28 novembro 2008

Ebay # 4

Nesta minha estadia prolongada em Barcelona, tive oportunidade de explorar melhor o fantástico mercado de San Antoni, mas o meu mercado favorito ainda continua a ser o virtual. Aqui fica mais uma amostra de algumas pechinchas que encontrei nestes últimos tempos, tudo por menos de £3.

Red Crayola – “Live 1967” CD (1967 Drag City)
- Uma reedição de uma gravação ao vivo do grupo de Mayo Thompson.
Improvisação pouco convencional; como convidado aparece John Fahey.

Boxhead Ensemble – “The Last Place to Go” CD (1998 Atavistic)
- O projecto de Michael Krassner numa gravação ao vivo na Europa, utilizando maioritariamente instrumentos acústicos, uma mistura de jazz e post-rock.

Cotton Mather – “Kontiki” CD (1997 Copper) /“Hotel Baltimore” EP (1999 Rainbow Quartz)
- De Austin, no Texas, melodias inteligentes e cativantes,
assentes numas guitarras rebeldes. Influências de Beatles, Byrds e Big Star.

Cotton Mather - Lily Dreams On

Milanese – “Extend” CD (2006 Planet Mu)
- Por ser editada na Planet Mu, já sabia que esperaria uma electrónica similar ao som da Warp.
É isso, mas o puzzle também contém jungle, electro e dubstep.
Um mundo à parte.
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25 novembro 2008

Deerhunter – “Microcastle” (2008 Kranky)

Depois da edição do primeiro disco do seu muito pessoal projecto paralelo - Atlas Sound – era com muita ansiedade que aguardava pelo novo disco da banda de Bradford Cox. E os Deerhunter não me desiludiram, pois apresentam-nos um disco colossal.
“Microcastle” é um disco original e imaginativo, com um charme e uma competência fora do comum, e está recheado de um “pop” florescente, com calorosos e sibilantes solos de guitarra e uma percussão enérgica. Aqui as rudes arrestas sonoras foram limpas para um formato mais digestível e orientado para a canção, comparado com a dura escuridão ambiental de “Cryptograms”, e se a redução do “noise” pode diminuir o impacto, é o lado mais brando dos Deerhunter que torna a sua música tão compelível. Existe uma elegância nesta simplicidade, que pode comprovar que as guitarras distorcidas de “Cryptograms” não serviam para esconder algum tipo de incompetência. Sobressaem as directas e enérgicas “Nothing Ever Happened” e “Saved By Old Times”, a despreocupada melodia de “Never Stop” ou a simetria da flutuante “Agorophobia”, que não estavam associadas ao som dos Deerhunter.
Os temas base (morte, perda e desespero) continuam presentes, mas parecem mais preocupados em arranjar formas de escapar aos mesmos, mesmo que seja de uma forma efémera e assim uma impressionantemente postura esperançosa está presente em temas como “Little Kids” e “Green Jacket”, apesar das vocalizações continuarem submissas e deprimidas.
A natureza complexa e individualista dos vários membros é uma mais-valia, que se pode comprovar pela brilhante contribuição do guitarrista Lockett Pundt, que também partilha por esta via as suas obsessões.
“Microcastle” é uma luxuriante paisagem sonora, muito mais próxima da perspectiva de uns My Bloody Valentine do que de outros grupos de rock experimental com quem os Deerhunter costumam ser associados e mais uma forma de Bradford Cox confirmar a sua influência como futuro ícone musical.
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22 novembro 2008

Pop # 4 - Aztec Camera - “High Land, Hard Rain” (1983 Rough Trade)

Precisamente, em Janeiro de 1980, um miúdo, Roddy Frame, fundava os Aztec Camera. Estes gravitariam sempre à volta das suas visões muito especiais e da sua qualidade de composição.
A inovadora e complicada miscelânea de “pop”, “rock”, “jazz”, “folk”, que caracterizava o som dos Aztec Camera, faz com que o grupo chame a atenção da jovem independente editora Postcard, que edita os seus primeiros dois singles. O percurso iria prosseguir na Rough Trade, que edita os singles seguintes, “Pillar To Post” e “Oblivious”. Ambos atingem os topos das tabelas “indie” e tornam-se numa das melhores promessas da “pop” escocesa.
Tudo isto fez com que a expectativa que rodeava o seu disco de estreia fosse enorme. E “High Land Hard Rain” não iria desiludir ninguém.
Uma exalação de ar fresco aquando da sua edição (uma terrível altura para a “pop”), era musicalmente vibrante e extremamente único, para além de ser incrivelmente super-produzido para o período (penso que só “Skylarking” dos XTC poderá ser alvo de comparação).
As canções eram ricas em melodia, baseadas em deslumbrantes arranjos e texturas vocais, apoiadas nas assombrosas letras, extremamente comoventes, que expunham sem enfeites as ansiedades da juventude (“The Boy Wonders” é um belo exemplo).
A isto acrescenta-se a capacidade inata de Roddy Frame na guitarra e um puro e total entusiasmo que faltava a muitas bandas.
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18 novembro 2008

Classic # 16 - Patti Smith - “Horses” (1975 Arista)

Um dos discos de estreia mais escandalosamente original, em 1975, “Horses”, foi fundamental para estabelecer a nova estética “punk” que alterou as regras do “rock” para sempre, mas catalogar Patti Smith não é fácil, pois a sua música transcende qualquer género musical. Iconoclasta abre o disco com a referência (“Jesus died for somebody’s sins, but not mine”), reinterpretando o velho clássico “Gloria”, de uma forma rude, determinada e provocadora. Está dado o mote para o resto do álbum: sem limites.
Produzido por John Cale, o disco está recheado de perturbadores, mas vivos relatos de sexo e violência, com temas que abordam a violação homossexual, a luxúria e até o suicídio, onde somos transportados para um halucinatório e perigoso sub-mundo. Intensa e poética, no entanto simultaneamente genuína e sincera, ela fez com que as suas “faladas/cantadas” letras se tornassem não só compelíveis, mas também credíveis.
Nunca ninguém verdadeiramente conseguiu restabelecer a originalidade criada por Smith.
É evidente a dramática estrutura das canções: a esperançosa “Free Money” com a sua mutação da bela balada de piano até o mais puro “rock”, o surrealismo evocativo de “Kimberly”, a pesarosa e gentil “Redondo Beach” com as suas influências “ska” e arranjos de sintetizador, o belo hino “Break It Up” que se eleva continuamente e que conta com o contributo de Tom Verlaine dos Television, as duas encantatórias invocações de fantasmas passados - a sublime e emocional “Birdland” (baseado em “Book of Dreams” de Wilhelm Reich), que nos transporta da plenitude até ao êxtase na sua complexa estrutura lírica e musical e a cinemática “Land”, violentamente erótica, com uma transcendente parte vocal e um extraordinário trabalho de guitarra – até à suicida “Elegie”que fecha assustadoramente o disco (escrita a meias com Allan Lanier dos Blue Oyster Cult, tal como “Kimberly”). Convém acrescentar que isto tudo não seria possível sem a excelente banda, liderada por Lenny Kaye, que a acompanhou.
“Horses” será um percursor do “punk”, primeiramente porque antecipou aquele género sonoramente antes da sua materialização, no entanto também porque antecipou o espírito do “punk” pela retrospecção dos velhos dias do “rock’n’roll” e capturar a sua juvenil e inspirada essência.
A sua influência foi óbvia e está presente em P.J.Harvey ou Liz Phair, em outras, ou até mesmo nas Sleater-Kinney. E como a icónica capa com a fotografia de Robert Mapplethorpe o testemunha, Patti Smith é a original Riot Grrrl.
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16 novembro 2008

Stereolab - “Chemical Chords” (2008 4AD)

Em quase duas décadas, a discografia da banda de Tim Gane e Laetitia Sadier sempre foi uma íntima exploração de ideias. Apareceram no início da década de 90 desafiando o dominante “shoegazing”, oferecendo uma mistura de “krautrock”, electrónica, e vozes despidas. E ao longo dos anos tiveram desvios pelo universo de Martin Denny, da Tropicália, da “french chanson” ou do cinema italiano, “Chemical Chords” não foge à regra, mas é um excelente exemplo de exploração e um novo propósito para a banda.
A música aqui presente encontra-se na forma mais elaborada, mas fluida e natural, descarada no efeito desejado – uma massiva reacção emocional. Tal como muitos dos anteriores discos, contém uma simplicidade do princípio ao fim que pode-nos abstrair do seu encanto. Temos de insistir gradualmente, pois neste disco, está presente uma urgência que já não ouvíamos à muito nos Stereolab, tudo parece inteligentemente compacto e agrupado magnificamente como num organismo vivo. O regresso de Sean O’Hagan (High Llamas) é uma mais valia pelos seus dominantes e delicadamente cuidados arranjos presentes em todo o disco.
Destacam-se o requintado “pop”, aqui presente no mais puro dos encantos e esplendor em “The Ecstatic Static”, “Valley Hi!” e “Self Portrait With Electric Brain”, a circulatória energia e intrigante melodia de “Neon Beanbag”, a furtivamente “sexy” linha sonora e os arranjos de sopros de “One Note Symphony”, ou o agitante e incandescente baixo de “Three Women”.
Muitos poderão ouvir “Chemical Chords” e afirmar que ainda soa aos velhos Stereolab, mas como uns Sonic Youth, as pequenas mutações vão existindo, no entanto mantêm-se sempre fieis ao seu projecto sonoro
Não será tão épico como eles já provaram ser capazes, mas é extremamente satisfatório, e após algumas audições ficará alojado no nosso cérebro.

Stereolab - Three Women

13 novembro 2008

DVD # 4 - Vários - “1991: The Year Punk Broke” (1992 Tara Films)

Quando o movimento “grunge” explodiu, a música categorizada como “underground” tornou-se no “mainstream”, com a atenção dada pela imprensa e apoiada por todo o marketing forjado que dai resultou.
E muito do que de negativo chegou com essa mini revolução social, faz com que muitas vezes se esqueça tudo o que de bom existia antes de “Nevemind”. Estamos na presença de um grande DVD - cujo nome é uma astuta resposta ao fenómeno, através da comparação com o que aconteceu em 1976 na Inglaterra com os Sex Pistols, Buzzcocks e The Clash, pois o movimento “punk” americano (Black Flag, The Germs, X) nunca extraiu os benefícios da fama - que nos relembra desses bons momentos, recheado de brilhantes performances da tournée pela Europa realizada em 1991 pelos Sonic Youth, e por isso é essencialmente focado nestes.
O nosso “guia” Thurston Moore, simultaneamente arrogante e encantador, é excelente nas suas hilariantes deambulações, especialmente no episódio com os jornalistas alemãs. E o ponto alto do DVD é mesmo o registo das actuações dos SY, sendo que “Dirty Boots” é verdadeiramente excepcional, recheada de premência, assim como o são “Schizophrenia” (soa melhor ao vivo), “Mote” ou “TeenAge Riot”. Outras boas performances incluídas são os Dinosaur Jr., que tocam de uma forma ciclónica “The Wagon”, os Nirvana com “Negative Creep” e “Smells Like Teen Spirit”, e as Babes In Toyland em “Dustcake Boy”. Para além destes temos a contribuição musical dos Gumball e Ramones, pequenos momentos passados nos bastidores que retratam a excitação vivida no período e ainda a presença esporádica de gente ilustre como os Mudhoney ou Bob Mould (a comer um cachorro quente).
Um excelente momento de nostalgia, mas também uma visão antropológica da música alternativa em 1991, com a presença de algumas das bandas mais influentes do movimento.

06 novembro 2008

Do fundo da prateleira # 12 - Opal - “Happy Nightmare Baby” (1987 SST)

O único disco de originais dos Opal, deu cobertura à narcótica aventura amorosa que o guitarrista David Roback (ex-Rain Parade) e a vocalista-baixista Kendra Smith (ex-Dream Syndicate) iriam procurar refinar nos seus projectos subsequentes – Roback nos Mazzy Star, Smith na sua carreira a solo.
Entre primitivos e flutuantes “drones” de guitarra e brilhantemente aveludados e lamentosos “riffs”, foi um dos poucos discos que emergiu do movimento designado como Paisley Underground que realmente se salvou, desse conceito prometedor de um som “western” negro e psicadélico.
A voz lacónica, desprendida, e passiva de Smith é perfeita, bem profunda no interior das canções e magnificamente misturada com as penetrantes guitarras e o saltitante orgão de Roback, carregando o disco de torturantes melodias. Resultado, uma música insensatamente excelente - assombrosa, sedutora e intoxicante, com espantosas letras – ouçam “Grains Of Sand”, “Fell From The Sun”, “All Souls” ou “Happy Nightmare Baby”.
Infelizmente ainda hoje é um disco obscuro e menosprezado.
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Opal - Happy Nightmare Baby

03 novembro 2008

Tributo # 8 - Cabaret Voltaire – 1983-1987


“The Crackdown” (1983 Virgin)
“Micro-Phonies” (1984 Virgin)
“Code” (1987 Virgin)

Numa altura em que o “punk” dominava, existiram alguns movimentos que fugiam aos padrões sonoros do género. Muitos deles trabalhavam com instrumentos electrónicos e pré-gravações, e numa primeira, e mais primária fase, ficaram rotulados como electro-industrial.
Em Sheffield, uma cidade industrial, na verdadeira acessão da palavra, iriam aparecer grupos como os The Human League, os Clock DVA, e os Cabaret Voltaire. Estes últimos seriam um dos mais importantes ao combinarem música electrónica experimental com o “pop”“dub”, “tecno”.
Formados por Stephen Mallinder, Richard H. Kirk e Chris Watson, a sua evolução sonora esteve interligada com a evolução da própria tecnologia, evoluindo das primitivas colagens sonoras para os sintetizadores e samplers.
Uma forte componente visual sempre os acompanhou, desde as imagens que eram projectas nos espectáculos ao vivo, passando pelo grafismo dos discos, e os vídeos – neste último tendo criado a sua própria produtora de vídeo, a Doublevision.
Numa primeira fase dominava a agressividade politica e o terrorismo sonoro, dissonante e vibrante muita na veia dos Throbbing Gristle. Era um som experimental, livre electrónica industrial, e assim temas como “Silent Command”, “Eddie’s Out” ou “Control Addict” mais se parecem com colagens sonoras do que verdadeiras canções. Nesse período gravaram dois álbuns fundamentais, “Red Mecca” (1980) e “The Voice of America”(1981).
Já reduzidos a um duo com a saída de Watson, que iria formar os Hafler Trio, assinam pela Virgin, e a partir daqui a sua sonoridade ficou mais elaborada e passou a focar-se em ritmos mais dançáveis, mais “pop” orientados, e com a incorporação de estruturas do “funk”. Isto em 1983, quando a música industrial ainda se estava a desviar das guitarras e a norma era emergir nas electrónicas (Test Department) ou na experimentação (Einstürzende Neubauten).
Desta segunda fase resultaram discos como “The Crackdown” (1983), “Micro-Phonies” (1984) ou “Code” (1987), onde estavam incluídos alguns dos seus melhores temas, mas também os mais acessíveis como “Sensoria” ou “Here To Go”, que rapidamente se tornaram favoritos das pistas de dança.
Era um som sombrio, os ritmos frios e as vozes hesitantes com mensagens e advertências. E apesar do som mais “limpo” a imagem dos CV continuava algo sinistra, mas talvez mais distinta, e gradualmente foram desenvolvendo a variação “dançante” da música industrial que eventualmente definiu o género a partir de meados dos anos 80. A mudança começou com “The Crackdown” onde a música é mais complexa e estratificada, destacam-se “Talking Time”, “Crackdown”, a maravilhosamente complexa e altamente introspectiva “Just Fascination”, e as excursões ambientais de “DoubleVision” e “Badge of Evil”. Seguiu-se “Micro-Phonies”, provavelmente o melhor disco do CV, é mais disciplinado e resoluto, mas um dos mais intransigentes do seu tempo. Uma verdadeira banda-sonora da idade moderna, está cheio de humor negro e comentários sociais, visíveis nesse exercício de “samples” que é “Do Right”, na ciber-paranóia de “Spies In The Wires”, ou em “Blue Heat”. “Code” é o mais acessível, mas completamente contagiante, produzido por Adrian Sherwood, é mais “funky”, mas musicalmente inteligente e cínico. Destacam-se “Don’t Argue”, “Thank You America” e “No One Here”.
Seguiram-se colaborações com produtores como François Kevorkian, que realizaram remisturas com o intuito de tomar de assalto as pistas de dança, que iria culminar em 1990 com a edição de “Groovy, Laidback & Nasty”, já bastante influenciado pela sonoridade “house”.
Desde 1994 que estão semi-retirados (Richard H Kirk continua muito activo com vários projectos – Sandoz, Dark Magus, Sweet Exorcist), mas esta variação de música electrónica industrial iria influenciar directamente grupos como os Front 242, Nitzer Ebb, Skinny Puppy e Nine Inch Nails, o lado negro do “tecno pop”._

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