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10 fevereiro 2011

Inovadores # 18 - Cluster – “Cluster 71” (1971 Philips)

“Cluster 71”, foi uma fantástica viagem sonora criada por Dieter Moebius e Hans-Joachim Roedelius no ano de 1971 para a editora Philips, antes de se mudarem para a editora Brain, e sempre foi indevidamente negligenciado na sua carreira, e nem mesmo o sempre constante revivalismo “krautrock” se lembra dele.
Na altura julgado demasiado pesado e teutónico, é um registo presciente pois prefigura muita da música dos séculos XX e XXI, nomeadamente o “illbient” por 20 anos, com partes a soarem estranhamente como DJ Spooky.
Edificado por Conny Plank, as três intituladas faixas formam escuros ecos em torno de frios e repetitivos padrões de sintetizador, com “drones” electrónicos em dissolução e esporádicos sinais de alerta, fundindo as novas possibilidades de produção de ruído electrónico com as repetições e as ressonâncias do “dub”.
Um tipo de “space music” mas com uma grande ressaca, os seus estridentes sintetizadores serpenteiam para as profundezas através de um ofuscante movimento sonoro rotativo, enquanto fragmentos de irregulares batidas evocam um disforme “techno”.
Ao longo dos anos, os muitos que tentaram recriar a vasta solidão do infinito, geralmente surgiram com algo parecido com o que aqui foi realizado. Mas surpreendentemente, este disco atinge a atmosfera e a sonoridade intentada mais do que qualquer equipamento contemporâneo provavelmente conseguiria.
Um disco verdadeiramente absorvente.
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15 novembro 2010

Inovadores # 18 - Tuxedomoon – “Desire” + "No Tears" (1987 Crammed)

“Desire” foi inicialmente gravado em Inglaterra durante o ano de 1981, quando o grupo de São Francisco se encontrava exilado na Europa, e é o início de um novo ciclo para os Tuxedomoon, pois aqui abandonaram o pós-punk erudito que marcou o seu álbum de estreia na Ralph, inevitavelmente influenciado pelo som dos seus patrões - The Residents - para mergulharem no crepúsculo de uma música que aliava a nostalgia ao futurismo.
O extraordinário “Desire” (aqui reunido com o EP “No Tears”), combina canções letradas e dançantes com peças atmosféricas, utilizando ritmos automáticos, o violino "alien" de Blaine L. Reininger, o arsenal de efeitos electrónicos desconjuntados de Peter Principle e os teclados e sopros de Steve Brown, para criar registos utópicos, como na combinação de sons eléctricos com o clarinete praticada em “East”, que são capazes de se infiltrarem no sangue de um “rock-jazz” doente como um antibiótico, e servem canções sobre a decadência do amor e do Ocidente, através de melodias que capturam a mente e a alma, poemas em vez de letras, e inesperadas passagens musicais.
A maioria das pessoas pode caracterizar os Tuxedomoon como experimentalistas “underground”, mas a caracterização que mais se adequa será de essencialistas.
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Tuxedomoon - Litebulb Overkill

21 setembro 2010

Inovadores # 17 - Alexander “Skip” Spence – “Oar” (1969 Columbia)

Este brilhante álbum – um progenitor dos movimentos “lo-fi” e “psych-folk” – foi concebido enquanto Spence esteve preso num notório hospital psiquiátrico. Ele tinha sido internado nessa instituição depois de, completamente alucinado com ácidos, ter tentado agredir com um machado o seu colega dos Moby Grape, Don Stevenson.
Gravado em três faixas, e absolutamente a solo, “Oar” representa um tipo de exploração psicadélica interior que não iria encontrar um público real durante décadas.
Profundo, intenso e comovente Spence vagueia de um modo existencialista entre a psicologia (a incrível “War In Peace”), e faixas de meditação (“Grey/Afro”), tudo encravado entre momento de humor genuíno e comovente tristeza.
Seria incorrecto dizer que a editora não apoiou a edição do disco, pois teve anúncios nas revistas de música americanas e foi mesmo criticada de forma muito positiva na revista Rolling Stone. Mas com um conjunto de canções tão sombrias e com a aceitação da sua desesperança, nunca existiu uma verdadeira hipótese de os “hippies” se prenderem e ele.
É essencial que se aborde este disco com uma mente aberta, pois se apenas o analisarmos superficialmente, não é nada mais que um registo de refugos induzido por drogas. Mas se olhar por debaixo da superfície, descobrimos algo verdadeiramente extraordinário.
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25 junho 2010

Inovadores # 17 - Ash Ra Tempel - “Join Inn” (1973 Ohr)

Os Ash Ra Tempel fundiram um denso psicadelismo com sobrecargas de electrónica e no processo tornaram-se pioneiros do movimento “space-rock” alemão. Formados em 1970 pelo guitarrista Manuel Göttsching, pelo baixista Hartmut Enke e pelo também elemento dos Tangerine Dream, Klaus Schulze, gravaram uma série de extraordinários e resplandecentes discos durante a primeira metade da década de 70. Discos como “Schwingungen”, “Seven Up”, “Join Inn”, e o seu disco homónimo de estreia são de audição obrigatória para quem estiver interessado na história da “kosmische musik”. E apesar de com o passar dos anos se terem afastado das sonoridades “acid-rock” para terrenos mais diversos, como uma primária electrónica, e de serem popularmente perceptíveis como o arquétipo trio “freeform” dos “krautrock”, Göttsching, Enke e Schulze produziram alguma da mais potente exploração do período.
O muitas vezes menosprezado “Join Inn”, é constituído apenas por dois longos temas instrumentais (e aproxima-se mais do seu disco de estreia), e foi o último capítulo quer para Schulze (que abandonou para prosseguir uma carreira a solo) quer para Enke (que abandonou totalmente a realidade consensual, ao ser vitima de uma doença mental) nos Ash Ra Tempel.
“Freak’n’Roll” é uma apelante viagem espacial desfigurada pela confiante progressão “blues” de Göttsching (aqui em grande forma), uma sua nova predilecção que surgiu e alterou o disco anterior dos Ash Ra Tempel – o ultrajante “Seven Up”. Reciprocamente, o outro tema, “Jenseits” é um ditoso épico cósmico com alongados diáfanos de guitarra trémula em modo elusivo que coagulam as progressões pendulares do baixo de Enke, enquanto diversas tonalidades sonoras provenientes do sintetizador de Schulze flutuam. Simplesmente encantador.
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22 março 2010

Inovadores # 16 - Fire Engines – “Lubricate Your Living Room” (1980 Pop:Aural)

Este mini-álbum do grupo de Edinburgo ofereceu a mais fresca das várias abordagens sobre a guitarra eléctrica que surgiu no “pós-punk” escocês. Em apenas 18 meses, de uma forma caótica e sem convencionalismos, e através de 3 “singles” e um mini-LP, conseguiram deixar um durável impacto no “pós-punk” em geral.
Considerados como uma das mais importantes bandas do fértil movimento “pós-punk” escocesas do inicio do anos 80, a par com os mais “pop” Orange Juice e os ligeiramente mais acessíveis Josef K, os Fire Engines extraíram das mesmas similar influências, mas inclinaram-se numa direcção mais sombria e abrasiva - The Velvet Underground, Television, The Pop Group, The Fall .
Os guitarristas David Henderson e Murray Slade desbobinavam contorcidas, dissonantes linhas de energia que indicavam obsessão e confusão. A música, abrupta mas “funky”, discordante mas melódica, concisa e energética, reivindicou o “riff” de volta do “rock” – todas as composições são fabricadas a partir de inoportunos e repetidos acordes de baixo e guitarra. Mas não existia nenhuma comunhão com os regulares ritmos “rock” – a banda assentava no forte golpear, mas de invulgar andamento do ruidoso tambor de Russell Burn (que não utilizava címbalos ou “hi-hats”). As vocalizações de Henderson eram frequentemente guinchos e as canções eram essencialmente instrumentais de guitarra, mas fundamentalmente isso não interessava, pois existia uma contagiante, frenética energia presente na música.
O interesse da banda em perverter as neuroses do consumismo estava bem reflectido quer na embalagem (o disco originalmente vinha num saco de plástico) quer nos títulos humorísticos como “Plastic Gift” e “New Thing In Cartons”. Ouvindo o disco hoje, essa “lo-fi”, “live in the studio” abordagem, ainda surpreende pela invulgar sonoridade que a banda conseguiu atingir – o áspero, electrizante prurido das guitarras e a desprezível corpulência da impetuosa bateria.
Ainda tentaram seguir um aclarado “pop” com “Candyskin” (1981) e o acessível “Big Gold Dream” (1981), os seus últimos “singles”, mas terminaram imediatamente a seguir, tendo Henderson prosseguido carreira com os WIN e os The Nectarine Nº9, estando actualmente nos The Sexual Objects.
Mas ficamos com este rápido e delirante disco, que não poderá ser repetido.
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04 novembro 2009

Inovadores # 14 - Tortoise - “Tortoise” (1994 Thrill Jockey)

A história da música alternativa americana foi involuntariamente alterada em 1993 quando um conjunto de membros de bandas como Bastro, Tar Babies, Gastr Del Sol e Eleventh Dream Day (apenas para numerar alguns) entraram no estúdio Idful Music Corporation em Chicago. As sessões daí resultantes produziram um elegante trabalho. Simultaneamente rico e esquelético, era uma brilhante e totalmente instrumental exploração de ritmo e fidelidade (uma verdadeira exploração sonora, reflectiva e cerebral), que busca inspiração – sem directamente referenciar - no “dub”, no “jazz”, no “krautrock”, no “funk”, na música electrónica e no pós-punk, que criava ilimitadas possibilidades.
Jubiloso, austero e cáustico, está recheado de ritmos tensos e tremeluzentes, e distintivas dinâmicas, onde a música nunca varia de velocidade, e que é em iguais partes dócil quietude rítmica e um muito particular e refinado som cerebral.
O próprio Steve Albini interminavelmente divulgou o disco, e chegou mesmo a declarar que este era o melhor disco alguma vez feito em Chicago. Dan Bitney, John Herdon, Douglas McCombs, Bundy K. Brown e John McEntire deram-nos um disco que se assimila com simplicidade e como os vários admiradores provaram, é também um disco fácil de prestar homenagem.
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Tortoise - Onions Wrapped In Rubber

29 julho 2009

Inovadores # 13 - Neu! – “Neu! 75” (1975)

Provalvelmente, e em conjunto com os Can e os Faust, os Neu! foram os melhores representantes do “krautrock”. Este exemplar notável, é tal como os dois discos anteriores, um trabalho fascinante e que ainda hoje não soa datado. Mas este foi também o álbum onde deixaram completamente de lado a sua componente mais abstracta, que dominou os dois primeiros discos, e incorporaram melodias e ritmos mais estruturados, tornando-o no mais consistente e mais audível.
Criado após uma separação inicial, a reunião resultou num esforço esquizofrénico, onde belas texturas sonoras e ruído, se fundem com guitarras flutuantes e uma percussão rítmica verdadeiramente única para criar no ouvinte um efeito verdadeiramente hipnótico.
O disco divide-se entre a abordagem mais ambiental e minimalista de Michael Rother e o “rock” abrasivo e impetuoso infundido pelo demente Klaus Dinger (e a sua irresistível batida repetida conhecida como “motorik”). A primeira parte, mais sedativa e mais melódica, inclui os sedutores e melodiosos teclados de “Isi”, a derivante imponência de “Seeland”, e a quietude hipnótica de “Leb Wohl” é de Rother, e onde estão ausentes as usuais e regulares batidas de bateria. Já a segunda parte é toda de Dinger (onde ele geme e grita), e está recheada de guitarras inflamáveis e ondulantes, e estranhos efeitos electrónicos, que criam paisagens sem expressão, evidenciadas no “proto-punk” de “After Eight” ou no agressivo “Hero”.
Mas o resultado final demonstra que apesar das diferenças globais entre Rother e Dinger nas suas abordagens sonoras e mesmo nas suas personalidades, eles conseguiam produzir em conjunto alguma da melhor música de sempre. Deixaram-nos três registos altamente originais e sem precedentes, e exerceram uma enorme influência em muita da moderna música alternativa, desde o “punk”, passando pelo “techno” de Detroit até ao pioneiros “lo-fi”. E isso é evidente nas várias referências proferidas por gente tão diversa como por exemplo, John Lydon , Negativland, Stereolab, Spacemen 3, Add N To X ou Wire.
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23 fevereiro 2009

Inovadores # 12 - Silver Apples – “Silver Apples” (1968 Kapp)/ “Contact” (1968 Kapp)

Alan Vega dos Suicide costumava citar o nome dos Silver Apples como a principal influência para as suas estranhas psicoses sonoras. Nada soava como os Silver Apples quando o duo apareceu em 1968. Era uma rígida, embora pulsante e hipnotizante apropriação do “rock” para além dos seus limites. Se bem que o apetite pela experimentação inevitavelmente conduziu muitos grupos a introduzir instrumentos electrónicos, foram os SA, que desde o princípio, ousaram abandonar todos os outros instrumentos para estender e capturar o som do futuro.
Simeon Coxe deixou Nova Orleans com 21 anos para tentar a sua sorte como pintor em Nova Iorque. Mas um encontro casual com o compositor Hal Rodgers, iria mudar o seu rumo. Este mostrou-lhe o “oscillator” que tinha ligado ao seu equipamento “stereo”. Era a primeira vez que Coxe via de perto um instrumento electrónico, e ficou totalmente fascinado pelos sons alienados que produzia. Posteriormente Coxe adquiriu o instrumento, que iria costumizar e que viria a ser a base do futuro som dos Silver Apples.
Antes ainda teve algumas experiências com outros grupos, que se foram distanciando de Coxe pelo facto de este querer introduzir gradualmente mais electrónica, até que um dia ficou sozinho com o baterista Danny Taylor, que tinha tocado com Jimi Hendrix e por isso não era facilmente perturbado por ruídos antinaturais, e ambos decidiram formar os SA.
O seu primeiro disco foi editado por uma pequena editora chamada Kapp em 1968, suportado pela surpreendente capa prateada com o recorte de duas maças a negro. A música era uma unicamente híbrida mistura de dinâmicas “rock” - cortesia da sintonizada bateria de Taylor - de caprichosa electrónica e de poesia fornecida por vários conhecidos da banda. Para o segundo disco tiveram acesso a um estúdio de 24 pistas, com uma mesa de mistura que se parecia com a consola de um avião. Isso seria espelhado em tom de brincadeira na capa do disco, onde aparecem fotografados dentro do “cockpit” de um avião real da Pan Am.
Mas seria também o inicio do fim, a companhia aérea ameaçou avançar com uma acção judicial, a que se seguiu um conflito com o agente da banda relacionado com dividas contraídas, que iria impedi-los de actuar ou gravar, e que eventualmente acabou com a banda.
No final do século passado surgiu um interesse pelo trabalho do grupo através de tributos prestados por gente como Xian Hawkins, Flying Saucer Attack, Third Eye Foundation e Spacemen 3. E chegaram a gravar um disco mediano com Steve Albini, mas é neste dois discos que está um importante capítulo da evolução musical.

23 janeiro 2009

Inovadores # 11 - Pere Ubu - “The Modern Dance” (1978 Blank) / “Dub Housing” (1978 Chrysalis)

Um dos grupos mais importantes dos últimos 30 anos, os Pere Ubu, formaram-se em Cleveland, uma cidade industrial orgulhosamente decadente, que fomentou o sentimento de reclusão e a simpatia pelas ruínas da industrialização que serviriam de inspiração para a formação dos mesmos.
Liderados pelo seu ideólogo e arauto, David Thomas, descrevem um mundo onde os propósitos foram modificados e servem a banda-sonora desse mesmo mundo em mutação.
Embora afastados de Nova Iorque, de onde eclodiu o “punk”/ “new wave” americano – Patti Smith, Television, Talking Heads – os Pere Ubu estavam próximos em temperamento, eram o lado sombrio dessa geração. Tiveram poucos antecedentes e poucos seguidores (só se referenciar-mos o projecto embrião Rocket From The Tombs), nesta sonoridade muito própria, que decididamente não será “punk” (nem sei se eles próprios o sabiam), mas que resulta na singular mistura do “art-rock” de Captain Beefheart, com as indolentes texturas “avant-garde” – os ritmos opostos, as guitarras dementes, a temerosa electrónica, o abstracto “noise”, as vibrantes psicóticas vocalizações de Thomas – gerando um importuno mas vigoroso “rock”.
Os seus dois primeiros discos são realmente especiais, fenomenalmente inventivos e proféticos, onde temos que reconsiderar todas as ideias preconcebidas do que é harmonia, melodia e ritmo.
Em “Modern Dance” (1978) (com a sua exótica capa - um trabalhador operário do antigo regime soviético com sapatos de “ballet”) Thomas canta sobre a sua incapacidade de comunicar, sobre a sua confiança na namorada para protege-lo contra o mal, ou sobre o pânico resultante da possibilidade de relações íntimas, e divide-se entre um gorjeador melodioso ou um relinchar explosivo. Destacam-se obviamente a pós-traumatica “Non-Alignment Pact” e “Life Stinks” que ainda hoje soam agressivas e niilistas, e ainda a psíquica “Sentimental Journey”, “Street Waves”, “Real World” e “Humor Me”.
Em “Dub Housing” a mescla é fantástica, desde as contagiantemente “funky” “Navvy” ou “On The Surface”, passando pelas experimentações “noise” de “Thriller” ou “Blow Daddy-o”, pela levemente oscilante “Drinking Wine Spodyody”, pelo “psico-pop” de “Ubu Dance Party”, ou a brilhante “Caligari’s Mirror”, que captura magnificamente a tensão entre paranóia e hilaridade, sempre presente na gelada tonalidade que percorre este disco, com Thomas completamente psicótico, a derramar torrentes de conscientes divagações que obviamente influenciaram Black Francis e os seus Pixies.
Uma experiência nada fácil.
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Pere Ubu - Non-Alignment Pact
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Pere Ubu - Navvy

24 outubro 2008

Inovadores # 10 - Associates – “Sulk” (1982 Beggars Banquet)

“Sulk”, foi uma distinta revolta contra os tons negros predominantes do pós-punk (cuja capa do disco bem o serve para ilustrar). Seria o último álbum de originais de uma trilogia de obras-primas (incluir “The Affectionate Punch” e”Fourth Drawer Down”) que os Associates iriam editar, e será provavelmente o mais acessível dos três, e onde as suas canções mais conhecidas estão incluídas.
Mas ao contrário de muitos disco dos anos 80, que se condenaram sonoramente a eles próprios a ficar encarcerados nessa década, este, como o passar dos anos, parece cada vez mais actual do que aquando da sua edição. E se, segundo reza a história, como o processo de gravação foi longo, felizmente o seu resultado final não resultou em nada de confuso ou desapontante, mas sim num grande disco “pop”.
Da combinação dos talentos do multi-instrumentista Alan Rankine, que criou uma música antinatural baseada em camadas sonoras de singularidade sintética, com as vocalizações eloquentes e transcendentais de Billy MacKenzie, resultou um disco conceptual, com a primeira metade (lado A no antigo vinil) a levar-nos para as trevas, com as canções mais sinistras, e com a segunda metade a restituir-nos a claridade, com as mais calmamente melódicas.
Ficaram peças únicas e extravagantes, como a alienada “Party Fears Two”, a incrível “Club Country”, a fantástica “Gloomy Sunday”, ou a maníaca cacofonia de “Nude Spoons”. E outras que amadureceram magnificamente como “Skipping”.
Se o suicídio de MacKenzie, poderá ter-lhe assegurado um estatuto de culto, é aqui que verdadeiramente conseguimos ouvir, através da sua elevada voz, a sua alma torturada e o seu grandioso espírito.
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03 julho 2008

Inovadores # 9 - Brian Eno / David Byrne - “My Life In The Bush Of Ghosts” (1981 EG)

Quando Brian Eno, conhecido pelo seu envolvimento com Roxy Music, Cluster e David Bowie, para além de ter criado o conceito de “ambient music”, colidiu com David Byrne, o excêntrico líder dos Talking Heads, era previsível que algo de extraordinário estaria para acontecer. Eno produziu o segundo disco dos TH, o subestimado “More Songs About Buildings”, e esteve ainda mais envolvido nas brilhantes obras-primas “Fear of Music” e “Remain In Light”. Assim tornou-se natural que os dois realizassem um disco em conjunto, e “My Life In The Bush Of Ghosts” é o resultado dessa colaboração.
Inspirações podem ser encontradas em “Movies” de Holger Czukay, nas colaborações de Eno com Jon Hassell (“Fourth World Vol.1”), e até no lado B de “Low”. Musicalmente, é um impetuoso desvio para territórios bizarros, até para os seus padrões, mas ambos se encontravam num máximo criativo, e a forma como misturam “samples” vocais de rituais de exorcismo, sermões evangélicos e “world music” com ritmos tribais, insidiosas guitarras minimalistas, subtis texturas de sintetizador, e a sensibilidade “funk” de Byrne, permitiu a criação de um disco verdadeiramente único.
O irregular e desvirtuado “America Is Waiting”, o ameaçador “Mea Culpa”, o assombroso “Regiment”, (excelente trabalho de guitarra e com a participação da cantora Libanesa Dunya Yusin), o admirável “Help Me Somebody” (“sampla” os sons de um aviário acompanhados pelo exaltado apelo de um pregador), a desagradável intensidade de “Jezebel Spirit” (“sampla” vozes de rituais de exorcismo, acompanhada por uma batida imparável), ficam gravadas na nossa mente. Não é de audição fácil, provavelmente soando mais como um moderno disco de electrónica experimental, sendo difícil de conceber que foi produzido à mais de 25 anos, e claro, muito do que se seguiu musicalmente, tem aqui as suas raízes.
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Brian Eno & David Byrne - America Is Waiting

18 fevereiro 2008

Inovadores # 8 - Melvins – “Bullhead” (1991 Boner)

Os Melvins sempre gostaram de baralhar a indústria musical, e ao longo dos anos, variaram entre estilos como noise, punk, metal ou stoner rock.
Será difícil ficarem na história do “rock”, mas podem ficar com uma nota de rodapé no capítulo dedicado aos Nirvana, por dois motivos: a passagem do baterista Dale Crover pela banda de Kurt Cobain, e pelo facto de terem criado uma versão descarnada, arrastada e psicótica do metal original dos Black Sabbath, ajudando a conceber o que mais tarde viria a ser apelidado de grunge.
O terceiro disco dos Melvins, “Bullhead”, é maravilhosamente grotesco, onde o grupo criou uma completa desordem naquilo que o “rock’n’roll” é suposto ser.
Aqui criaram uma densa superfície de fúria metálica forjada numa orgia de “feedback” em conjunto com uma pura e absoluta demência.
O disco começa abrasivamente com “Boris”, nove minutos de “riffs” de guitarra maciçamente repetitivos, e o magnifico trabalho realizado na bateria por Dale Crover, que torna impossível conseguimos acompanhar o ritmo.
“Anaconda” e “Ligature”, “Zodiac” seguem o mesmo brilhante caminho. Os ritmos são diminuídos até ao excruciar da morosidade.
O disco fecha com “Cow”, um dos melhores solos de bateria que já ouvi. Apesar de Dale Crover não ser um tecnicista, ele parece estar em lamúria sobre a bateria.
“Bullhead” é um exercício de resistência, completamente implacável na sua existência com a acessibilidade.

01 fevereiro 2008

Inovadores # 7 - Yellow Magic Orchestra

“Yellow Magic Orchestra” (1978 Alfa)
“Solid State Survivor” (1979 Alfa)
“Technodelic” (1981 Alfa)



Formados em 1978 pelo talentoso Ryuichi Sakamoto, pelo veterano Haruomi Hosono, e pelo percussionista Yukihiro Takahashi produziram onze discos, até ao seu término em 1984. Para mim, estes três são aqueles que melhor os representam.
Surgiram na altura da ascensão do Japão como inovador tecnológico, utilizaram sequenciadores, sintetizadores, samplers e caixas de ritmos, quando ainda eram regularmente a excepção
São frequentemente esquecidos quando se faz referência aos artistas que desbravaram caminho na evolução da música electrónica.
Criavam um divertido “techno-pop”, ou “twisted pop”, se preferirmos, mas onde nunca esconderam a sua paixão pelos Beatles (daí as versões).
Estes músicos já tinham assimilado todas as experiências primárias realizadas anteriormente com música electrónica, e deram um salto qualitativo para uma fase mais avançada, só que ainda não tinha sido inventado um tipo música para classifica-los. Pois ao contrário de uns frios Kraftwerk ou dos seus aprendizes britânicos como Gary Numan ou John Foxx, que tendiam perseverantemente para a ficção científica, os YMO ofereciam divertidas delicias “pop” totalmente descaradas.
Quando surgiu o disco homónimo de estreia, foram ignorados pela imprensa ocidental, que não se conseguir afastar da cacofonia criada pelos fortuitos ruídos electrónicos que abrem o disco. E assim não descobriu as esquadrilhas melódicas do psicadélico “Simoon” ou do irreflectido “disco-feel” de “La Femme Chinoise”.
Com “Solid State Survivor”, tentaram fugir do ecletismo presente no disco de estreia, e abordaram um som mais “mainstream”, mas nem por isso menos arrebatador. Desde o balouçante instrumental “Technopolis”, passando pelo belíssimo “Absolute Ego Dance”, ou pela sinuosa e pungente melodia de “Insomnia”, este disco está repleto de excelentes momentos.
Em “Technodelic” acontece mais uma reviravolta, criam um disco mais negro, cheio de vozes sinistras, ritmos incomodativos, percussões industriais destruidoras. “Epilogue” de Sakamoto, dá o mote, com uma melodia dilacerante.

24 janeiro 2008

Inovadores # 6 - Steve Hillage - “Rainbow Dome Musick” (1979 Virgin)

Esqueçam todos os discos de rock progressivo que Steve Hillage editou ao longo da sua carreira, e foquem-se neste “Rainbow Dome Musick”, que é actualmente considerado como um percursor (juntamente com o trabalho de Brian Eno) no que seria denominado de “ambient music”.
Originalmente concebido para um festival intitulado “Mind, Body and Spirit”, o objectivo de Hillage era criar um oásis de harmonia atmosférica.
Juntamente com a sua mulher Miquette Giraudy, Hillage (que nos anos 90 teve algum êxito com o seu projecto System 7), criou um disco onde abundam texturas e cores ambientais, e que é simultaneamente suave e intenso.
Constituem o disco dois belíssimos temas, o primeiro, o relaxante “Garden of Paradise” é baseado em matrizes ressonantes de sequenciadores e umas crescentes texturas sonoras de piano e guitarra eléctrica.
O segundo, o hipnótico “Four Ever Rainbow” começa com o som de um órgão que se desloca ao encontro de ondas deslizantes de guitarra e sintetizador.
Na data da sua edição, em 1979, numa altura em que “punk”, “disco” e “new wave” preenchiam os “tops”, estavam aqui definidas as raízes do que iriam posteriormente denominar como “trance” e “chill-out”.

10 janeiro 2008

Inovadores # 5 - A.R.Kane - “69” (1988 Rough Trade)

Quando os A.R.Kane participaram em “Pump Up the Volume”, a sua contribuição foi mínima, no entanto, no lado B do referido tema, criaram “Anitina”, onde já demostravam o rumo que pretendiam seguir.
Só a forma como o disco começa, com o estranhamente cativante “Crazy Blue”, é um pronuncio do que se segue. Pois estamos perante um exercício ecléctico, alucinogénico e experimental, cujo resultado são canções extraordinárias, com letras alucinantes, do calibre da refrescante “Baby Milk Snatcher” com as suas referências ao sexo oral, ou da cristalina fantasia que é “Spermwhale Trip Over” e os seus delírios obtidos através dos efeitos do LSD. Na balbuciante agregação de sons de “Sulliday” atingem o limite máximo da incompreensível experimentação.
Da combinação da voz única de Rudi Tambala, com os instrumentos de Alex Ayuli, através da utilização de som e texturas que relembram os experimentalismos dos pioneiros do rock psicadélico dos anos 60/70, com elementos adicionais do indie-pop dos anos 80, resulta uma sensual atmosfera imersa em reverberatório feedback, onde muitos temas podem não ser considerados canções, mas “sarrabiscos” sonoros.
Foram comparados com os The Jesus and the Mary Chain, Cocteau Twins (Robin Guthrie co-produziu alguns temas anteriores) ou até com os Pink Floyd (fase Syd Barrett). E posteriormente, também seriam considerados como percursores do “shoegazer”.
Os registos seguintes (“i” e “New Clear Child”), são satisfatórios, mas falta-lhes a profundidade deste disco.
Aqui criaram um disco inventivo e verdadeiramente elíptico.

19 novembro 2007

Inovadores # 4 - Wire – 1977-1979

“Pink Flag” (1977 Harvest)
“Chairs Missing” (1978 Harvest)
“154” (1979 Harvest)



Ainda em actividade, devido a inúmeras reformações, os Wire são muitas vezes referenciados como um dos grupos mais importantes dos 70 e 80, devido à sua reputação pelas experimentações sonoras.
O período entre 1977 e 1979 será recordado como o mais interessante e criativo.
Nos seus três primeiros discos expandiram as fronteiras sonoras, não só do “punk”, mas do “rock” em geral.
Existiu uma constante evolução sonora, desde o estilo áspero de “Pink Flag” (1977), até ao som mais complexo e estruturado de “Chairs Missing” (1978) e “154” (1979).
Devido ao seu amplamente detalhado e atmosférico som, às letras de cariz político, e a abordagem de temas obscuros, foram catalogados com o “post-punk”.
Superficialmente “Pink Flag”, é um disco “punk”, mas pegou no minimalismo do “punk”, e transportou-o para outro patamar, criando um som puro e concentrado.
Todas as canções são curtas e directas, mas que nos deixam sem alento. “12XU”, “Lowdown”, “Three Girl Rhumba” possuem “riffs” sedutores, enérgicos e monocórdicos.
“Chairs Missing” distancia-se do disco de estreia, ao introduzirem teclados e efeitos sonoros, e por possuir composições mais longas, menos “punk” e musicalmente mais rebuscadas. Destaco “Outdoor Miner”, a hilariante “I Am The Fly”, mas também a épica “Mercy”.
“154” é ainda mais diferente dos anteriores, mais produzido, e ainda mais pensativo. Como se fosse uma versão mais lúcida e elaborada de “Pink Flag”. Nas favoritas incluem-se as contagiantes melodias de “The 15th” “Map Ref. 41N, 93W” e “A Touching Display”.
É notável como ainda hoje estes álbuns se mantém tonificantes e fundamentais.
E tiveram uma enorme influência nas décadas seguintes, ao serem referenciados por bandas tão distintas como R.E.M., Hüsker Dü. ou Minor Threat, entre outros.

06 novembro 2007

Inovadores # 3 - A Certain Ratio – “Sextet” (1982 Factory)

Felizmente, devido ao esforço da Soul Jazz, em reeditar, a obra dos A Certain Ratio, a banda de Manchester poderá criar novos admiradores.
E se a mesma Soul Jazz, já promoveu os nova-iorquinos Liquid Liquid e ESG, pioneiros do “punk-funk”. Em Inglaterra (para além dos Gang of Four e dos The Pop Group, já aqui referidos anteriormente), ninguém foi tão inovador como os ACR.
O seu terceiro disco “Sextet” é provavelmente o mais conseguido de um conjunto de excelentes registos.
Se no anterior “To Each” (1981), ao misturarem a obscuridade dos Joy Division com o “funk” criaram um disco excelente e extremamente diferente do que se fazia na altura, em “Sextet” (um disco estruturalmente mais forte que o anterior) adoptaram um som mais límpido e uma palete musical mais abrangente, ao recorrerem às extensas experiências rítmicas aqui presentes.
Assim, é brilhante a forma como criaram uma mistura de ritmos étnicos, que acompanha o sincopado baixo, a alternância do trompete de Martin Moscrop, as guitarras ambientais (mas com contundentes “riffs”), e imensas, imensas percussões.
Existe ao longo do disco um sentido de beleza e serenidade, mas também de ameaça. Ouçam a magnífica melodia propulsiva de “Lucinda” (com a espantosa voz de Martha Tilson), a energia contagiante de “Skipscada”, ou os maravilhosos ritmos arrepiantes de “Knife Slits Water”.
É certamente um dos discos mais sofisticados lançados pela Factory.

26 junho 2007

Inovadores # 2 - Minutemen – “Double Nickels On The Dime” (1984 SST)

No início dos anos 80 as bandas da SST sentiam um salutar sentido competitivo, o que tornou possível que quando os Hüsker Dü gravaram o duplo “Zen Arcade”, este trio de californianos pensaram que também deveriam fazer um disco duplo. E o resultado são 45 canções (43 na reedição em CD), de paixão e clareza.
O disco representa os Minutemen e a sua atitude perante a música, a política e a vida.
Desafiando todas as convenções musicais com a sua atitude e experimentação, encontra-mos de tudo neste disco: rock, punk, jazz, folk, funk, blues, country, psicadelismo, spoken-word, e versões dos Creedence Clearwater Revival, Steely Dan ou Van Halen (só no vinil), mas contrariamente à maioria dos grupos punk que realizavam versões irónicas dos artistas que desprezavam, os Minutemen gostavam dos grupos que revestiram.
D. Boon através de confidentes e assertivas vocalizações ultrapassava as suas imperfeições. Não sendo um grande guitarrista, a sua técnica era baseada no “treble”. Mike Watt era/é um dos melhores baixistas de sempre, com o seu estilo jazzy. Com ele o baixo parece que ganha vida. E o baterista George Hurley conseguia fazer sons notáveis com um pequeno “drumkit”. Os Minutemen tinham nas suas fileiras três dotados músicos, que excediam a maioria das bandas punk da altura. Adicionando um “condimento” jazz-funk, criaram um som único.
Como exemplo vejam a forma como em cinco minutos, os Minutemen, passam do funk de “Viet Nam”, pela introspectiva guitarra acústica de “Cohesion”, até aos “drum breaks” de “It’s Expected I’m Gone”.
Cheio de grandes canções na maioria inferiores aos 2 minutos, destacam-se o punk-pistoleiro de “Corona”, o hipnótico “Jesus and Tequila”, essa falsa semi-balada que é “History Lesson-Part II”, e o funky “Anxious Mofo”.
Duas decádas após a sua edição, a sua influência ainda é palpável no trabalho de bandas como os Red Hot Chili Peppers, musicalmente, e os Wilco liricamente/politicamente.
Um marco absoluto no domínio rock alternativo.

30 maio 2007

Inovadores # 1 - Defunkt - “Defunkt” (1980 Hannibal)

Este colectivo formado em Nova Iorque em 1978, após os seus membros terem desertado dos projectos Contortions e The Blacks de James Chance, foi pioneiro pela forma como incorporou as influências dos grupos de funk dos anos 70, na corrente estética punk-rock nova-iorquina.
Numa intoxicante mistura de free-jazz, “funk grooves” e a atitude punk-rock, criaram uma música abrasiva, frenética e enérgica, ao combinarem uma linha de baixo intimista, e as dinâmicas dançáveis das guitarras e da secção de sopros.
Ouçam os ritmos “funk” de “Make Them Dance”, onde os mesmos parecem que vão explodir a qualquer momento. O claustrofóbico clássico single “Strangling Me With Your Love” é uma referência, com uma surpreendente amarga história de amor. O brilhante “In the Good Times”, uma paródia ao clássico “Good Times” dos Chic, onde os “bons tempos” são os cínicos retratos da vida nos guetos. E o que disser do tema-titulo, com uma introdução vocal fantástica, e a sua história de rejeição.
Existiram muitas reincarnações do projecto que ainda existe actualmente, sempre liderado por Joseph Bowie, e onde se incluíram nomes conhecidos como Vernon Reid ou Melvin Gibbs, mas o nível criativo foi diminuindo ao longo dos anos. No entanto, os dois primeiros discos (este e “Thermonuclear Sweat” de 1982) são fundamentais.
As actuais tendências, podem tornar este disco comum ou ordinário, mas em 1980, numa era de experimentação e cruzamento entre estilos, a música era revolucionária, e não perdeu nenhum do brilho que continha.