30 julho 2010

Classic # 27 - Bauhaus - “In The Flat Field” (1980 4AD)

Sempre odiei o rótulo “gótico”, esse mesmo não fez outra coisa senão prejudicar os Bauhaus, pois para mim eles são tão “rockers” como Elvis Presley.
O seu disco de estreia, “In The Flat Field”, é uma grande obra do melhor “art rock” expressionista.
Provavelmente a banda foi responsável pela criação de um género musical e de um estilo de vida cultural, mas em primeiro lugar, os Bauhaus eram um colectivo de génios criativos. Podem questionar se bandas como The Sisters of Mercy ou mesmo Alien Sex Fiend foram superiores quando se tratava do “rock gótico”, mas nenhuma delas conseguiu executar os inúmeros estilos que os Bauhaus abordaram com perfeição.
“In The Flat Field” contém uma série de pedras angulares do dicionário “rock gótico”, mas simultaneamente oferece um punhado de faixas que mostram como os Bauhaus estavam definitivamente dispostos e aptos para assumir riscos. Hinos fúnebres como “Double Dare” e “Stigmata Martyr” basicamente definiram o modelo de como deveria soar a música gótica, no entanto em faixas como “God In An Alcove” a banda parece dizer “fuck off” ao suposto “público alvo” e a verdadeira capacidade artística é demonstrada em peças experimentais como “Nerves”.
O álbum é muito intenso, não sendo depressivo, é paranóico e recheado de uma negra vida cinética, muito mais do que em qualquer dos outros registos dos Bauhaus. Mas a instrumentação austera e a bela, vacilante e profunda voz de Peter Murphy são o que realmente define o som Bauhaus.
A negra e muscular beleza dos Bauhaus mais do que criar um género, é responsável pelo nascimento de uma subcultura “rock n' roll” obcecada pela morte, que poderia ser simultaneamente assustadora, ritmada e experimental mas sem perder o “focus” na sua visão única.
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27 julho 2010

Editoras # 7 - 4AD

A história começa em 1972 quando o jovem de 17 anos, Ivo Watts-Russell deixou Northampton para descobrir Londres, e encontrar refugio atrás do balcão da loja de disco Beggars Banquet.
No final dessa década, as consequências do “punk” deixaram muitos excitados com as possibilidades criadas pelo movimento. Ivo foi um deles e ficou tão excitado com as inúmeras “demos” que infestavam a loja (proprietária da editora Beggars Banquet) que solicitou os responsáveis da mesma para criarem uma nova editora. Cansados de tanta insistência, deram-lhe £2000 para começar a sua própria editora, com a premissa de que podiam ficar com os potenciais futuros sucessos. Foi assim que surgiram em 1979, os Shox, Bearz, The Fast Set e Bauhaus, os responsáveis pelos quatro primeiros “singles” da recém formada Axis. Mas um telefonema de outra Axis Records, obrigou-o a renomear o seu projecto para 4AD. Os Bauhaus foram os únicos que se enquadraram no plano original da Beggars Banquet e posteriormente deixariam a editora. Mas entretanto chegaram os Rema-Rema, os Modern English, os Dif Juz, e um bando de australianos chamados The Birthday Party, que permitiram a uma pequena editora dar um grande passo em frente. Estes grupos iriam criar um tipo de padrão sonoro, sombrio e melancólico, que discos subsequentes não iriam eliminar. Mas o que faltava era continuidade, pois os seus artistas eram errantes ou descontentes. Os Bauhaus abandonaram, os Modern English foram despedidos, os Birthday Party acabaram.
Mas as peças começaram a juntar-se novamente a partir de 1982, quando três excêntricos escoceses decidiram reinventar a “pop” com uma surpreendente sonoridade vocal, e assim surgiu “Garlands” pelos Cocteau Twins. Surgem também os The Wolfgang Press, o mutante “disco-noise” dos Colourbox e Vaughan Oliver é recrutado como designer das capas dos discos.
Agora a 4AD tem a possibilidade de longevidade do seu lado, com uma deliciosamente abstracta imagem a unir um conjunto de bandas que iria moldar uma fachada uniforme. Isso seria cimentado pelo colectivo This Mortal Coil, um desejo de Ivo se envolver musicalmente e que virtualmente criou um manisfesto estético para toda a etiqueta. Assim quando os Dead Can Dance e os Xymox surgiram em 1984/85 já o termo “disco 4AD” era um factor diferenciador.
No meio dos anos 80, indiferentes ao movimento das “fuzzy” guitarras indie “C86”, aventuraram-se nas torturas apocalípticas dos A.R.Kane e nas expansões mentais das Le Mystère Des Voix Bulgares. E não podemos esquecer essa bizarra colaboração entre os A.R. Kane e os Colourbox, que resultou em “Pump Up The Volume” dos M/A/R/R/S o primeiro disco que fez os obsessivos questionar: “o que é que isso faz na 4AD?”. Mas o disco seria líder nas tabelas, vendendo dois milhões e meio de cópias por todo o mundo, naturalmente Ivo teve o seu momento corrupto.
Mas o seu consolo estava perto, se bem que do outro lado do Atlântico, ao localizar o caldeirão borbulhante de angústia e raiva das “Throwing Muses e um grupo de Boston notável pelas suas furiosas mudança de tempo, chamado Pixies. Esta dupla iria ter enorme sucesso, e para além de serem as bases futuras das The Breeders e das Belly, e seria responsável pelo despertar de grupos como as Lush e os Pale Saints.
A editora tinha afastado o rótulo etéreo e foi propositadamente procurando “bandas de guitarra”, na busca de uns novos Pixies, facto que se tornou urgente, após o fim da banda, e que se tornaria uma constante nos anos seguintes.
Seriam também bandas americanas a atingir maior sucesso na década de 90, como os Red House Painters, Unrest e His Name is Alive, mas a exploração de novos territórios continuou com a assinatura dos Gus Gus.
Coincidente com os fortes sentimentos da atribulada partida dos Cocteau Twins, praticamente após uma década a trabalharem em conjunto, em 1999 Ivo vende a editora ao Beggars Group, onde ainda hoje se encontra incorporada, mas a editora continuou a manter a sua identidade e selecção de artistas ao manter a ex-Throwing Muses, Kristin Hersh ou as The Breeders, e recrutando novos actos como Blonde Redhead, ScottWalker ou St. Vincent.
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Cocteau Twins - Crushed
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Throwing Muses - Colder

21 julho 2010

Rock # 15 - Polvo - “Exploded Drawing” (1996)” (Touch And Go)

O catálogo dos Polvo está bem recheado com discos ousados e tentadores, que literalmente engolem as melodias e os ritmos como é o caso de “Shapes” e “Today’s Active Lifestyles”. Mas pessoalmente o hipnótico e formoso “Exploded Drawing” é o que mais me fascina.
Todas as esculpidas dissonâncias, os calmantes vocais, e os afiados desvios rítmicos que tão bem definem os Polvo e que os tornam tão difíceis de categorizar estão presente aqui mas com uma dose adicional de um purificante turbilhão sónico e estranhas estruturas “pop”.
Anteriores referências comparativas incluem os Sonic Youth, os U.S. Maple ou o ”math-rock”, sendo que esta última referência é uma “etiqueta” extremamente enganadora, uma vez que alude muito mais para o método do que para os resultados e para a própria música – é certamente um sofisticado e matemático “noise-rock”/“indie–rock”, mas onde os resultados desses ritmos complexos e das ortodoxas estruturas de guitarra pertencem a um formato não convencional.
As melodias estão divididas em regimes de tons que nem perecem humanos, e tal como a capa que o seu título evoca “Exploded Drawing”, golpeia as estruturas convencionais, abrindo-as e recombinando-as em novas e intrigantes formas, que nos transportam para outra realidade.
Um soberbo e ambicioso “opus”, de uma das mais inesquecível e originais bandas da década de 90.
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11 julho 2010

Electronic # 18 - Arthur Russell – “World Of Echo” (1986 Upside/Rough Trade)

Um dos menos “honrados” elos entre o “disco” e o “avant garde”, Arthur Russell, foi um violoncelista cuja ânsia de experimentar foi demasiada para a Manhattan School of Music, pois desde que chegou a Nova Iorque nos meados dos nos 70, para aí estudar, começou a fazer conexões entre os formatos.
O simplesmente espantoso “World Of Echo” (o disco é essencialmente uma exploração do eco nas suas diversas formas) – para violoncelo solo, voz, efeitos e electrónica – encerra em si mesmo muitas das suas ideias para uma música “loose-limbed” (como o próprio a definiu) e que sempre manteve a curiosidade como a sua parte mais central. “World Of Echo” continua a ser um disco extraordinário pelos seus cintilantes, reverberantes, quase tangíveis sons: ritmos “sonar” e melodias derivam através de várias camadas de som e significado, como uma metáfora para o inconsciente.
Apesar de Russell, que faleceu em 1992 vitima de SIDA, ser muitas vezes lembrado apenas pelos seus “singles” “disco” nos Loose Joints e Dinosaur L – “Kiss Me Again”, “Is It All Over My Face”, “Go Bang” – e por ter co-fundado a Sleeping Bag Records, este meditativo, quase melancólico registo, categorizado simplesmente como estranho aquando da sua edição, deve ser reexaminado bem de perto.
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06 julho 2010

Compilação # 7 - Y Pants – “Y Pants” (1998 Periodic Document)

Barbara Ess tocou com Glenn Branca nos The Static, mas o seu grupo posterior, Y Pants, descolou-se do idealismo “make-it-new” do movimento artístico “no wave”, para se tornarem num dos mais divertidos grupos femininos de sempre.
Baseados em torno do baixo pulsante de Ess, no pequeno teclado Casio de Gail Vachon e na forma brusca e vigorosamente primitiva com que Virginia Piersol tocava a sua bateria de plástico, as Y Pants evitaram a centralidade da guitarra tanto quanto elas poderiam – quando era necessário algo para preencher uma faixa, elas geralmente preferiam o “ukulele”. Elas tinham todas vozes frágeis e límpidas, mas cantavam em simultâneo para se reforçarem umas as outras, e apesar de todo o seu repúdio pela ortodoxia “rock”, elas adoravam o seu ritmo e a sua simplicidade.
Este disco reúne todas as gravações realizadas pela banda: o seu EP de estreia em 1980, uma faixa de uma compilação da Tellus, e o seu único álbum de originais, “Beat It Down” de 1982. E é um belo documento de um momento particular na história da “downtown NYC”, pois para além dos chilreantes e tinidos originais, como o satírico ”Do The Obvious”, estão presentes configurações de Bertold Brecht e Emily Dickinson, e uma versão imortal do clássico “That’s The Way Boys Are” de Lesley Gore, abrandada como para um canto fúnebre e cantada “acappella” com um grito ouvido vagamente na retaguarda.
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03 julho 2010

Singles # 24 - Beck – “Loser” (1993/4 Bong Load/Geffen)

Em 1992, Beck Hansen vivia em Los Angeles e ocasionalmente tocava num pequeno espaço chamado Jabberjaw. Os seus contactos nesse espaço levaram à sua apresentação a um produtor local chamado Karl Stephenson – o cérebro por detrás do projecto “art-pop” Forest For The Trees.
A dupla, juntamente com um amigo em comum, resolveu reuniu-se em casa de Stephenson, onde Beck tocou algumas das suas canções, mas nada de produtivo surgiu, e Stephenson, inclusive, parecia terrivelmente entediado. Numa altura em que Beck começou a tocar um “riff” de guitarra “slide”, os outros saíram para comer uma pizza, e deixaram a “tape” a rolar, Beck escreveu a letra enquanto eles estavam ausentes e posteriormente gravaram a canção, tendo Stephenson adicionado um “drum beat”. Tudo foi feito num par de horas, e quando Beck saiu, já se tinha esquecido completamente da canção.
Nove meses depois a Bong Load Records emitiu 500 cópias da mesma. Rapidamente cópias gravadas começaram a circular pelas rádios americanas e na Primavera de 1994, “Loser” tornou-se um “hit single”, tendo Beck assinado com a Geffen. O “timing”, fortuitamente foi brilhante: com a obsessão dos “media” pela geração “slacker” num pico absoluto, uma canção a conter um refrão destes, era referência obrigatória para chocar a consciência americana.
E se tudo isto ameaçou Beck de se tornar um “one-hit wonder”, a sua carreira posterior não deixa dúvidas sobre esse facto.
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