ou rejeitar o seu agressivo som e desagradável conteúdo lírico.
A sonoridade do disco é avassaladora, como se fossemos atingidos por uma parede de som, e a chave para o duradouro apelo, encontra-se em grande parte na sua simplicidade, pois os Big Black destilaram a música “rock” através dos seus elementos mais básicos: guitarra, baixo e “drum machine”. E apesar desta abordagem minimalista, “Songs About Fucking” é dificilmente macio e torna-se verdadeiramente provocador – o que emerge é uma barragem de contundente e destripante “noise” que agride os tímpanos com uma mistura de desconcertantes rajadas de guitarra e pulsantes “beats” industriais. Tudo isto culminando com o demente e enlouquecido estilo vocal de Albini.
Os conceitos aqui lançados aqui são geralmente desagradáveis e niilistas, seja o sujo ruído de “The Power Of Independent Trucking”, as fracturadas “basslines” e a inumana programação de “Bad Penny” e “Columbian Necktie”, o “punk” agressivo de “L-Dopa”, a raiva do “proto” industrial “Precious Thing”, a sinistra “Kitty Empire”, ou o puro “feedback” e as empoladas, distorcidas vocalizações presentes em “The Model”, uma assombrosa versão do original dos Kraftwerk. E tudo isto através do que parece ser uma “incorrecta” mistura e engenharia das canções, pois as mesmas soam como se estivessem a sair através de um pequeno rádio portátil.
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