30 dezembro 2008

High Places – “High Places” (2008 Thrill Jockey)

O duo Rob Barber e Mary Pearson esforçaram-se por fazer com que a sua sonoridade não se enquadrasse facilmente nos géneros habituais e apresentam-nos uma excitadamente única experiência auditiva. O facto do disco ter sido gravado no seu apartamento de Brooklyn, e a utilização de um conjunto de objectos domésticos mundanos, tornam os resultados dessas experiências muito terrenos.
Através de uma gradual e paciente construção de sons e dinâmicas sonoras onde a presença constante da voz demasiado doce de Pearson, que nos surge abafada de forma de a repercutir e a retardar, torna-a em mais um versado instrumento na incompreensível mistura de colagens rítmicas de “ruídos e sons” de Barber, criando uma música irregular, adequada para as alegres e meditativas letras infantis, cheias júbilo e surpresas, que invocam contos de fadas e dão às canções um sentimento de absorção.
O resultado é um conjunto de canções hipnóticas, impetuosas, soporíficas, normalmente dolorosamente doces que nos deslumbrem completamente. Desde as finas porções de electrónica e os oscilantes tons penetrantes de “The Storm” e “The Tree With The Lights In It”, passando pela maravilhosamente incerta percussão, da excelente literalmente “Vision’s The First”, pelos hesitantes “beats” de “Gold Coin”, pelo esplendorosamente apurado “electro-pop” de “From Stardust To Sentience”.
Algures num universo perdido entre Panda Bear e Aphex Twin.
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19 dezembro 2008

Canções de Natal II

Com um desejo de festas felizes para todos os visitantes do blog, anexo mais uma lista de canções alusivas à época, com a particularidade de também termos aqui incluidas duas versões para Ramones (por Asobi Seksu) e "King" Elvis Presley (por My Morning Jacket)

Asobi Seksu - Merry Christmas (I Don´t Want To Fight Tonight) (2007 do 7” homónimo)

Basement 5 - Last White Christmas (1980 do álbum “1965 – 1980”)

De La Soul - Millie Pulled A Pistol On Santa (1991 do álbum “De La Soul Is Dead”)

Housewives On Prozac - I Broke My Arm Christmas Shopping At The Mall (2004 do álbum homónimo)

Malcolm Middleton - Burst Noel (2005 do álbum “Into The Woods”)

Mogwai - Christmas Steps (1999 do álbum “Come On Die Young”)

My Morning Jacket - Santa Claus Is Back In Town (2000 do EP “My Morning Jacket Does Xmas Fiasco Style”)

Saint Etienne with Tim Burgess - I Was Born On Christmas Day (1993 do 7” “Xmas 93”)

Willard Grant Conspiracy - Christmas In Nevada (2000 do álbum “Everything's Fine”)

18 dezembro 2008

Covers # 7

Nestas noites frias a melhor coisa a fazer é mesmo ouvir umas musiquinhas no calor do lar. E em mais uma ronda pela prateleira, consegui relembrar algumas curiosas versões de canções bastantes conhecidas.

E neste conjunto, muitas delas foram grandes êxitos nesses "gloriosos" anos 80.

Esta em 1988:

Xiu Xiu - Fast Car (Tracy Chapman)


Esta liderou, em absoluto, os tops no distinto ano de 1982:

Violent Femmes - Do You Really Want To Hurt Me? (Culture Club)


E esta em 1987

JJ 72 - It's A Sin (Pet Shop Boys)



16 dezembro 2008

Blur - Formação original de regresso...

Li num site que os Blur vão regressar aos palcos com a sua formação original.
Será no Hyde Park no próximo mês de Julho. Despachem-se pois os bilhetes já estão à venda no site http://www.livenation.co.uk/. Preço de £45.00, com venda limitada e taxa de reserva.

E o segundo dia já está esgotado...

15 dezembro 2008

My Favorites # 12 - Iron & Wine – “The Creek Drank The Cradle” (2002 Sub Pop)

Este disco foi editado numa altura em que existiu um verdadeiro redescobrimento da música “folk” por parte do “underground” americano. Tivemos também os PG Six, Jack Rose, Six Organs Of Admittance, Joshua Burkett, etc, cada um utilizando fundamentos semi-baseados no ”folk” para transportar os ouvintes a um lugar especial. O que me chamou a atenção nos Iron And Wine”- um projecto de Sam Beam - foi o facto de a sua performance ser desprovida e descontraída com uma abordagem simples. Os “riffs” que ele exerce nas guitarras acústicas, eléctricas, banjos, etc, são tão directos como as mais singelas composições de uns Pearls Before Swine. Isto dá a sua forma de tocar uma emoção instantânea que nem todos os seus contemporâneos possuem.
O conteúdo lírico de “The Creek Drank The Cradle” é personalizado no método daqueles que estudaram os discos de Nick Drake, mas a atmosfera aqui é maduramente americana. Como o título do disco deixa explícito, Beam estava familiar com o peso icónico de certas palavras numa era onde se redescobriu o trabalho antológico de Harry Smith. Outras distintas influências americanas no seu trabalho são igualmente oferecidas sem pretensão. O encanto das suas melódicas composições e a sua entrega lançam sopros quer de David Crosby quer dos primórdios de Paul Simon, duas referências que são uma anátema para alguns, excepto os conscientes estudantes da tradição “folk” americana.
Para além de todas estas referências, o que torna este disco tão cativante é a combinação invulgar de elementos. A sua forma gentil e vacilante arrasta-me para as suas profundezas de cada vez que ouço. A forma como a gravação “lo-fi” combina com a mesmérica qualidade da guitarra circular e a sussurrante vocalização criam uma rara atmosfera holística.
Curiosamente, estranhei que um disco como este fosse editado numa editora associada a um tipo muito específico de “rock”. Mas é mais excitante pensar que a velha guarda do “underground” estava/está a expandir a sua mente para conter tudo o que é digno – independente dos géneros. Como deve ser.
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Iron & Wine - Southern Anthem

12 dezembro 2008

Extremos # 4 - Boredoms


“Chocolate Synthesizer” (1994 WEA Japan)
“Super æ” (1998 WEA Japan)
“Vision Creation Newsun” (1999 WEA Japan)


Os japoneses Boredoms liderados pelo incomparável Yamataka Eye criam uma música agradavelmente difícil. Originários de Osaka, uma cidade bastante próspera culturalmente, com grandes tradições no “noise” experimental e minimalista, evoluíram do abrasivo “punk” divergente que praticavam nos primeiros anos para uma sonoridade verdadeiramente única. (Essa evolução é bem visível ao longo dos vários “Super Roots”)
No início da década de 90, ganharam maior notoriedade com a colaboração de Eye nos Naked City de John Zorn e com a partilha de palcos com os Sonic Youth. E foram estes últimos que os encorajaram a elevar a sua música.
Primeiro surgem “Pop Tatari” (1992) e especialmente “Chocolate Synthesizer” (1994) dois discos totalmente antinaturais, mas que de um modo crescente, nos cativam com o seu fascinante, anárquico e primitivo “noise-rock”. As aparentemente incongruentes e delirantemente indomáveis partes (“hardcore punk”, psicadelismo, “free jazz”, “hip hop”,etc) encaixam perfeitamente e o caos furioso presente ao longo de “Pop Tatari” é no segundo disco subordinado, disciplinado, concentrado e amplificado.
“Super æ” (1998) foi o ponto de transição, uma verdadeiramente impressionante afirmação da criativa perspicácia musical que os caracteriza. Incorporando mais elementos de uma impetuosa electrónica e “jams” de “rock” psicadélico, com densos e grandiosos acordes, e essas incomparáveis percussões poliritmicas, a sua sonoridade aproximou-se mais de grupos como Tangerine Dream, Can ou Hawkwind. E aqui é bem evidente a energia e paixão que os Boredoms entregam em cada disco. Um dos mais originais discos dos anos 90.
“Vision Creation Newsun” (1999) é um disco maravilhosamente focado e aerodinâmico. As frenéticas percussões tribais sustentam uma ditosa electrónica, “riffs de rock psicadélico e cânticos transcendentais. Os Boredoms parecem ter uma instintiva interpretação/compreensão da relação entre tensão e desprendimento, entre a dinâmica e a importância de espaço vazio. Um vibrante e voluto opus psicadélico.
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10 dezembro 2008

The New Year – “The New Year” (2008 Touch & Go)

Um disco que exige a nossa atenção, pois gentilmente nos envolve na sua subjugante “Wall of Sound” em mais uma gloriosamente impura produção de Steve Albini.
A música é extraordinariamente consistente, e as cáusticas e intimistas letras mantêm-se como o centro emocional na senda dos extintos Bedhead, cujo núcleo central constitui agora este grupo.
Com um sonoridade muito própria, baseado no glaciar entrelaçamento das guitarras, com a incorporação ocasional do piano para um efeito estimulante e um enormemente sóbrio trabalho de bateria a cargo de Chris Brokaw (ex-Codeine), harmonizadas perfeitamente com as vocalizações abatidas e frágeis de Matt Kadane, dão uma beleza luminosa às canções.
Ouçam a forma como “Folios” começa com a guitarra acústica e depois é cercada pelas guitarras eléctricas, bateria e órgão num crescendo até à triunfante pequena altercação próximo do fim. A forma perfeita como o ondulante piano e a vigorosa melodia de “The Company I Can Get” coabitam com as sarcásticas mas divertidas vocalizações. Como as mudanças, na imersa em “feedback” “The Idea Of You” demonstram um equilíbrio dinâmico. Ou a complexidade, mas de interpretação simples da emotiva” The Door Opens”, da agridoce “MMV”, da existencialista “Body And Soul”
Um disco sólido, recompensador, encantadoramente e dedicadamente elaborado.
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The New Year - The Company I Can Get

09 dezembro 2008

Electronic # 6 - Black Jazz Chronicles – “Future Juju” (1998 Nuphonic)

A palavra “jazz”, mesmo no seu formato mais ”futurista”, leva muitas pessoas a duvidarem, ou mesmo a evitarem tudo o que rodeia a mesma.
Assim quando Ashley Beedle, conhecido pela sua colaboração nos projectos X-Press 2, Ballistic Brothers e Black Science Orchestra, editou o seu primeiro disco a solo, a pergunta foi…seria este um desses impenetráveis, dissonantes e abstractos objectos? (Pois só quem passou 20 anos a meditar profundamente sobre os melhores momentos de Miles Davis é que normalmente é referenciado). Felizmente não. “Future Juju” é provavelmente o melhor trabalho publicado por Beedle. E isso quer dizer alguma coisa.
Obviamente bastante enraizado nas raízes da história da música negra e nas invocações dos anos 70, mas nunca excluindo as tendências actuais. O que retira do “jazz” é uma terrível atmosfera de antigos ritmos tribais, de jogos de percussão africana, de rituais “voodoo” representados para uma nova era digital. Começa e acaba com um melodioso solo de piano, mas o que se encontra entre essas faixas é um disco que nos transporta desde uma noite em Marrakesh até a um amanhecer em Kalahari. A falta de intervalos entre os temas, previne uma exploração “faixa-a-faixa”, razão suficiente para dizer que “Future Juju” situa-se entre os discos de Kirk Degiorgio para a Mo’Wax e os cantos hipnóticos de Fela Kuti (a cuja memória o disco é dedicado), entre o “funk” electrónico de Carl Craig e os místicos cânticos de louvor ao espaço de Sun Ra.
Não é uma viagem difícil, mas uma que revela mais contornos escondidos com cada audição.
Afrocêntrico, excêntrico, e deslumbrantemente ecléctico.
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04 dezembro 2008

Compilação # 3 - ESG – “South Bronx Story” (2000 Soul Jazz)

Primeiro de tudo, temos de agradecer à senhora Scroggins, pois esta, para que as suas filhas não ficassem nas ruas e assim pudessem cair nas tentações do South Bronx, comprou-lhes alguns instrumentos musicais. As irmãs alinharam e cedo começaram a criar excertos musicais onde tentavam copiar o som de James Brown. O passo seguinte foi participar em alguns concursos de talentos, e num desses Ed Bahlmann, dono da pequena editora independente 99 Records, vê algo de especial naquelas adolescentes, e sobre a sua alçada coloca-as a partilhar os palcos com os seus futuros companheiros discográficos - Liquid Liquid e Konk. Impressionado também ficou o patrão da Factory, Tony Wilson, quando as viu em Nova Iorque, e que de imediato se ofereceu para editar o seu trabalho. Assim em 1981 gravaram as três canções - “You’re No Good”, “U.F.O.” (uma das canções mais sampladas da história) e “Moody” – que iriam constituir o seu primeiro single, e que seriam produzidas à distância em Manchester por Martin Hannett. Rapidamente se tornaram muito populares no circuito de dança de Nova Iorque, que apadrinhou especialmente “Moody” e iriam partilham o palco com gente como A Certain Ratio, Gang Of Four e P.I.L..
Todo isto porque conseguiram criar um tipo de “funk” minimal, primitivo e repetitivo, muito próprio, com ritmos esqueléticos, baseado essencialmente no baixo e percussão, que agradou a brancos (pelo minimalismo associado ao punk) e a negros (pela insistência rítmica).
Para além dos três temas mais conhecidos, destacam-se o mini-ritmo distinto de “Tiny Sticks” e a fascinante simplicidade de “My Love For You”. Mas até no mais recente e convencional “Erase You” as ESG nunca perdem a sua cândida identidade.
Problemas legais com a 99 Records fizeram com que os registos discográficos fossem poucos (somente dois álbuns de originais, o último de 1991), mas esta compilação, que agrega o essencial, permite regalar-nos com a pura inocência da banda e demonstrar que com ritmos simples se podem criar belos momentos musicais.
A positiva reacção a esta mesma compilação fez com que regressassem ao activo e editassem mais dois álbuns, “Step Off” em 2002 e “Keep On Moving” em 2006. E actualmente ainda são vários os músicos, de géneros como o hip-hop, passando pelas Luscious Jackson ou Le Tigre, que nunca esconderam a sua forte admiração.
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02 dezembro 2008

My Favorites # 11 - The Cure – “Pornography” (1982 Fiction)

Esta é inquestionavelmente a hora mais negra de Robert Smith. Todos os momentos de “Pornography” são assustadores, desesperantes e angustiantes, nunca os The Cure soaram tão frios e rancorosos, nem a música “rock” tinha sido tão opressiva e claustrofóbica. Cinco anos após o apogeu dos Sex Pistols e The Clash, este era o seu momento de violência “punk”, nada como os anteriores, mas na mesma furiosa e niilista. Foi um marco no movimento “pós-punk” onde apenas rivaliza com “Closer” dos Joy Division. Mas é um disco colossalmente criativo pois contém alguma da música mais sepulcral já criada. O facto de na altura Smith ser um regular utilizador de LSD, e que mal falava com os seus companheiro, é evidente na forma como a sua voz frágil é levantada por impiedosos gritos de agonia, surgindo desesperado e transtornado. Assim como os rígidos ritmos - a forma mais dissonante e extenuante de tocar guitarra, os tons lúgubres dos sintetizadores, o baixo sorumbático, a forma monótona e mecânica de tocar bateria de Lawrence Tolhurst criam um absoluto sentimento de inércia ao longo do disco – são factores que contribuem para a triste aura deste convidativo disco. Este começa com a frase: “It doesn’t matter if we all die”, retirada de “One Hundred Years”, cheia de desespero e desejo não correspondido. Seguem-se os hipnóticos hinos fúnebres “Siamese Twins” e “The Figurehead”, a tribal “The Hanging Garden” que é provavelmente uma das melhores canções dos The Cure, “A Strange Day” que é dominada pelo presente sentimento de raiva, mas com algo contíguo em beleza oculto no seu interior. E a faixa-título é uma claustrofóbica e completa descida aos abismos da total loucura, como deve ser o fecho de um disco destes.
Smith revisitou este disto com “Disintegration”, em 1989, que a par deste, continuam a ser as suas obra-primas. E estes são os The Cure com que me identifico, e não os de “Friday I’m In Love”.
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