30 novembro 2010

Do fundo da prateleira # 25 - Papa M – “Whatever, Mortal” (2001Drag City)

Apesar da sua longa e diversa lista de colaborações em múltiplos projectos, no que toca às suas próprias sonoridades, David Pajo simplifica bastante as coisas e faz música sem preconceitos e sem artifícios
Desprovido de “acordes pop” ou drama narrativo, a atenção dos temas desloca-se para a materialidade do som: a velocidade de um “vibrato” de guitarra, o do deslizar dos dedos nas cordas de metal ou a distância entre as notas de um intervalo. Frases despidas são repetidas lentamente e sombreadas ou alteradas por outros instrumentos, criando teias sonoras, que se entrelaçam entre si.
Música que pode ter uma base “country” e “folk” e um espírito sempre muito americano – a que não são alheias as presenças de Will Oldham, Tara Jane O’Neil e Britt Walford e a omnipresença do banjo – mas que ai muito além, numa fusão das vertentes aérea e terrena que Pajo tem vindo a explorar nos últimos anos. E se “Whatever, Mortal” pode parecer à primeira um disco fechado e obscuro, quando os nossos ouvidos passam por temas como “The Lass of Roch Royal”, “Purple Eyelid”, “Krusty”, “Many Splendorer Thing” ou “Northwest Passage”, para apenas destacar algumas canções, rapidamente nos apercebemos que estamos perante uma obra de arte à leveza e à simplicidade.
Resumindo, música que qualquer mortal irá gostar.
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26 novembro 2010

My Favorites # 22 - Menomena – “Friend and Foe” (2007 Barsuk)

Desde o seu disco de estreia que os Menomena nos presenteiam com um absolutamente incrível trabalho artístico.
Neste disco apresentaram-nos outro vigoroso exercício, musicalmente como liricamente cheio de ideias, pois é impressionante a quantidade de momentos inteligentes e emocionantes que ficam connosco após a sua audição.
Eles fizeram como o seu foco principal, descarnarem a formula standard de composição e utilizando todos os aspectos da sua música para uma extensão absolutamente máxima de delicias sonoras.
As composições são imprevisíveis e complexas, no entanto as melodias são ágeis e sustentadas, numa muito própria imediata simplicidade, menos angular na sua entrega e isso torna-as mais fáceis de entender. Os seus momentos de quietude são preenchidos com estranhos saxofones, escuros e súbitos traços de piano e esmagadoras guitarras distorcidas, que espreitam a cada esquina, complementando toda a peculiar e divertida estrutura “pop” que a banda toca com perfeição em cada uma das doze faixas. Os Menomena certificam-se que cada instrumento utilizado é especificamente deles, e que o majestoso som de todas as canções é e soa claramente Menomena.A sua “assinatura” do modular “pop” que praticam é visivelmente eficaz no tema de abertura, o intrincado “Muscle’n’Flo”, um verdadeiro carrossel musical, que abre o caminho desta estranha viagem, que demonstra as dezenas de engenhosos e arrepiantes detalhes que são oferecidos no álbum, através do assombroso piano de “Wet & Rusty”, do verdadeiramente único negro “fun pop” de “Weird”, da saltitante linha de baixo e da bateria electrónica de “Evil Bee”, do “pop” fracturado de “My My”, ou do brilhantemente implacável “The Pelican”. E tal como os álbuns anteriores, a embalagem é surpreendente – o artista Craig Thompson fez todos os desenhos (um humorístico e infernal universo “freak”) e a sua sublime arte reflecte perfeitamente o som que o álbum revela.
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24 novembro 2010

Singles # 25 - Oasis – “Live Forever” (1994 Creation)

Na tarde do dia 9 de Abril de 1993, Noel Gallagher estava em casa quando o telefone tocou. Do outro lado estava Alan McGee. Ele assinou os Oasis depois de ouvir quatro “demos” – uma delas era “Live Forever”.
Sem grande surpresa, “Live Forever” tem as suas raízes noutra canção, Em Outubro de 1991 “Shine On Me” dos Rolling Stones, o seu refrão tem exactamente a mesma melodia que as linhas de abertura dessa canção, e que impulsionou Noel para escrever a primeira música que ele acreditava sinceramente poder ser um futuro clássico.
18 meses depois McGee e a banda estavam de acordo que a canção merecia ser o ser primeiro Top Ten. E se bem que “Supersonic” e “Shakermaker” já tinham construído o perfil da banda, “Live Forever” já constava do reportório dos seus concertos e rapidamente ganhou reputação mediante o aumento do estatuto da banda
Uma espécie de manifesto – apresentando o carácter da banda e estabelecendo tanto de onde eles vieram e ao que estavam a reagir.
Simultaneamente forjaram uma ruptura com a era “grunge” e acenaram à experiencias “acid house” de Noel: : “You and I are gonna live forever”, poderia ter saído da boca de qualquer “clubber” do final dos nos 80.
Em Agosto de 1994, “Live Forever” envolto numa capa que mostrava a casa onde John Lennon passou a sua infância, voou para o Top Ten, e as ultimas dúvidas sobre os méritos musicais dos Oasis (um pouco ocluída nessa altura pelo muito gin, coca e lutas) desapareceram.
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15 novembro 2010

Inovadores # 18 - Tuxedomoon – “Desire” + "No Tears" (1987 Crammed)

“Desire” foi inicialmente gravado em Inglaterra durante o ano de 1981, quando o grupo de São Francisco se encontrava exilado na Europa, e é o início de um novo ciclo para os Tuxedomoon, pois aqui abandonaram o pós-punk erudito que marcou o seu álbum de estreia na Ralph, inevitavelmente influenciado pelo som dos seus patrões - The Residents - para mergulharem no crepúsculo de uma música que aliava a nostalgia ao futurismo.
O extraordinário “Desire” (aqui reunido com o EP “No Tears”), combina canções letradas e dançantes com peças atmosféricas, utilizando ritmos automáticos, o violino "alien" de Blaine L. Reininger, o arsenal de efeitos electrónicos desconjuntados de Peter Principle e os teclados e sopros de Steve Brown, para criar registos utópicos, como na combinação de sons eléctricos com o clarinete praticada em “East”, que são capazes de se infiltrarem no sangue de um “rock-jazz” doente como um antibiótico, e servem canções sobre a decadência do amor e do Ocidente, através de melodias que capturam a mente e a alma, poemas em vez de letras, e inesperadas passagens musicais.
A maioria das pessoas pode caracterizar os Tuxedomoon como experimentalistas “underground”, mas a caracterização que mais se adequa será de essencialistas.
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Tuxedomoon - Litebulb Overkill

10 novembro 2010

Rock # 18 - Bardo Pond – “Amanita” (1996 Matador)

São bem evidentes as diferenças sonoras presentes no disco de estreia da banda de Filadélfia para a Matador, em relação a sonoridade tipicamente “basement-tapes” do anterior “Bufo Alvarius”, pois o surpreendentemente brilhante “Amanita” revela uma profundidade e maturidade que todos os seus esforços anteriores apenas insinuavam.
Tal como a maioria dos álbuns dos Bardo Pond, está recheado de intensas sonoridades “fuzzy” que giram e trituram, no entanto por debaixo de tudo isso existe sempre uma deslumbrante melodia como só mesmo eles são capazes de criar.
As influências são notórias: o psicadelismo dos anos 60, os Crazy Horse e claro os Sonic Youth.
Sombrio, pesado e hipnótico, atinge níveis superiores de massacre sonoro, camada após camada, através das trilhas de feedback das guitarras de John e Michael Gibbons e da irradiante flauta fantasmagórica da vocalista Isobel Sollenberger, sempre partindo do nuclear baixo pulsante de Clint Takeda, para criar algum da melhor música “psicadélica” das bandas contemporâneas.
Assim desde a monumental abertura com o denso e complexo “Limerick”, com as suas gritantes guitarras que criam tensão e a ressonante voz feminina, passando pela delirante experimentação sonora de “Rumination”, pela introspectiva e sensual “Be A Fish”, por essa densa valsa nuclear que reside em “High Frequency”, pelas distorcidas sinfonias celestiais de “Sentence”, até à conclusão com as texturas sonoras encharcadas de raiva presentes no tributo “RM”, seremos rapidamente absorvidos no lago (pond) e não sairemos pacificamente.
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05 novembro 2010

Extremos # 11 - Jad Fair And Daniel Johnston - “It’s Spooky” (1989 50 Skidillion Watts/ 1993 Paperhouse)

O brilhante e mentalmente perturbado Daniel Johnston é tão idolatrado pelos seus fãs como é desconhecido do “mainstream” da cultura “pop”.
As suas auto-editadas k7’s ou são inaudíveis trabalhos de um louco ou o frágil produto de um visionário “pop”, dependendo de quem perguntarmos (se perguntarmos a alguns obsessivos notáveis como Michael Stipe dos R.E.M., Matt Groening – criador dos Simpsons – ou aos vários membros dos Sonic Youth, todos eles dirão que Johnston é um génio. (Kurt Cobain que apareceu muitas vezes em público envergando uma t-shirt Johnston, diria o mesmo). Jad Fair, apesar de mais experiente e estável do que Johnston, é também uma figura de culto. Os Half Japanese, a banda que ele criou com o seu irmão David, foram determinantes para a formação do “punk” e “indie rock”.
Num encontro surreal em 1989, eles decidiram gravar “It’s Spooky”. O disco une as desleixadas emoções entusiasticamente “indie rock” de Fair com a pungência e melancolia que caracteriza a escrita de Johnston, e essa mistura de estilos atinge um efeito dramático em “Summer Tale”.
Mas a influência mais prevalente no disco, é Johnston, que emprega maravilhosamente quer as suas usuais figuras mitológicas quer o seu ameaçadoramente directo “mix” de figuras patetas, especialmente em “Tongues Wag In This Town” e na hilariante “Frankenstein Vs. The World”.
Mas quando Johnston se afasta da fantasia, e restringe-se à descrição anedótica, os resultados são magníficos. Em “I Did Acid with Caroline” descreve uma “trip” com uma amiga, de um forma admirável, que é impossível não sermos atingido pela sua sinceridade. Da mesma foram “McDonalds on the Brain”, um relato do período em que trabalhou na cadeia de “fast-food”, é simultaneamente divertido e indescritivelmente triste.
Em última analise, “It’s Spooky”, faz jus à promessa implícita nesta colaboração, pois quer Johnston quer Fair são tão talentosos e tão destemidos que cada um dos seus registos está inevitavelmente repleto de raros e estranhos tesouros.
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